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Artigo - Desventuras e angústias de uma ecosenhora - Parte 1

Wagner Braga Batista

 

Fiquei pasmo e senti vergonha. Uma pessoa indignada, em alto e bom tom, asseverava:

Eu também sou cidadã, quero defender a sustentabilidade.

 

Quanta coragem. Ante tanta gente receosa de externar suas opiniões, fiquei abismado, com a pujança daquela senhora. Mais do que isto, envergonhei-me de mim mesmo. Do meu comedimento e da falta de arrojo para  abraçar, incondicionalmente, a luta daquela senhora.

 

Reiterava com vigor:

São estas deletérias políticas públicas. Não me oferecem recursos para defender o meio ambiente e a sustentabilidade.

 

Passado o impacto inicial. Observei com mais atenção. Sua justa indignação, atiçava seus sinuosos cabelos louros. Estranhamente pareciam provocar lampejos críticos na jovem senhora.  Movida por notável ímpeto intelectual, jogava seus cabelos para ambos os lados. Sem nenhuma discriminação, iam para a direita e para esquerda. De forma involuntária, expunha dois brincos com enormes rubis.

 

Deixava entrever, também, seus talentosos seios, sapientemente siliconados. Com certeza, suportavam amarguras e o peso da indignação, aliviado por modesto  colar de perolas.  Também percebi um pequeno cacoete. Lembrou-me o personagem Joãozinho Malta, da novela Rainha da Sucata. Agitada, balançava algumas poucas pulseiras de ouro no pulso esquerdo, posto que a mão direita estava ocupada em sustentar o queixo, demonstrando notável ar introspectivo. Entre os dedos anelar e mindinho portava uma caneta MontBlanc. Certamente, movida por suas angústias, queria escrever, falar ao mundo sobre suas dúvidas e inquietações ambientais. Queria externar suas apreensões frente ao destino da humanidade. Mas sentia-se paralisada pela justa indignação.

 

Uma pessoa deste quilate deve ser muito abnegada e culta, pensei cá comigo. 

 

A jovem não era apenas uma senhora. Tratava-se de uma ecosenhora. Antiga militante da revista Caras, agora investia em seu próprio talento. Tinha seu próprio blog. Freqüentara colunas sociais com discrição, não se arrependera, porém descobrira um novo caminho. Substituíra este notável  metiér pela dedicação a outras jovens senhoras. Graças a esta diligente postura, distinguia-se de socialites vulgares, porque se tornara uma voluntária. Destas que destinam seu tempo útil ao voluntarismo. A causas beneméritas de si próprias. Com denodo e vaidade orientava suas congêneres em desfiles de moda e viagens turísticas por paises filantrópicos. Movida por este propósito, formara grandes redes de proteção social de apoio à manutenção da pobreza.

 

Por meio de ingente trabalho militante, percorria shoppings e adquiria tudo que seus depreciados dólares ainda lhe permitiam. Consumia freneticamente para impedir o consumo inconsciente. Para evitar que outras jovens senhoras se aventurassem no consumo supérfluo. E inadvertidamente, degradassem o seu meio ambiente. Comprava e enfurnava tudo em suas casas. Para não sobrar nada. Para ninguém. Para nenhuma perua desafeta ou desavisada dos graves problemas ambientais.

 

Não tinha preconceitos, nem discriminava ninguém, nem mesmo horríveis pobres:

Estes seres incultos e descartáveis que sujam o meio ambiente.

 

Por isto comprava indiscriminadamente tudo que lhes faltava, para que não degradassem ainda mais o seu meio ambiente.

Para os pobres criara uma ONG educativa. Para estimular seu bom gosto. Assim, a jovem ecosenhora  cultivava a beleza entre os pobres. Ensinava que não deviam agredir a cidade com sua  inaceitável falta de bom gosto.

 

Como vimos, esta alma sensível, tinha grande percepção social. De programas sociais que fomentavam o comércio justo e iniqüidades sociais. Utilizava-se de todas suas energias para se valer de todos esses programas sociais. Sem distinção. Por isto sua justa indignação com restrições impostas por políticas públicas.

 

Roupas não lhe importavam, já eram todas importadas. Comprava apenas por desprendimento, por deferência as suas griffes. Empenhada, encomendava jóias personalizadas de todos designers sociais, candidatava-se a usuária de sapatos de todos calibres e de bolsas de todo tipo. Inclusive as bolsas que incentivam pesquisas e investimentos exclusivos de ecosenhoras.. Bolsas que incentivavam projetos sociais, sustentáveis, beneficentes, filantrópicos e de apoio à excelência de ecosenhoras.

 

Todos essas ações eram praticadas com zelo militante, dia a dia. Com enorme generosidade e sacrifício pessoal lançava-se em jornadas de desperdício ético e abnegado esforço de compras benemerentes. Deste modo, procurava compatibilizar justos objetivos sociais com incontrolável e justo objetivo de  comprar.

 

Para ampliar o alcance de suas postulações sociais e participativas, formara um núcleo de militantes ecosenhoras. Em seus fóruns de discussão, as ecosenhoras discutiam limitações e possibilidades destas desgastantes convergências de propósitos. Comprar sem gastar. Publicizar para privatizar. Consumir sem degradar.

 

Infelizmente, graças a este prolífico debate instalou-se a cizânia. Ocorreu a cisão do grupo das ecosenhoras.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 11/05/2010