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Artigo - O tempo dos carteiros e das cartas de amor ou o dia em que a primavera voltou a nascer

Wagner Braga Batista

 

 

Os agentes da CIA, os homens da CBF e o marketing esportivo resolveram eliminar os carteiros e as cartas de amor.

 

A partir deste dia estava terminantemente proibido escrever cartas, poesias, murmurar em silencio, ter devaneios e sonhar.

 

Proibiram também a literatura, o verdadeiro cinema, os jornais impressos, os panfletos, os cordéis, a crônica esportiva e  o humor.

 

Por ordem da CBF só se poderia assistir uma única emissora de TV e por meio da internet dançar musicas de karaokê.

 

Os homens da CBF determinaram que todos os brasileiros comessem sorvete ou gelo, bebessem cerveja dos guerreiros da merda da Brahma e acreditassem no que não se vê.

 

Estariam autorizados a fazer reformas de Maracanã, construir novos estádios, embolsar recursos públicos e caçar os poucos carteiros que resistiam.

 

Escondidos nas antigas papelarias, nos álbuns de filatelistas e mesinhas de camelôs, carteiros banidos, proscritos e perseguidos,  resistiam bravamente. Queriam mas não podiam entregar as cartas de amor. E por ordem da CBF, mesmo amores adulcorados e falsificados não estavam mais autorizados.

 

Os perfis de revistas de celebridades, artistas de talk shows e big brothers emprestados de circos de horrores e miches ficaram alvoroçados. Não podiam mais fazer declarações de amor a si mesmos, nem enviar a si mesmos cartas de fãs apaixonados.

 

Só os carteiros resistiam. Sob as pedras do açude de Bodocongó, enterraram as cartas de amor remanescentes, que não puderam ser entregues. Aguardariam o novo tempo em que as declarações de amor e a sinceridade entre os homens não estivessem proscritas.. Até lá, invadiriam prisões e cárceres privados, resgatariam remetentes e destinatários apaixonados, aprisionados pela CIA e pela CBF.

 

Disfarçados de mães solteiras, pedintes e meninos de rua distribuíam discretamente mensagens de amor. Confiantes na força do povo, não perdiam o contato com suas bases. Eram pobres mulheres e homens que caminhavam cabisbaixos. Não receberiam mais cartas de amor. Só receberiam, a partir de então, contas a pagar, mensagens do marketing esportivo e de candidatos ao cinismo possível e legalizado em época de eleição.

 

Porém, os altivos carteiros não desistiam. Recolhiam olhares desperdiçados no chão, sonhos abandonados e gestos de homens desacreditados. Mobilizavam energias, diziam a todos que, aquilo tudo seria mudado, voltariam a receber cartas de amor e sonhos autografados.

 

Os carteiros resistentes, em mimeógrafos a álcool, reproduziam cartas de amor que jovens imaginavam que não mais existiam. Na calada da noite, escreviam cartas insolentes, que os pombos da praça da Bandeira levavam. Levavam para Brasília, para o judiciário, para a bolsa de horrores, para os corredores do Senado e para os subterrâneos da CBF. Eram panfletos assinados pelo Movimento dos Carteiros e Homens Livres Apaixonados.

 

Lembravam de atitudes generosas e do desprendimento de homens e mulheres normais. Sem gel nos cabelos e sem próteses nos seios, que falavam a língua coloquial. Não conheciam o inglês e a desfaçatez daqueles que se utilizavam de palavras roubadas do português. Ao invés de desenho, falavam design. Atordoados e sem direção, só olhavam espelhos e não reconheciam signos que chamavam sign.

 

Os homens e mulheres simples. eram diferentes destas criaturas. Criaturas sem fantasias que andavam fantasiadas, naquele arcaico, atroz e moderno tempo em que as coisas inúteis e as coisas fúteis reinavam. Nasciam de máquinas de fazer dinheiro, de interesses escusos, do comercio justo e de negócios indeclináveis. Nasciam do colorido deserto e do esgar de seres extravagantes. De criaturas de feitas de carne e osso que se supunham diamantes. Nasciam das falsas promessas do marketing. E do ouro dos tolos.

