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Acesso de índio à universidade ainda é pequeno

Somente 0,03% das vagas do Ensino Superior são destinadas a indígenas

 

Neste Dia do Índio há pouco a se comemorar em termos de acesso dos povos indígenas ao Ensino Superior. O mais recente censo educacional realizado em 2008 pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação, mostra que o acesso os índios à universidade permanece muito baixo. Das 2.985.137 de vagas de Ensino Superior oferecidas pelas 2.252 instituições brasileiras, 1.093 foram destinada a índios, o que representa 0,03% do total. Essas vagas foram disputadas por 1.713 inscritos. Destes, somente 282 conseguiram ingressar. Além disso, a evasão é outro problema nessa equação que separa índios da universidade. De acordo com o Censo, apenas 13 conseguiram se formar.

 

Com o objetivo de contribuir para a formação superior de povos indígenas, a Funai (Fundação Nacional do Índio) criou em 2004 seu primeiro convênio com uma universidade, na ocasião a UnB (Universidade de Brasília). Pelo acordo, a Funai repassa ao aluno um valor de apoio financeiro para que ele possa se manter na universidade. Neide Siqueira, coordenadora de apoio pedagógico da Funai, explica que os convênios feitos com as instituições de Ensino Superior visam proporcionar ao aluno condições melhores para que ele conclua o curso.

 

Atualmente, há pelo menos 16 conveniadas. "A Funai faz esse papel, libera bolsas de estudos para que o candidato indígena custeie suas necessidades enquanto estiver na faculdade, já que não há ainda hoje, pelo governo federal, um programa específico de apoio para a graduação desse povo", explica Neide. Ela diz também que por esse motivo, a fundação recebe anualmente um recurso vindo da União para a distribuição dessas bolsas de estudo. "Nosso intuito é que a situação de cotas para a população indígena melhore com o passar dos anos, mas ainda há uma necessidade muito grande de que as universidades abram mais vagas. Além disso, tentamos criar junto ao MEC essa política de ensino superior", diz Neide.

 

A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), por exemplo, realizou neste ano seu primeiro vestibular destinado a indígenas brasileiros. A instituição ofereceu duas vagas para cada um dos cursos de Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Enfermagem, Medicina e Odontologia, realizados em Belo Horizonte, e no curso de Agronomia, realizado no campus de Montes Claros. Segundo Carmena Polito Braga, pró-reitora adjunta de graduação da UFMG, as vagas para esses cursos não foram oferecidas por reserva de cotas.

 

Elas são o resultado da abertura de novas vagas para cada curso. "Foram dois anos para a criação dessas vagas numa série de discussões que envolveram outros alunos indígenas da universidade, comunidades da região e professores que trabalham com comunidades indígenas. A partir disso, fizemos um diagnóstico de interesse entre a população indígena para saber qual era a área de maior necessidade, no caso a da Saúde", diz Carmena.

 

A universidade teve cerca de 220 candidatos inscritos pela Internet para este vestibular. Deste total, apenas 136 inscrições foram homologadas, já que muitos candidatos não enviaram a documentação necessária para a efetivação do registro. "Talvez pela falta de recursos para viajar e realizar a prova, tivemos apenas 79 candidatos, que concorreram por 12 vagas. A UFMG não ajuda financeiramente o candidato para que ele venha fazer a prova, só o auxiliamos depois que o aluno está matriculado", declara Carmena. A pró-reitora diz também que pelo convênio firmado com a Funai, os alunos receberão uma bolsa de R$ 300, além de moradia custeada pela Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade). Todos os alunos aprovados para este vestibular entregaram uma carta assinada no ato de sua inscrição, em que atestam que ao término do curso, voltarão às comunidades para atuar na área de sua graduação.

 

Thais Juliana Palomilo, Pedagoga do Programa de Ações Afirmativas da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), diz que os relatos mais frequentes são de alunos que pretendem voltar para sua aldeia e ajudar seu povo. "A maioria dos alunos que temos aqui têm o objetivo de se formar e voltar para suas comunidades. Eles relatam também a saudade que sentem de seus familiares, e o que pretendem fazer para ajudar seu povo", afirma ela.

 

Choque cultural

 

Além da dificuldade que muitos ainda têm em conseguir passar no vestibular, os índios se deparam com a mudança cultural e linguística encontrada dentro do campus. Para tentar ajudar nesse aspecto, há universidades que oferecem auxilio aos alunos, como é o caso da UFT (Universidade Federal do Tocantins). "Criamos um programa institucional de monitoria indígena. Escolhemos um aluno regular da universidade para se tornar orientador do colega indígena. Ao aceitar a tarefa, ele recebe uma bolsa de estudo e passa a ser orientado por um professor. Dessa forma, esse monitor acompanha o novo aluno em questões de língua portuguesa e em outras áreas do conhecimento", explica Alan Barbiero, reitor da UFT, que também é presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).

 

Barbiero acredita que não basta apenas dar espaço para a população indígena dentro da universidade. Segundo o dirigente, é importante garantir apoio pedagógico e financeiro para que eles possam ingressar na graduação. "Muitos alunos chegam à instituição sem conhecer muito da língua portuguesa. É preciso criar uma política de ensino para melhorar a educação básica nas aldeias, para que dessa forma eles tenham um tratamento igualitário e sem preconceito", defende Barbiero.

 

Para o advogado Vilmar Martins Moura Guarani, coordenador do Observatório de Direitos Indígenas, organização que trabalha para alisar o comportamento dos órgãos e instituições governamentais dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação aos direitos fundamentais dos povos indígenas do Brasil, a inserção dos índios na universidade ainda é vista com muita deficiência. "Nas universidades ainda não se fala sobre legislação indigenista (marco legal que trata sobre a situação jurídica dos índios). As instituições não se abriram para esse conhecimento. Se fosse depender da formação que tive, não saberia nada sobre esse assunto", critica ele.

 

Guarani expõe que a questão do preconceito sofrido por alguns alunos dentro das instituições de ensino está relacionada com a região em que vivem. "O preconceito contra o indígena tende a ser maior nos lugares onde existe disputa de terra. Como não vim de uma área com esses aspectos, não sofri preconceito durante minha graduação", declara ele. Guarani diz também que não teve dificuldades para se adaptar ao Ensino Superior. "Mudei para Goiânia quando ainda cursava o 2º grau, então consegui me adaptar ao ensino sem muitas dificuldades quando ingressei na faculdade", resume ele, que atualmente faz mestrado em Direito Econômico e Socioambiental.

 

Diferente do objetivo dos novos estudantes indígenas em voltar para suas comunidades, Guarani decidiu tratar de questões voltadas não só para sua antiga aldeia, mas também para todas outras. "Depois que me formei sempre ajudei de alguma forma o povo da minha comunidade. Em 1998, fui à aldeia ajudar a regularizar uma situação fundiária. Além disso, tento me interar de qualquer caso em que haja algum indígena envolvido para ajudá-lo a resolver".


Data: 19/04/2010