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A derrota das aflições e mais uma vez o Fluminense impera sobre a face da terra

Wagner Braga Batista

 

Não estava mais lá. Mas, de lá, que assisti ao novo triunfo do tricolor. Eu materialista, por um simples esquecimento, deixara minha alma entregue às amarguras dos urubus, naquele bar de belzonte. Estava lá quieta e exultante, desde a última vitória sobre o Flamengo. O bar se fechara mil vezes. As luzes se apagaram, mas de lá não arredara pé. Enfim, minha alma ficara presente. Sentada no mesmo lugar, na mesma cadeira, embriagada da mesma alegria e da certeza das palavras do profeta.

 

Perguntam-me os incrédulos:

Por que deixara minha alma?

Não sei.

 

Talvez, por esquecimento. Talvez pela convicção na palavra do profeta e pela confiança nos meus amigos urubus, de todas as gerações, certo de que não roubariam minha alma. E minha alma lá ficou, incólume, resguardada pela amizade dos urubus, para assistir mais esta vitória.

 

Foi daquele maravilhoso lugar, no recanto dos urubus, na Prudente de Morais, na Cidade Jardim, que minha alma assistiu essa nova e irretocável vitória.

 

Solenes, todos os urubus empoleirados, entristeceram-se. Torceram juntos, irmanados, mas não foi possível. Comungaram com seus adversários atleticanos a amargura desta nova vitória. A vontade da desforra não se consumou. Todas as aves do mundo se uniram contra o tricolor. Dos alagados africanos, do degelo siberiano aos  pantanais matogrossenses, torceram juntas, porém não lograram o intento desta vitória.

 

Nas escarpas havia dois milhões trezentos mil e treze urubus sequiosos da nossa derrota.  Ávidos de assistir no palco terreno a falibilidade do profeta. Mas não foi possível. Mais uma vez a cerimoniosa voz do profeta, triunfou sobre as forças do bem e do mal. Imperou sobre todas agruras, aflições e constrangimentos. Da profundeza de minha alma, sentada naquele bar em Belo Horizonte, admoestou o profeta:

Não tenha hesitações na sua fé. Porém, não vulgarize meu nome, nem a dor dos adversários. Sejamos justos. Não tripudiemos dos aviáceos, dos urubus e galináceos.... Respeitemos a hospitalidade e a fraternidade do povo mineiro. Iguais a nós, no sofrimento e nas aflições , serão derrotados, mas sempre serão com o devido respeito.

 

Juntou-se nessa admoestação um antigo e renovado profeta que não torce por time algum, mas é aclamado por todos os times da face da terra: João Otávio Paes de Barros,  meu amigo dos tempos da escravidão. Dos tempos em que juntos, carregávamos pedras e acreditávamos que seria possível construir a solidariedade entre os homens e as torcidas sobre a face da terra.

 

Reiterou:

Vamos com calma!

 

Fui.

 

Há três anos atrás, sem amarguras, aprendi uma máxima no Mineirão.O povo mineiro também é solidário . Há uma parcela do povo mineiro que desce o cacete em tricolores e afaga ladrões. Felizmente, não são hegemônicos, não dominam o mundo, nem os campos de futebol. Beiram as raias dos estádios e do poder, assim se sentem felizes. Quase apanhei, mas vesti as sandálias franciscanas e apesar do frio da alma, recomendado pelo meu amigo João Otávio, resignei-me à esperança. Deu certo.

 

Mais uma vez, esta parcela do hospitaleiro povo mineiro deu mostras de gratidão e de grandeza. Perdeu de três a um, sem dizer um ai, sem constrangimentos. Além do mais, ofereceu-nos Dilma, para complementar esta indefectível, futura e eterna vitória dos humildes sobre os indiferentes.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 31/05/2010