 

Neste ambiente bizarro, os carteiros proibidos e os poemas de amor esquecidos, resistiam bravamente. Subiam cordilheiras e edifícios junto com grafiteiros. Dançavam hip hop nas praças. Cantavam em sambas de roda e jogavam maculele. Brincavam no coração de crianças e nas lembranças dos idosos. Arrancavam as pedras do crack das mãos do marketing que eram entregues às ilusões de pobres meninos.

 

Na clandestinidade, os carteiros, juntaram-se aos bougainvilles proibidos de florescer, aos poetas malditos, aos escritores proscritos e às alamedas que se tornavam invisíveis para sobreviver ao caos. Fugiam dos faróis, dos consentidos, dos gritos de socorros e apelos perdidos, da fuligem dos carros, da imundície da moda, da sujeira das maquiagens e do barulho de celulares. Procuravam sobreviver à voracidade de estacionamentos que comiam árvores seculares.e de automóveis que roubavam as ruas dos homens.

 

Os carteiros proscritos, nas ruas resistiam. Plantavam novas árvores, novos homens e alamedas, certos que algum dia iriam medrar. Semeavam ventos e perfumes que já não podiam transitar por postes de luz néon, por fios de televisão, por outdoors de dracon e gases venenosos, sequiosos de ar, que sequestravam o aroma dos flamboyants.

 

Neste tempo, sem os carteiros nas ruas, nem a primavera conseguia brotar. Por ordem de Barack Obama, de Al Gore, de Bill Clinton e da CBF só poderiam nascer estações de TV. Estações consentidas e paridas por filhos legítimos de casais de desenvolvimentos sustentáveis. Deste modo, nasciam sagradas  pelo direito consuetudinário e pelas graças do aquecimento terrestre regenerado.

 

As primaveras e os verões agora viviam tristes e asiladas. Viviam numa ilha do Caribe onde os homens não possuíam nada, mas havia o mar, o vento e a esperança encarnada.

 

Mas os carteiros proscritos resistiam e denunciavam. Havia bilhões e bilhões de recursos que navegavam por caminhos tortuosos. Saiam de cofres públicos, passavam por editais fraudentos, pagavam propina a fiscais sedentos, caiam no bolso de deputados, fugiam de licitações e, quando menos se esperava, estavam nas mãos de empresários corruptos e isentos. Não só de impostos, mas também de fornecer explicações a quem quer que seja.

 

Eram tantos estádios falidos e reconstruídos, usados para eleição e como álibis para a corrupção. Estádios de futebol, estádios de guarda sol, estádio feitos de ienes, de dólares, de ouro e madrepérola. Estádio nacional, internacional, regional e municipal, para homens que não jogam bola e desconhecem futebol.

 

Só os carteiros, as cartas de amor e os homens sinceros resistiam. Lutavam contra a barbárie e a hipocrisia. Postulavam terrenos baldios, áreas verdes e vida sadia. Queriam que a terra fosse de quem trabalha ao invés de servir a construtores de estádios e donos da CBF. Queriam que o trabalho fosse justamente recompensado. Que o dinheiro publico, que faltava em hospitais, escolas, previdência social, transporte coletivo, não fosse indevidamente embolsado pelos gangsters dos estádios.

 

E a luta dos carteiros foi crescendo e crescendo.

 

A cada dia ganhava novos adeptos. Já não eram apenas poetas malditos, agora eram todos poetas que aderiam. Desenterravam as cartas de amor. Os livros censurados, vitrolas e discos de antigos clubes sargentos e dançarinas de corações solitários.

 

As cartas de amor, agora, os carteiros rebeldes, afrontosamente, entregavam. Arrancaram das prisões remetentes e destinatários de sinceras promessas e adolescente que nelas acreditavam. Salvaram os meninos do crack. Pedintes e mães solteiras do abandono, graças aos recursos públicos que seriam destinado aos falidos estádios.

 

Graças à luta dos carteiros e das cartas de amor, a paixão nacional novamente vingava. As ruas surgiam dos desertos. E as alamedas novamente brotavam.

 

No país do futebol, a primavera já poderia nascer. Nasceria em campos de várzea, em terrenos baldios, em ruas sem carros e nos estádios construídos por cartas de amor recuperadas, pelos homens livres e pelo trabalho voluntário.

 


Data: 02/08/2010