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Artigo - Saudades do muro de Berlim...ou de como a cruzada comuno-maometana foi barrada à portas de Gaza

Wagner Braga Batista

 

 

Paradoxalmente, gostava de muros. Cultuava muros. Admirava-os. Passava horas e horas diante de imponentes muros. Não era grafiteiro, porém procurava muros por todos cantos e logradouros da cidade. Obcecado, não media distância para localizar seus muros e os completar em êxtase profundo. Fazia peregrinações, assim como maometanos, cristãos e judeus. Contudo seu destino não era Meca ou Jerusalém. Não era monoteísta, nem monomurista. Não peregrinava à cata de um único muro.

 

Universalista, identificava-se com os muros de todo mundo e de todo lugar. Poderiam ser dali ou de acolá. Podiam ser muros verdes, amarelos, azuis, vermelhos ou transexuais.Não se importava com as opções ideológicas ou preferências sexuais dos muros. Bastava que fossem o que sempre foram, apenas muros. Fanático por muros, faria qualquer sacrifício pela sua fé . Por isto  quis dar um passo maior do que suas pernas.

 

Recortava, selecionava e classificava imagens com tal afinco que se tornara um especialista em muros. Assim como filatelistas, arquivistas, numerologista, bibliotecários, heráldicos, entomólogos, ou tantos outros colecionadores de conhecimentos, dizia-se um murologista, um pesquisador e um taxonomista de muros. De todos os muros: encantados, desencontrados, desamparos, com ou sem arames farpados. Era um murologista inconformado. Inconformado com seu curto de tempo de vida que não lhe permitiria conhecer os tantos e infindáveis muros que havia sobre a face da terra.

 

Porém sua maior indignação não repousava nesta inevitável contingência. Mas na absurda e desmesurada ação que culminou com a derrubada do muro de Berlim.

 

Aos seus olhos houvera um descomunal atentado contra a humanidade. Um crime hediondo e imperdoável. A destruição de uma obra que elevava o espírito humano e sintetizava a exuberância de um confronto típico de uma época.  Para ele, aquele muro, não era uma obra efêmera, mas um patrimônio da cultura universal.

 

Diante de tanto proselitismo, pensavam que fosse comunista. Um dos últimos, renitentes e incondicionais defensores do muro de Berlim.

 

A CIA passou a investigá-lo. Não encontrou qualquer indício que o comprometesses com este apocalíptico credo comunista, que faz a apologia de Satanás e da morte de todas as criancinhas da face da terra. Mas achou por bem fichá-lo como comuna. Para mostrar serviço e justificar seus investimentos saneadores de ideologias pagãs ou anti-cristãs, colocou-o na lista negra. Naquela lista na qual constam milhares de pobres criaturas que tem como único crime a diferente fé religiosa.

 

Alheio ao seu conhecimento e contra sua vontade, ele fora transformado num perigoso agente do comunismo internacional enquistado em Bodocongo, Campina Grande, Brazil.

 

Serviços nacionais de investigação de países latinos e as donas de casa de sua cidade natal articularam-se para frear a retomada da escalada comunizante. Em fina sintonia, devotado empenho cívico e sincero comprometimento filo-patológico, passaram a perscrutar seus hábitos. Ouviam e examinavam acuradamente cada uma de suas palavras. Trocavam informações entre si. Sobre muros, entre muros, acima dos muros, encostadas nos muros e, como nos velhos tempos, furtiva e sexualmente amparadas por muros.

 

Vejam bem, mesmo grafiteiros, pessoas jovens de índole mais arejada, com idéias mais abertas e mais accessíveis no trato, foram contaminadas por este fervor ideológico. Tratavam-no com desdouro, até mesmo quando se aproximava para elogiar seus grafismos. Eram adeptos de muros, porém não o viam como aliados.

 

Difamavam-no como desvirtuador de jovens grafiteiros, como inveterado aliciador para o mundo do sexo, das drogas, do hip hop e, como passo seguinte, para o comunismo.

 

Pintaram sua imagem. Não como ovelha negra, mas como o lobo que circundava os muros, à caça de incautos jovens. Oferecia-lhes muros, mundos e fundos para conduzi-los à perdição e ao comunismo.

 

Mesmo conhecidos muristas, aqueles que ficam permanentemente em cima de muros, Não se eximiram de uma manifestação.

 

Como vocês sabem esta espécie multiplica-se de forma assustadora, cruzando entre si pelo conúbio entre muristas do lado direito com muristas do lado do esquerdo. Invariavelmente seus filhotes são de ambos e mesmos sexos.

 

Permanecem eternamente em cima dos muros. Nada têm a dizer, nem  tem posição definida e nunca são favoráveis à coisa alguma. Pois bem, pela primeira vez em sua história estes seres muristas renegaram sua tradição. Fizeram um abaixo-assinado identificando-o como um cripto muro-comunista. Asseverando:

O fim das ideologias impôs que ao invés de  muros construamos  pontes.

 

A candidata Dilma, também contribuiu para esta tese com uma adaptação pós-moderna para a lógica murista. Dizendo-se multiculturalista e adepta de todas religiões, propôs: Por que ao  invés de muros, não abrimos portas?

 

O multilinguista, multiideologista e sadoeconomista, Dr Serra, para não ficar atrás, sugeriu aos responsáveis pelo seu endomarketing um discurso mais arrojado, modernizador e liberal, fundado na importância de também abrir as pernas. Movimento este que já exercitava prodigiosamente com ruralistas, financistas, especuladores, democratas do DEM, saudáveis ex-comunistas do PPS, o jovem prefeito de São Paulo e os filo-norteamericanistas corretamente sustentáveis, uma versão mais moderna de entreguistas.

