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Artigo - Os Barnabés, a promiscuidade em Brasília e a nova classe que se refestela com dinheiro público - Parte 2

Wagner Braga Batista

 

Collor explorou esta falsa idéia. Presidente forjado pela mídia e pelas pesquisas de opinião, identificou no funcionalismo um de seus alvos preferenciais. Pioneiro no emprego do discurso ultraliberal, explorou o senso comum para investir contra funcionários públicos.

 

Seu objetivo era mais amplo, desmantelar instituições públicas, anular direitos trabalhistas e abrir campo para a escalada privatizante  que se seguiu. Este habilidoso precursor da bandalheira e da farsa administrativa que teve prosseguimento em governos seguintes com uma mão acenava para o povo, com a outra distribuía favores com seus apaniguados ( Roberto Jefferson então líder do governo na Câmara, que depois na condição de beneficiário arrependido foi autor da denúncia, Renan Calheiros, principal articulador político do governo, Paulo César Farias, responsável pelo caixa dois, Cleto Falcão, Antonio Magri, articulador da direita sindical e ministro do Trabalho de Collor, entre tantos outros). Instituiu a propina e o suborno como mecanismos de governabilidade. No entanto, apelava à defesa da austeridade e da probidade, proferida com olhar raivoso e tom irado. Seu intuito velado, ganhar credibilidade e promover ações bastante distintas. Ele próprio um rebento de oligarquias, não pretendia romper com sua classe de origem. Ele, que desde criança se beneficiara do transito no poder, não renunciaria às prerrogativas que obtivera.

 

Invocava o povo e patrocinava interesses adversos, de elites conservadoras. Atacava o serviço público, falava em modernização de instituições públicas e abria novos espaços para oligarquias patrimonialistas, latifundiários e usineiros que sempre estiveram à sombra do poder.

 

Neste contexto, os funcionários públicos foram chamados de marajás. Depois, os aposentados seriam tratados como vagabundos por Fernando Henrique Cardoso. Pois é, de repente os velhos Barnabés tinham ascendido à condição de marajás. Olhavamo-nos mutuamente e não identificávamos nenhum indício desta metamorfose, supostamente operada na vida e na rotina de modestos servidores públicos.

 

Desconhecíamos que ministros, juízes, assessores, gestores públicos, figuras que ocupam altos escalões de governo, entre outros, também se incluíam na categoria de funcionários públicos. Não na nossa condição de funcionários públicos.

 

Neste contexto, a cultura do luxo é erigida em Brasília como signo de poder.

 

O Presidente já havia desqualificado os automóveis brasileiros: são verdadeiras carroças. Com isto dera a senha para a avalanche de importados que modernizaram a economia brasileira. Não apenas asiáticos Toyotas, Mitsubishis, Hundai, como também ingleses, BMW e Rols Royce, alemães, franceses, etc.

 

Apaniguados de Collor e seus respectivos séqüitos distinguiam-se pela adesão às grandes marcas. Marcas de uísque, perfumes, relógios, canetas, gravatas, jóias, ternos, tailleurs, água mineral, motocicletas, automóveis esportivos, lanchas, jet-skies, aviões privados, etc e tal.

 

Subornos eram feitos sob o signo de empresas luxo. O que equivalia dizer, cada corrupto tinha o valor de uma marca. Lobistas cometavam: Doutor Esmeraldo vale um Mont Blanc, Deputado Hortencio só aceita Breitling. Cautelosos, advertiam: não entreguem só um Rolex para o Ministro Ratão, lembrem-se que ele tem família. Os menos exigentes, mais conscienciosos e sinceros, pediam qualquer coisa, desde de que fosse em cash.

 

As grandes festas e recepções também eram portais de grandes marcas. Serviam para identificar as tribos formadas por aliados de Collor. Na festa de fulano, prevalecia Dior. Na de sicrano, ostentava-se Balenciaga.

 

O carro chefe da cultura do luxo e do consumo supérfluo era o próprio Presidente da República. Vejamos a que dizia a revista Veja em 9 de setembro de 1992, reportando-se à Casa da Dinda, residência pesidencial:

 

“Os jardins babilônicos de Fernando Affonso Collor de Mello são a sétima maravilha da corrupção do governo. Para dar um toque final na megalomania vegetal, há cinco grandes cachoeiras de águas cristalinas. O sibarita só aciona o mecanismo eletrônico que faz as cascatas ciciarem quando estão presentes os sicofantas e sacripantas de sua intimidade.”

 

A Primeira Dama, socialite sertaneja e hostess do atraso cultural, especializara-se no patrocínio da moda. Paralelamente, fazia filantropia promovendo falcatruas na Legião Brasileira de Assistência- LBA.

 

Cleto Falcão, líder do Partido Republicano- PRN, era conhecido pela fidelidade ao Governo Collor e às gravatas Hermes. Pelas festas regadas a uísque Logan e água Perrier. Pela vida mansa e nababesca.  Sem pejos, quando questionado sobre o provimento de seus gastos, dizia calmamente: os amigos me ajudam.

 

Havia também as festas mais tradicionais, aqueles que faziam da pistolagem sua autêntica marca. Vibrantes e estrondosas eram promovidas por senadores e deputados alagoanos que disputavam palmo a palmo seu território. Cada qual com sua marca preferida: Colt, Smith Wess, Uzi, entre outras. Os que se diziam nacionalistas nunca abdicaram da Taurus.

 

Para não feder ambientes festivos, uma seleta nata de corruptos fumava H. Upmann Petit Hupmanns. Com isto aliviavam o bloqueio econômico e faziam uma pequena deferência à cultura cubana. Reverenciavam também os perfumes. Utilizavam-se abundantemente de Channel e Dior e Resgatando o sentido original dos perfumes, per fumum , que significa por meio da fumaça, atenuavam o cheiro da podridão que exalavam. Os perfumes também incitavam esta rapaziada a exercitar suas narinas em outros tipos de cheiros, mais conhecidos como cafungadas. Prática que se vulgarizou em Brasília nos anos Collor.

 

Políticos promiscuamente corretos, nunca jogaram papel no chão, não xingavam a mãe dos outros, nem deixavam indícios de atos ilícitos ou falcatruas. Bacanas, né?

 

No entanto, essas figuras impolutas e de alma nobre sentiam-se no direito de chamar barnabés de marajás.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 20/04/2010