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Artigo - As novas aventuras de Amundson e o ônus do exercício ilegal de profissões regulamentadas

Wagner Braga Batista

 

 

Vocês se lembram do Amundson. Aquele sujeito que se tornou desenhista industrial num passe de mágica. Desenhista industrial não, designer, pois era assim que gostava de ser chamado.

 

Pois bem, meus amigos, o Amundson de repente defrontou-se com um novo dilema.

 

Como exercer uma profissão para a qual não havia se preparado? Adquirira todo jeito de designer.

 

Andava feito um designer. Vestia-se como designer. Falava como designer. Tinha portfólio. Porém, não era designer. Além do mais, também não conseguia trabalho para viver como designer.

 

Certo dia, conversando com um amigo, ouviu o seguinte:

 

Amundson, há mais de 500 cursos de desenho industrial ou design no Brasil. Muitos de péssima qualidade. Formam mais de sete mil estudantes por ano. Com isto, você pode ver que o mar não está pra peixe.

 

O pobre do Amundson ficou acabrunhado. Logo agora que ele tinha portfólio e queria ser designer, deu-se conta do rolo em que estava metido.

 

O seu amigo, acrescentou.

Se não fizerem uma criteriosa avaliação destes cursos e não regulamentarem a profissão, não vai sobrar pra ninguém. Ou melhor, vai sobrar para aqueles que se beneficiam dos designers.

 

Amundson caiu em si. Lembrou do engenheiro gozador que lhe disse que era fácil ser designer e lhe conduzira a esse beco sem saída.

 

Como todo sujeito presunçoso, sentia-se injustiçado. Julgava-se excelente profissional, mas sequer estava habilitado para exercer a profissão.

 

Em princípio pensou em refazer sua vida. Entrar num curso de qualidade, obter uma boa formação e se graduar designer.

 

Mas novamente cedeu à tentação de buscar um caminho mais fácil.

 

Resolveu ir a um pai de santo para incorporar o espirito de um designer. Foi.

 

Inicialmente, o pai de santo lhe disse;

Por que você não estuda e ajuda teus companheiros a valorizar tua profissão?

 

Não levou a sério. Depois, ouviu uma advertência:

As vezes o despacho não dava certo. Ao invés de espirito de designer poderia baixar o espirito de um estilista, de um fashion designer, de um barbie designer, de um cookie designer ou quiçá de um cabeleiro que também se sentia deigner. Poderia ser também de um arquiteto ou publicitário. Na pior das hipóteses, até mesmo de um engenheiro. Depois seria difícil de desfazer a urucubaca.

 

O pai de santo ainda insistiu:

 

Pense bem por que a emenda pode ser pior que o soneto.

 

Como sempre fora aventureiro e palpiteiro, Amundson não se incomodou. Fez ouvidos de mercador e ignorou a advertência do pai de santo. Queria porque queria ser designer. Mesmo que não fosse um autentico designer. Resolveu, apesar dos riscos, topar a parada.

 

Amundson bebeu uma garrafada, ficou de miolo mole, recebeu uns dez passes e três caboclos atravessados. Ao invés de fazerem descer o santo, desceram a lenha no coitado.

 

No final Amundson, estava com a cabeça zonza de cana e o corpo moído de tanta pancada. Mas cheio de júbilo. Tinha um palpite de que o sacrifico valera a pena. Quem sabe teria incorporado o espirito de um designer milanês ou novaiorquino.

 

Foi para casa. Nem uma semana depois retornou ao pai de santo. Só falava de cálculos, de derivadas e de integrais. Cimento armado e edificações, tornaram-se suas preocupações. Alguma coisa tinha dado errado.

 

Amundson não incorporara o espirito de um designer, mas surpreendentemente estava feliz. Disse que conseguira trabalho, que estava analisando estruturas, dando ordens para mestres de obras e aporrinhando algumas dezenas de pobres peões.

 

Acrescentou apenas um porém. O pai de santo teria que fazer um novo trabalho, porque o espirito do engenheiro esquecera sua inscrição num tal de CREA.

 

Como assim?

 

Como bom palpiteiro, Amundson afirmou que não era nada muito importante, mas lhe disseram que para exercer aquela profissão precisava desse tal do CREA, senão não poderia assinar umas plantas e uns projetinhos que vinha fazendo.

 

O pai de santo acedeu. Mais uma vez encheu o cara de cana, baixou os três caboclos, que por sua vez baixaram o cacete em Amundson. Para que tanta violência? Para que não esquecesse a inscrição desse tal de CREA e porque estavam mordidos com esse Amundson, que não sabia o que queria da vida.

 

Foi muita pauleira. O pobre do Amundson desta vez, ficou cinco dias de ressaca e mergulhado num banho de salmoura para aliviar as dores do corpo e da alma.

 

Enfim, pensou consigo mesmo, são ossos do ofício. Todo esforço seria válido para exercer uma profissão. Vejam bem, já não era qualquer profissão, mas uma profissão regulamentada.

 

Passaram-se três meses, Amundson continuava dando palpites. Interferia no trabalho alheio. A seu bel prazer dizia que isto estava bonito, aquilo feio. Que deveria ser fucsia por que cores neutras saíram de moda. Que deveriam colocar alguns adereços na fachada de seus edifícios. Que os operários estavam démodé, com unhas mal feitas e cabelos despenteados. Seus colegas engenheiros estranhavam o excesso de maneirismos, seus adjetivos e a imprecisão daquela linguagem. Queriam respostas e Amundson só dava palpites. Quando não, queria corrigir o que tecnicamente estava correto.

 

As pessoas começaram a se olhar de esguelha. Não assimilaram a exótica conduta deste novo engenheiro Amundson. Não vacilaram. Diante da estranheza, recorreram aquele que Amundson chamava esse tal de CREA.

 

Aí não houve santo, pai de santo, caboclo voador ou mamador que acudisse. Nem tampouco mandinga, cruz credo ou qualquer outra superstição que desse jeito.

 

O nosso prezado Amundson foi processado pelo exercício ilegal de profissão. Enquadrado no art 47, do Decreto-Lei Nº 3.688 /1941, que estabelece punição para quem “exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício”.

 

Pobre Amundson fora sacaneado pelo tal de CREA.

 

Moral da estória: Não se brinca com pessoas que se levam a sério e tem sua profissão regulamentada.


Data: 24/05/2010