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Artigo - O virtuoso empreendedor e o desemprego civilizado

Wagner Braga Batista

 

 

Ele era um revoltado. Tinha tudo que queria. Ao seu alcance e imediatamente.

 

Desde criança sua família lhe proporcionara tudo.

 

Não era destes meninos que não tivera o acompanhamento dos pais, o apreço de familiares e toda atenção da criadagem. Para nada lhe faltar, seu pai também lhe comprava,  semanalmente, muitos brinquedos, bichos de estimação e novos amigos. Adquira também inúmeros negrinhos africanos para que ele pudesse exercitar sem nenhum resquício de culpa ou perda, todos sentimentos nobres e todas judiarias.

 

Quando adolescente, não precisou se submeter às tradicionais terapias. Seus psicólogos e terapeutas, devidamente comprados,  foram unânimes em firmar um mesmo diagnóstico. Afirmavam, sem nenhum remorso, que aquele jovem era singular, não tivera traumas de infância, era cristalino e puro, isento de todos desvios e males. Melhor, era detentor de todas virtudes. No diagnóstico dos terapeutas, estava consignado, era “um rapaz alegre, risonho, competente e habilitado. Possuía,  inumeráveis outros bens, serviçais e aptidões indispensáveis para a vida futura. A saber: autonomia, autoestima e autolocomoção”. Os terapeutas discriminaram também seus incontáveis talentos, a saber, “o egocentricismo, o egoísmo, o narcisismo, o empreendedorismo, o mau caratismo, o  competitivismo e outros que não estão listados.” Somados tantos talentos à aptidão de ser dono de parte do mundo e acionista de muitos empórios, não tiveram melindres de assegurar que “estaria habilitado à livre iniciativa, à carreira de doutor, senador e deputado, a ser emérito comendador, ilustre senhor ou, caso queria,  apenas um insigne proprietário.”

 

Na juventude suas pulsões, hesitações e vícios da carne, foram resolvidos no açougue das almas, onde se oferece prazeres, são encomendadas  volúpias e beijos, onde se compra  e vende qualquer amor antecipado. Compra-se sem nota fiscal, sem imposto indevidamente cobrado ou sem ônus de ser culpado.

 

Tudo que quis, sempre teve. Comprara suas virtudes e escolhera nas vitrines das melhores lojas os mais reluzentes pecados. Se imaginasse alguma coisa ou sentimento inusitado, antes que ganhassem forma, era prontamente atendido, posto que já estariam devidamente comprados.

 

Tinha tudo o queria, porém se sentia frustrado.  Pois não conseguira ainda obter uma coisa que tanto almejava. Queria ter seu próprio desemprego.  Não se importava que outros tivessem milhares de desempregos, sem casas, sem remuneração, sem identidade ou perspectiva de vida estivessem circulando pelas ruas ou lançados no lixo. Nào se importava com estes. Sob este prisma, não era invejoso ou ambicioso, queria ter apenas um modesto desemprego.

 

Seu pai já lhe oferecera vários desempregos, em inúmeras oportunidades ao longo de sua vida. Como um bom filho, orgulhoso,  queria  demonstrar sua competitividade, seus talentos e seus reais pendores para autonomia. Desejava ardentemente comprovar que era  um verdadeiro empreendedor. Que, como autentico promotor do laissez faire, seria capaz desta realização. Só se sentiria gratificado quando produzisse seu próprio desemprego.

 

Repetidas vezes, seu pai, um grande empresário, já lhe proporcionara esse sonho, oferecendo-lhe o desemprego de milhões de trabalhadores.  Poderia escolher qualquer um. Mas isto não lhe satisfazia. Não se contentava com o paternalismo, com o patrimonialismo e a fortuna, que tanto lhe beneficiaram. Como um legítimo empreendedor, queria porque queria, criar seu próprio desemprego.

 

Seu pai, diligente e cuidadoso com as demandas do filho, diariamente colocava na rua toda sorte de homens e mulheres.  Supunha que se interessasse por algum dos desempregos com a logomarca da fábrica, promovidos pela marketing da empresa e com os traços bem visíveis do novo capitalismo. Nenhum destes lhe atraia. 

 

No afã de atender ao seu filho, empregava e desempregava crianças. Talvez seu filho encontrasse algum vestígios da infância nestes desempregos. Tentasse resgatar alguma lembrança e se contentasse com um desemprego infantil. Esforço inútil.  Queria criar seu próprio desemprego ou nada.

 

Por um ato de generosidade e filantropia também se empenhava em disseminar o desemprego em outros países. Talvez, seu filho fosse seduzido por um desemprego importado, pelo desemprego de alguma griffe. Gerava, no chamado primeiro mundo da economia globalizada, desempregos de luxo, desempregos com PhD, desempregos  éticos e sustentáveis. Traziam o selo verde, carimbo de autenticação da ONU, o reconhecimento do BIRD e de outras agencias credenciadas. Empenho vão.

 

Como já dissera anteriormente queria gerar seu próprio emprego, ainda que fosse modesto.

 

E assim, meus amigos, se encerra esta tragédia, de um rico e talentoso jovem, empreendedor e qualificado. Tinha comprado todas virtudes, pecados reluzentes e amores certificados. Possuía todas riquezas,  que lhe oferecera o mundo e o capitalismo civilizado, só não conseguira se ver como um homem realizado, posto que não conseguira constituir, como tantos pais de família, seu próprio desemprego.

 

Nunca se veria como um autêntico empreendedor virtuoso e desempregado.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 22/07/2010