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Artigo - Os Barnabés, a promiscuidade administrativa em Brasília e a nova classe que se refestela com dinheiro público - Parte 3

Wagner Braga Batista

 

Esta nova classe nada tem a ver com o funcionalismo público. É constituída por subprodutos de uma política que, ainda hoje, trata com deferência apaniguados, aliados e cooptados. Da mesma natureza que as precedentes, que preservavam privilégios de oligarquias. Esta política aplica-se como uma luva a neófitos e adesistas que se esmeram em abdicar de qualquer escrúpulo para manter suas regalias. Enquistados no aparelho de Estado, continuam a se utilizar de vantagens e de transito nas esferas do judiciário, do legislativo e do executivo para obter benefícios ilícitos. O que é pior, sua conduta confunde a nação. Instala no povo um sentimento de aversão à esfera pública que tem resultados extremamente adversos, posto que legitima a privatização do setor público com base numa lógica pseudomoralizadora. Contribui para a extinção de instituições e de serviços indispensáveis para o conjunto da população, viabilizando a transferência de patrimônio publico para grandes empresas privadas. Eliminando, com isto, a capacidade de intervenção do poder público em setores estratégicos da economia.

 

Os servidos públicos não são santos, também não podem ser demonizados. Há funcionários relapsos, não são poucos. Subservientes e bajuladores, que fazem tudo que está a seu alcance para servir seus chefes imediatos. Funcionários sem compromissos e sem responsabilidades com sua função. Contudo, não constituem a expressão do funcionalismo público. Essas deformidades tem que ser debeladas por meio da capacitação e  da conscientização do funcionário público.  Por meio de investimentos numa cultura de valorização do serviço público, de tal modo que funcionários, cada vez, mais percebam a importância de suas funções e do papel social que exercem. Assim como, a população se sinta contemplada e gratificada por seus serviços.

 

Pois bem, esta semana abri uma revista. Havia várias matérias alusivas ao cinqüentenário de Brasília.

 

Causou-me constrangimento a leitura de algumas reportagens. Incutiam um sentimento de indignação frente à nova imagem de servidores públicos. Na condição de professor e servidor público sentia-me envergonhado. Via-me projetado em imagens que não correspondiam à realidade dos servidores públicos.

 

Essas imagens  reproduziam novos hábitos e padrões de vida de alguns servidores públicos.

 

Um dos títulos “O luxo que brota no cerrado" (1). Apesar de remeter à uma vasta região, se reporta unicamente à Brasília. De imediato, assinala “mesmo a 1200 quilômetros do mar. Brasília tem a terceira maior frota náutica do país” Esta cidade não desenvolve atividades produtivas, portanto sua renda provem especialmente do  comércio e do serviço público. No entanto, apresenta o maior PIB per capita anual do país, R$ 40, 696,00. Quase três vezes superior à média brasileira, R$ R$ 16.414,00.

 

Fazendo referencia ao mercado de luxo, a reportagem acrescenta: “esse segmento movimenta R$ 6 bilhões por ano e cresce a um ritmo de 5% a 10% anuais.  Brasília, segundo diretores de empresas de luxo, constitui o mercado mais promissor para seus investimentos. Um deles assinala: “temos uma clientela significativa no Congresso e na Esplanada dos Ministérios”.

 

A seguir remete ao Índice de Desenvolvimento Humano- IDH das cidades satélites.  Mesmo a mais pobre, tem um índice superior à média brasileira. Sendo que o IDH da cidade satélite mais rica equivale ao das melhores cidades do mundo.

 

Estas indicações, longe estão de revelar as assimetrias de Brasília e de suas cidades satélites. Ao redor dos grandes shoppins centers, dos hotéis cinco estrelas e de suas construções faustosas, emerge a miséria subterrânea. Aflora às noites em ruas vicinais, fora dos olhos da polícia e da segurança privada. Invisível, anos atrás, emerge como virulenta semente da exclusão social, que não pode ser esterilizada pela racionalidade econômica e pelo planejamento urbano restritivo.

 

O IDH de cidades satélites também não reproduz com fidelidade recortes e profundas disparidades nelas existentes. Assimetrias que distinguem regiões do país, estados da mesma região, cidades do mesmo estado e populações da mesma cidade. São indicadores da coexistência de riqueza abusiva e de pobreza incontida, presentes em todo canto do país. Suas raízes podem ser localizadas na concentração econômica e política. Manifestando-se, mais cinicamente, no uso indevido do poder político e dos recursos públicos a ele associados.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG

 

 

(1) Martinez, Chris e Hirsh, Daniela. O luxo que brota no cerrado, Época, edição nº 622, 19 de abril de 2010, p 92 / 95.


Data: 22/04/2010