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Artigo - O enfrentamento dos gaviões contra os passarinhos

Wagner Braga Batista

 

 

Mais uma vez somos forçados a retomar o diálogo intermitente com adeptos do Ganso, entre os que querem levar o Ganso e os que preferem tirar o Ganso. Não realcem a figura do pobre Ganso, posto que a verdade, meus amigos, é insofismável. Os paturis de Brejo do Cruz, de Lagoa Seca e os remanescentes da lagoa de Maricá foram soberanos. Os paturis, quero-queros  e os passarinhos sem brincos, uniram-se em coro. Calaram o Ganso.

 

Disseram a todos: Regenerem-se, meninos da vila ! Usem seu talento. Deixem cair as máscaras. Esqueçam o Ganso.

 

Vocês que são incrédulos, não acreditam no socialismo e no Fluminense. Olhem ao redor. O que vemos? Sucessivas demonstrações de que um mundo novo renasce à beira dos gramados. São milhões de proletários, portuários, ensacadores, estivadores do porto de Santos,entre tantos punidos duramente pelo golpe de 64, que, só agora, vem à luz. Saem dos subterrâneos e das masmorras da ditadura, sem medo de ser felizes.

 

Surgem de novo para a vida, não apenas para torcer. Tampouco para torcer pelo Santos. Mas para reconhecer a glória do tricolor, deste time que ofusca o sol, que brilha de dia e de noite, em qualquer latitude ou campo de futebol.

 

Lá estavam eles com as bandeiras de seus sindicatos cassados, guardadas na memória de idosos, com os estandartes dos partidos proscritos, retirados do coração da história,com faixas rememorando a CGT, pedindo reformas que não vingaram. Portuários de todas as crenças e migrantes sem pátrias, que fugidos de seus países, encontraram abrigo nas arquibancadas. Todos envergando uma só camisa verde, branca e grená.

 

 Lembravam áureos tempos, discutiam os futuros do mundo, as reformas necessárias para o país, democratizando as arquibancadas de Vila Belmiro. Clamavam por Davi Capistrano. Estavam saudosos de Rolando Fratti, Carlos Marighella, Hermínio Sacchetta, filhos de migrantes que lutaram pela democratização do país.

 

Ontem, lá estavam, em assembléia, mais do que cem mil. Estavam postados no Estádio de Vila Euclides, que casualmente, neste dia, chamava-se de Vila Belmiro. Clamavam pelo camarada Lula, pela fidelidade às cores da camisa. Juntos anunciavam o socialismo à beira dos gramados e a vitória do tricolor.

 

Quando os times entraram em campo, Pelé, Vil Teixeira, ecosenhoras e sadoeconomistas jogavam diamantes, moedas cunhadas pela FIFA, santos de pau oco e dossiês para celebrar seu time. A torcida do Fluminense e os portuários de Santos apenas aplaudiam um novo Brasil e o futuro do socialismo.

 

Num time havia Gansos, Gaviões, Águias, Carcarás e toda sorte de rapinas. No outros, apenas paturis e passarinhos.  

 

Incógnitos no meio da massa delirante, João Otávio, o Justo, Paulo Décio, o ínclito e o papa João XXIII, estavam imbuídos da mesma lógica. Venceriam os humildes.

 

A vitória do tricolor, superando todas as contingencias e adversidades, era o prenúncio de um novo tempo. De um tempo em que homens, mulheres e crianças de todas as convicções, religiões, nações e aflições iriam se ver livre de privações. Em que os males do capitalismo seriam varridos da face da terra e as cores verde, branco e grená desenharão o cenário da felicidade coletiva.

 

E, assim foi.

 

O Ganso não era um só. Ele era mais de mil gansos, gaviões, águias e carcarás, somados aos duzentos Robinhos e trezentos e quatorze brincos de diamantes e chuteiras coloridas que se lançavam contra os paturis de Brejo do Cruz. Investiam com toda sua gana, em rasantes provenientes das bolsas de valores, dos arranha céus e escarpas de São Paulo sobre Vila Belmiro. Utilizavam sua sanha e suas garras contra apenas dez paturis de Brejo do Cruz. Dez porque numa concessão inacreditável, o Fluminense também jogara sem goleiro. Com as metas escancaradas. Mas a bola batia na trave, ralava a linha de gol, cheirava chuteiras de ouro, mas não era contundente em seu ofício. A bola estava vivendo uma crise de identidade por conta da Jabaculani, o jabacule enrustido. Nunca fora vaidosa, pretensiosa e fútil. Não queria, como nunca quis, ser injusta. E assim foi.

 

Abismado, João Otávio, o justo, e Paulo Décio, o ínclito, arrancavam cabelos das pernas e protestavam nos cortejos de funerais, por conta da falta de outras aglomerações mais condizente com a torcida do Santos. Protestavam contra a decadência do futebol e o infortúnio de seu próprio time. Saiam gritando nas ruas, invocando pelo santo nome de Afonsinho e pedindo justiça, que também lhes faltara. 

 

O que dizer?

 

Se há profundas desigualdades sociais, por que não reproduzi-las no futebol? Diziam os cínicos. Por que não reconhecer que a fortuna e a prosperidade não acodem todos os homens? Corroboravam os hipócritas e empreendedores.

 

Mas os paturis de Brejo do Cruz, não caiam nestas lorotas. Paturis conscientes, não só brilhavam em campo, também militavam em sindicatos e partidos de esquerda, lutavam contra a hipocrisia, a injustiça e a desigualdade entre os homens.

 

Pois bem, meus amigos, foi assim. Os paturis de Brejo do Cruz transformaram os Gansos, estes pobres palmípedes, quase  metamorfoses de patinhos feios, de carcarás e gaviões degenerados, em asseclas de urubus desapontados.

 

Os passarinhos e paturis da humildade venceram mais este prélio.

 

Em Santos, o sol fizera plantão nas arquibancadas. Ainda brilhava de noite, testemunhando mais esta vitória. Não chovia em Vila Belmiro, mas todos viram os passarinhos e  paturis de Brejo do Cruz afogarem, humildemente, o Ganso. 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 19/07/2010