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Livros digitais criam novas chances de acesso à leitura

Sucesso depende ainda da solução de gargalos ligados ao custo e hábito

 

A chegada dos livros digitais abre um novo potencial de popularização da leitura no Brasil. O País, que segundo levantamento Retratos da Leitura, realizado em 2008 pelo IPL (Instituto do Pró-Livro), tem cerca de 45% da população fora de contato qualquer tipo de leitura, poderia aproveitar a nova tecnologia para mudar o panorama. A chance, entretanto, esbarra em alguns gargalos que as novas tecnologias carregam, como adaptação aos novos formatos, aceitação dos escritores e público, reformulação do modelo de negócio e acesso aos aparelhos necessários para a leitura.

 

Marco Simões, coordenador pedagógico da Faculdade de Computação e Informática da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) é taxativo em relação ao livro virtual como grande ponto de virada para o cenário de leitura no Brasil. "Os leitores digitais não modificarão o atual panorama brasileiro, até porque a vontade de ler não depende do que às pessoas tem em mãos", diz ele, que é autor do livro "História da Leitura: do papiro ao papel digital". O hábito, segundo Simões, depende da família, da escola e do incentivo dos pais.

 

Ainda que o estímulo da leitura não esteja diretamente relacionado à sedução que aparelhos modernos com alta capacidade de armazenamento de dados despertem, Antonio Luiz Basile, professor de Ciência da Computação da Universidade Mackenzie, enumera uma série de vantagens que podem aproximar os brasileiros dos livros. "Com a exclusão dos gastos com papel e encargos gráficos, a tendência é que o custo da publicação seja mais baixo", aponta ele. Embora os valores dos livros digitais sejam menores, será necessário o investimento na produção em massa e conseqüente barateamento do custo do leitor digital, a menos que se decida usar um computador normal para ler os livros adquiridos. Mas essa saída eliminaria a portabilidade do livro digital.

 

Hoje, o aparelho custa no Brasil em média R$ 1.000. O valor deverá delimitar a leitura digital às classes mais altas da sociedade e não resolverá o problema dos brasileiros que alegam não ler por causa dos altos custos das publicações. A pesquisa Retratos da Leitura aponta que 7% da população de não-leitores no País se encaixam nesse contexto. A tendência, no entanto, segundo Basile, é que o valor do leitor digital caia pelo menos pela metade. "Hoje é muito caro por causa das novas tecnologias empregadas e pela falta de concorrência. Depois que o custo de fabricação diminuir e aparelhos de diferentes marcas forem lançados, a opção se tornará mais acessível", aposta ele.

 

A vantagem da nova tecnologia, para Jézio Gutierre, editor executivo da Editora UNESP (Universidade Estadual Paulista), é a mobilidade, bem como a comodidade de carregar inúmeros textos num único aparelho. Ele afirma que essa possibilidade poderá ser bem aproveitada, principalmente, pelos estudantes. A conexão com a Internet sem fio, segundo Basile, também permitirá maior interatividade com o livro. Opção que, segundo ele, levará o leitor a se informar não apenas pela obra e incentivará o aprofundamento em outros assuntos descritos nela.

 

"A tecnologia possibilita que o leitor obtenha informações complementares e até mesmo traduções simultâneas durante a leitura", cita Basile. O benefício poderá ser testado no próximo livro de Laurentino Gomes, previsto para ser lançado em setembro de 2010. De acordo com o autor de "1808", obra terá uma versão digital com uma linha do tempo interativa. "O leitor poderá explorar os acontecimentos da época, além de ter acesso a mapas, por exemplo", conta Gomes.

 

A partir do uso das tecnologias também será possível enviar e receber obras na velocidade do clique de um mouse. Fato que, segundo o autor, poderá aumentar o leque de opções na hora de escolher as obras. "Será possível ter acesso aos livros estrangeiros muito mais rápido que antes, já que não será preciso esperar que ele chegue até nós por qualquer tipo de transporte que seja", prevê Gomes.

 

Preservação do papel

 

Embora as vantagens do livro digital sejam bastante animadoras, não deverão ser suficientes para substituir o papel. Para Simões, o motivo é bem simples. "Enquanto o papel existe há mais de mil anos, o digital não completa nem uma década de existência", compara Simões, que diz que as leituras não são substituídas, tampouco podem ser comparadas. "O manuseio, a sensação de segurar um livro e até mesmo seu cheiro nunca poderão ser reproduzidos por nenhum aparelho", dispara ele.

 

A tendência, na opinião de Gomes, é que os dois modelos passem por transformações. "Nenhum deles, no entanto, desaparecerá", garante o autor, que aposta na sincronia e no intercâmbio entre papel e leitor. Para ele, a novidade poderá incentivar o leitor a procurar uma mesma obra em diferentes formatos. "As novas tecnologias não competem entre si, apenas se complementam", acredita ele. Basile acrescenta que o impulso pelo uso do leitor digital será grande. "Mas com o tempo, as pessoas saberão a hora certa de usar cada um deles", conta o professor da Mackenzie.

 

Adaptação mercado editorial

 

Assim como a indústria fonográfica precisou pensar em formas de se reinventar quando o formato de compressão MP3 e os programas de compartilhamento invadiram a rede mundial de computadores, a indústria e o meio editorial se veem numa situação muito parecida com a chegada dos leitores digitais. Embora ainda em estado embrionário, muito já é discutido quanto às mudanças que esses leitores trarão no processo de produção dos materiais digitais.

 

Jézio Gutierre, editor executivo da Editora UNESP, acredita que a indústria e os autores ainda não sabem ao certo qual será o futuro dessa nova tendência tecnológica e literária. Ainda sim, afirma que o papel das editoras dentro desse contexto é muito claro. "É preciso preparar os profissionais da área, experimentar fontes e tamanhos de letras, além de novos meios de diagramação necessários para a leitura em tela, já que estamos acostumados com séculos de leitura em livros", explica ele.

 

A própria editora UNESP já entrou nesse novo ramo digitalizando parte do seu acervo. São 44 obras concluídas e outras 55 que estão em fase de preparação para o começo do ano que vem. Para Gutierre, essa iniciativa, além de oferecer títulos acadêmicos de maneira fácil e rápida para quem se interessar por elas, serve também como ponto de partida para descobrir o que o mercado espera dessas obras. "São atitudes como essas, de pesquisa de mercado e técnicas de edição, que mostrarão o tipo de livro digital que será consumido no futuro", diz ele.

 

Para o editor o importante nesse momento é criar textos e obras que se adequem aos leitores digitais. "As possibilidades do papel digital são muito mais vastas do que a do papel normal, por isso é hora de criar livros em que o leitor possa interagir com o tema e que o prendam cada vez mais à história", afirma.

 

Leitor digital

 

Os leitores digitais são aparelhos leves e finos capazes de armazenar centenas de livros em sua memória. Além da possibilidade de leitura, o próprio aparelho mantém a opção de ditar o texto armazenado. A conexão com a nternet - através da rede 3G - permite ainda a interação com outras notícias e a compra de livros.

 

Para evitar os tradicionais cansaços nos olhos ocasionados pela alta luminosidade do computador, o novo aparelho simula a sensação da leitura em papel. A chamada tinta digital não recebe interferência da luz ambiente, tampouco da solar. A tecnologia serve ainda para economizar a bateria do leitor.

 

(Universia)


Data: 01/07/2010