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Artigo - As lágrimas do deserto

Wagner Braga Batista

 

Marcianos extraviados saíram à procura de homens e de mulheres do planeta Terra.

Percorreram a Europa, os Estados Unidos e as grandes metrópoles do chamado primeiro mundo. Encontraram estruturas faustosas e monumentais que se  irradiavam pela Ásia. Surgiam, também, no  Oriente Médio, em locais onde só nasciam desertos.

Correram a África e viram grandes assimetrias. Havia lugares com muita água e comida onde existiam sede e fome.

Andaram por regiões inóspitas , nas quais reinavam pestes e endemias, mas nelas também não havia  mulheres e homens.

Os sinais da modernidade, então, apontaram-lhes novos e deslumbrantes caminhos. Levavam ao reino das coisas, onde os homens tinham se transformado  em coisas e também já não existiam.

Desolados, os marcianos penetraram neste reino opulento chamava mercado.

Vasculharam condomínios riquíssimos. Depararam-se com a fartura, a prosperidade e riquezas inacreditáveis caminhando juntas, porém não havia mulheres, nem homens.

Percorreram grandes lojas e supermercados, havia abundancia e enlatados. Pedaços de carne, animais dilacerados e caixas de leite prensado. Havia máquinas para tudo. Máquinas de fazer, de ver, de escrever , de registrar e contabilizar jazigos, mas não havia maquinas que lhe falassem dos homens desaparecidos.

Andaram por todo canto e por lado, mas não havia gente neste lugar chamado mercado

Neste lugar de homens e mulheres ausentes, havia milhões e milhões de necessitados e de consumidores apressados.

Viam olhares sedentos e gananciosos saindo de  automóveis, de altos muros, de casas extravagantes  e de grandes apartamentos trancados por dentro.

Procuravam pelas pessoas ausentes, por sentimentos subsistentes  e viam apenas logomarcas. Buscavam resquícios de gente, mas só enxergavam sentimentos descartados. Ao invés de seres humanos encontravam objetos inúteis, coisas supérfluas e inutilizadas.

Onde tentavam localizar valores,  só havia preços afixados.

Descobriram aos poucos que no planeta Terra não havia moradas.

Havia prédios grandiosos  e residências do tédio nas quais se dizia que mantinham crianças encarceradas. Procuravam então suspiros ou sussurros de gente, porém ouviam apenas  incompreensíveis gritos.

Nestas construções hediondas, ao invés de convívio, defrontaram-se com a solidão das portas de entrada e a indiferença de blocos de pedra.

Pensaram, então, que todos os homens tivessem morrido e não pudessem mais se reproduzir, posto que, também, não viam idosos e mulheres gestantes em meio à desordem urbana, ao caos do transito, à violência e às balas perdidas

Procuraram respostas nos anais de academias remanescentes. Infelizmente, nenhum resquício encontraram. Havia nomes, títulos pomposos e muita vaidade. Havia teses que pontificavam em estantes e em suntuosos currículos, porém nestas volumosas obras não havia vestígios de humanidade.

Tentaram obter notícias cotidianas. Viram enormes outdoors e revistas em bancas de jornais. Nelas havia números, cifras e vidas quantificadas. Havia milhares de fotografias de exuberantes mulheres, impressas em papéis vistosos e apostas em corações vazios. Porém,  nenhuma destas mulheres vivia.

Visitaram grandes bibliotecas, repletas de estantes, documentos e livros que provavam que os homens existiram. Nestes livros,  ensinava-se que neste lugar chamado mercado, onde tudo se comprava e tudo se vendia, os homens vendiam a alma ao diabo e as mulheres seu corpo às fantasias.

Na falta de homens e de mulheres, procuraram pelas crianças.

Vasculharam parques infantis e escolas desertas, aonde lhes disseram que crianças viviam. Havia restos de brincadeiras interrompidas, pedaços de brinquedos partidos, antigas cantigas esquecidas e infâncias  jogadas no lixo. Desenhos em papeis rotos e garranchos perdidos. Alguns cachorros, gatos e passarinhos ainda havia, mas criança nenhuma existia..

Andaram, andaram. Só encontravam desertos. Desertos estéreis, repletos de coisas belas e opulentas, onde vida não havia. Ali, ciborgs, robôs e andróides  plantavam sementes de ouro, jóias, diamantes e rubis. Semeavam por muito tempo, mas nada nascia.

Na falta de mulheres, homens e crianças, procuraram sorrisos.

Certo dia, um andróide lhes disse que havia, no lugar chamado mercado, um deserto que sorria.  

Procuraram, procuraram e por fim encontraram este outro deserto.

 Como todo deserto não havia homens, mulheres, crianças e bichos Ao contrário do que se previa era um oásis belíssimo. Tal qual o esplendoroso mercado, abundava a água, havia luxo e hipocrisia, porém nem sorrisos, nem vida havia.

O oásis belíssimo, não era feito de risos, mas de lágrimas de um deserto infeliz.  

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 17/08/2010