 

Mas ele não era comunista, nem tampouco murista, com veemência nominava-se um simples murologista. Talvez, por esta veemência, a academia também o desprezasse. Entendia que veementes, enfáticos ou revoltados contrariam a lógica, a prudência e o interesse acadêmico.

 

Certo dia um ambientalista, socialmente sustentável e responsavelmente desprezível, defensor dos muros, de reservas e latifúndios privados, de shoppings e griffes certificadas, bem como de fitoterápicos autenticamente nativos e legitimamente expropriados, manifestou uma certa afinidade de propósitos com os seus ideais murologistas de Carolino Pereira.

 

Para seu conforto, fez uma comparação inusitada.

Os muros são como as árvores. Podemos derrubar os dois, escrupulosamente. As leis de proteção libero-ambientais e o direito natural à propriedade privada não nos impedem de exercitar nossas pulsões destrutivas e criativas. Escrupulosa e responsavelmente.

 

Carolino Matias Pereira ouvia com atenção.

Secularmente, destruímos florestas e desertificamos enormes regiões, escrupulosamente. É o preço do progresso que a natureza tem que pagar pelos nossos lucros. Também nos cobram compensações, contribuímos com fiscais da natureza e fazemos alegações. Trocando em míudos: destruímos uma arvore e alegamos que plantaremos dez. Com os muros é diferente. Não pagamos nada e nem fazemos alegações, construímos tantos quantos desejemos.  Cada vez mais e mais.

 

Carolino Matias Pereira Ourovolvino ficara absorvido com essa proficiente explanação.

Olhe ao seu redor. O que você está vendo. Casas invisíveis cercadas de grandes muros. Sem contar outros muros imperceptíveis que separam o joio do trigo. Apartam a ralé de grandes  homens vocacionados à sustentabilidade, ao bom gosto e ao prazer dos costumes.

 

O ambientalista acrescentou:

Os muros são o céu que nos protege. Nós, os autentica e unicamente sustentáveis não queremos a insustentabilidade local, nem global. Queremos o livre comércio mas não pretendemos abrir as portas do mundo. Permitir o livre transito de asiáticos, semitas (árabes e judeus), negros, índios e latinos. Essa escória ameaça a natureza dos autenticamente livres.

 

Carolino Matias Pereira Ourovolvino Silva estava boquiaberto.

A crítica ao muro de Muro de Berlim foi um mal necessário. Uma cortina de fumaça que encobriu nossas grandes realizações neste plano. Em seus 28 anos de existência, ceifou vidas de 80 pessoas e provocou ferimentos em outras 112. Veja só, nas fronteiras  do México com o Texas e a California mais de 400 latinos já perderam a vida. Assassinados por milícias de fazendeiros e paramilitares. São quase 3140 km de muros. Muros associados à moderna e a antigas tecnologias de proteção. Armas e cães para impedir que esta gente também se sinta autenticamente livre e impropriamente sustentável em nosso meio. O muro de Berlim é um lambari perto deste colosso.

 

Acrescentava novas informações:

O que seria o Iraque se não fossem nossos inestimáveis muros para apartar e acalmar estes hereges  litigiosos. A Europa se não fossem barreiras naturais e sociais do Estreito de Gibraltar. São elas que colocam negros no seu devido lugar. Milhares de africanos expostos na praia de costas para onde deveriam estar.

 

Carolino Matias Pereira Ourovolvino Silva, teórico da murologia estava fascinado.

Veja bem o que fazemos com Cuba. Bloqueamos todos de uma vez só. Nem entrada, nem saída. Além do mais, geramos confusão entre os insustentáveis. Acusamos que impedem a migração, mas negamos vistos para todos eles. Não deixamos que entre e saia ninguém. Esta é a verdadeira e intangível inovação tecnológica em se tratando de muro. Ninguém vê, mas todos sentem na carne. Veja nossa emblemática Israel. Modernizou antigos e obsoletos campos de concentração utilizando palestinos como cobaias.

 

Os olhos de Carolino brilhavam. Desconhecia esse prodigioso arsenal tecnológico a serviço dos murologistas. Ignorava todos estes avanços e atualizações dos paradigmas murologicos. Sentia-se menor diante de seu interlocutor.

 

Deslumbrou-se com tanto progresso nesta área de conhecimento, de discriminação operacional e de repressão ecoeficiente. Tinha que se aprofundar e examinar in loco estas novas técnicas de difusão murologistas. Confrontar o arcaísmo brasileiro com todas essas inovações que surgiam sobre toda face da terra.

 

Tomou uma decisão. Correr o mundo antes que seja tarde. Seu destino, Israel. Sua Meca, onde corria leite nos rios e o povo comia favos de mel.

 

Desfez-se de tudo que tinha. Botou a viola no saco e caiu no mundo.

 

Percorreu o antigo continente, peregrinou pela Asia e chegou à Turquia. Próximo passo, Israel. Conseguiu carona num cargueiro repleto de gente estranha, que diferentemente se sua pessoa não gostava de muros.

 

Por ironia do destino, foi preso em Gaza, submetido a interrogatório e apresentado à imprensa mundial como prova de um crime que não cometera.

 

A prova definitiva que faltava para elucidar a intentona comuno-maometana urdida nos submundos da Asia que vinha tomar de assalto o oriente médio. Composta por hereges homossexuais, prostitutas, índios, barronfeiros, alcoólatras, viciados em sexo, militantes de movimentos negros, do hip-hop, entre outros desprezíveis seres. Todos liderados pelo afamado agente da internacional comuno-grafiteira que violaria territórios santos para proclamar o fim dos tempos.

 

Esse homem era Carolino Matias Pereira Ourovolvino Silva, o murologista de Bodocongó.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 04/06/2010