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Artigo - Amundson e a regulamentação da profissão de designer

Wagner Braga Batista

 

Amundson estava se tornando um sujeito meio esquisito. De repente, começou a bisbilhotar a caixa postal dos amigos. Invadir blogs de pessoas estranhas e dar palpite onde não era chamado. Tudo bem, dizíamos uns aos outros. Choses de la vie.

 

Amundson não era mal sujeito. Era boa praça. Cordato e bem humorado. Não fazia mal a ninguém. No entanto, adquirira essa mania.

 

Não bebia cerveja, mas dizia pros outros como deviam tomá-la. Não jogava futebol, mas gostava de comentar  o jogo. Como todo mundo é técnico de futebol, neste universo também cabia o Amundson.Um dia abruptamente entrou em campo. Queria mudar as regras do jogo.

 

Como assim? È isto aí. Dizia que estava tudo errado. Que o goleiro não podia pegar a bola com as mãos. Que não podia haver gol de bicicleta. Que o drible era uma humilhação. Queria mudar as regras do jogo. Não só queria mudar as regras. Queria mudá-las no meio do jogo. Logo ele, que nem jogava bola..

 

Em consideração, o pessoal se acalmou. Afastou o Amundson, achando que ele estava meio doidão.

 

O pobre do Amundson estava ficando esquisito. Parava as pessoas na rua para dizer que estavam mal vestidas. Que a blusa não combinava com a cor dos cabelos. Que seus sapatos estavam apertados.  

 

Para ser do contra, começou a trafegar pela contramão. Insatisfeito, interrompia a missa pra ensinar o sermão ao vigário.

Amundson, era um bom sujeito mas não estava regulando bem.

 

Um dia bateu na porta de um vizinho para dizer que ele não podia mais transar com a sua mulher. A mulher dele ? Não, do próprio vizinho.

 

Aí a coisa ficou preta. Preta, não camarada, essa expressão não é politicamente correta. A situação degringolou. O ignorante do vizinho só sabia que a mulher era sua mesmo. Não quis saber de opinião de Amundson. Se era doido ou estava para ficar. Partiu pra ignorância.

 

Pobre Amundson. Não queria nada pra si. Era incomodo, mas no fundo só queria o bem dos outros.

 

Não entendia patavinas de nada, mas se sentia no direito de meter o bedelho onde não era chamado.

 

Pois bem, depois deste incidente Amundson sumiu.

 

Quando perguntavam por ele, ninguém sabia seu paradeiro.

 

Sabiam que não mudara de vida. Tivera uma longa trajetória laborial. Fora chofer de praça, biscateiro, costureiro e trabalhara numa agencia de publicidade. Além de marqueteiro, pedicure, manicure, penteara o cabelo de meia dúzia de celebridades. Neste período, lutando pela subsistência, aceitara alguns michês. Mais, desenhara plantas baixas e pintara três ou quadro casas de seus conhecidos. Antes de ser protético, fizera vários letreiros e ajudara nas instalações hidráulicas da residência de um amigo.

 

Um dia ao futucar a fiação da residência de seus pais, quase foi eletrocutado.

 

Empreendedor, tornou-se também autodidata. Comprou um personal computer.. Bulia com isto, mexia naquilo e dava palpites naquilo outro. Não se sentia realizado. Nem tampouco perdera o hábito de dar palpites.

 

Agia desta forma por vocação. Por isto era mal compreendido, discriminado e, por vezes, até demitido.

 

Não entendia de muita coisa, mas seguramente era bem intencionado.

 

Neste ínterim, ajudou um engenheiro no lay out de uma empresa. Quis também dar um palpite.

 

Pois bem, para se ver livre de Amundson, o engenheiro deu-lhe um conselho.

 

Rapaz, você é um talento. É um profissional brilhante, proativo e polivalente. Por que você não faz um portfólio e se torna designer?

Como assim? Boquiaberto, perguntou Raimundo.

 

È simples. Como uma senha. Você faz um portfólio e vira designer.

 

Raimundo ficou atônito. Não acreditava no que ouvira. Insistiu na pergunta.

 

È isso mesmo rapaz. Como num passe de mágica, você vira designer.

 

Amundson deixou tudo de lado. Por duas semanas dedicou-se a este novo mister chamado portfolio.

 

Juntou os cacos, tudo que tinha feito e pronto. Agora era designer.

 

Mais uma vez, Amundson sai de cena.

 

Quando ressurge, está do mesmo jeito, porém, compreensivelmente, indignado.

 

Vinha de um debate no qual tivera oportunidade de dar inúmeros palpites. Agora mais veemente, enérgico e se sentindo cheio de razão. Esbravejara, manifestara contrariedade, mas desta feita sentia-se realizado. Conseguira convencer e agregar vários outros Amundsons.

 

Todos repetindo à exaustão: “vão prejudicar renomados profissionais que atuam nesta área de atividades sem formação específica”.

 

Todos contra a regulamentação da profissão de designer.


Data: 10/05/2010