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Artigo - A décima segunda vitória

Wagner Braga Batista

 

Hesitamos dizer, pois sabíamos que seria difícil vencer.

Depois das tramas do General Garrastazu e das correrias de Vil Teixeira, tudo poderia acontecer.

Vil Teixeira explodiria dez estádios a cada minuto e anunciaria que em quatro anos todo o Brasil estaria mudado. Construiria um Palácio no Maracanã e um estádio para o Corinthians, em menos de três horas. Faria em poucas horas, o que não se fez em cem anos e em mais de trezentos  mil dias. Faria tudo de uma só vez.

E o Fluminense seria o único prejudicado.

Sabíamos, portanto, que, não seria fácil vencer o São Paulo, jogando apenas no gramado. Por isto, guardamos os comentários inoportunos, para quando passasse a ressaca, a dor de cabeça, a maldita enxaqueca e a noite insônia. Por isto, os comentários sobre momentos de infortúnio passados serão feitos com atraso.

Além do General Garrastazu, dos seus sequazes e torcionários, várias outras forças do mal conspiravam contra o Fluminense. No domingo jogaríamos contra um time de santo. A confraria do alto clero reunira-se à véspera para discorrer sobre esta questão. Os místicos e visionários se dividiram. Diante deste lamentável fato, nem as rezas de mãe ajudariam. Tampouco as mais proficientes e científicas profecias resolveriam. Todas estavam fora de cogitação.

Na semana anterior, havíamos gasto a mais eficiente promessa ao subir de joelhos a escadaria da Igreja da Penha e não poderíamos repetir a penitência. Já nos advertiram que a História só se repete como farsa. Assim também ocorre com as penitencias e as profecias. Não se pode repeti-las, impunemente.

Víamo-nos como órfãos da proteção do Papa João XXIII. 

Juntamente com João Otávio, ocupados em semear a paz na terra, em salvar os mineiros soterrados no Chile, evitar novas chacinas no México, deter o narcotráfico e a barbárie do mercado- causas maiores, que ocupavam estes abdicados santos e diligentes homens- não poderiam intervir diretamente, mais uma vez, em nossa ajuda.

Estávamos, visivelmente, prejudicados e preocupados. Parcela substancial da ala progressista da Igreja, para não torcer contra time de santo, não estaria de nosso lado.

Além do mais, no embate futebolístico anterior, tivemos significativas baixas. Além dos atingidos por balas perdidas, dois de nossos heróicos soldados foram atingidos por cartões amarelos. Combalidos, não poderiam dar o sangue por mais outra vitória. A saber, a décima segunda.

Em respeito ao santo que dá nome ao time, São Paulo, a vitória seria adiada. Até quando?

Que terrível dilema. Precisávamos urgentemente de respostas. Até quando será adiada a décima segunda vitória?

Como conter a respiração nos momentos de hesitação e simultaneamente deter a conspiração de Vil Teixeira e das forças do mal?

Sabíamos que não seria fácil. Para renovar o ânimo e o vigor revolucionário, lembramo-nos de frase lapidar de Apolônio de Carvalho: Tudo que é fácil não amplia e nem fortalece.

Confiantes, montamos a cavalo e seguimos pelas estradas de Mendanha em direção ao Maracanã. Percorremos os subúrbios, a periferia do Rio e ouvimos o clamor do povo. Os marginalizados e excluídos, ovacionavam a caravana tricolor. Queriam ver o Fluminense campeão, homenagear Muricy Ramalho e os homens de palavra, mas não tinham dinheiro para entrar no estádio.

Diante das manifestações populares, não pudemos nos furtar a este compromisso histórico. Resolvemos, então, apesar das admoestações dos camaradas, votar no velhinho cristão, também, um homem de palavra.

Superados os limites que separam a riqueza da pobreza , entramos na cidade partida, a cidade do Rio de Janeiro.

Ouvíamos de longe a algazarra que nos esperava. Juntamente com Vil Teixeira e seu séquito, a cartolagem esperneava. Cartolas mineiros, gaúchos, paulistas e norte-americanos dirigiam-se ao campo, em frenética balburdia, para secar o Fluminense.  Porém não investiam apenas contra o tricolor das Laranjeiras. Atentavam contra o Flamengo, Vasco e Botafogo, porque não admitiam a beleza do futebol carioca. Vinham em passeata carregando botins, dinheiro público lançado no ralo e vuvuzelas.

No caminho convocamos  Zé do Trombone de Vara para fazer calar as vuvuzelas. Ia  na frente levando o trombone e uma vara enorme, mas o Zé, que estava disposto a conter as vuvuzelas, enfrentaria um duro repto. Como no filme de Caco Souza, era uma luta desigual, posto que eram quatrocentos contra apenas um.

Desta feita não eram as vuvuzelas da emancipação dos povos africanos, de negros e de discriminados. Tratava-se de vuvuzelas mercenárias, contratadas por Vil Teixeira, para secar o Fluminense.

Distribuíam-se em pontos estratégicos do Rio de Janeiro, em comunidades pobres à mercê do narcotráfico e nos bairros nobres entregues por candidatos corruptos em troca de votos. O som tornava-se infernal e sequer permitia a Muricy Ramalho explicar um novo esquema tático e dar sua palavra de homem que haveria uma nova vitória.

No vestiário, mentiras da Rede Globo e o som das vuvuzelas impediam que Muricy Ramalho escalasse o time correto. Por fim, o roupeiro distribuiu as camisas erradas e a escalação do time foi prejudicada. Entraram em campo, equivocadamente, jogadores trocados, um mascarado, um perna de pau e um zagueiro do time adversário.

Como de hábito, o time do Fluminense começou arrasador.  Aos oito minutos já vencíamos por um a zero.

Os vampiros e morcegos, que dão carteiradas no Maracanã, debandavam desesperados. Os sangues- sungas de brejos, dos charcos, dos riachos e do sistema financeiro estavam desnorteados. Os cartolas refugiavam-se em camarotes, diárias e passagens aéreas. Os confrades urubus, depois de mais uma derrota, mantinham-se calados.

Tudo seguia nos conformes, até que o perna de pau perdeu a muleta no meio do gramado. Saiu desesperado e segurou nas partes íntimas do adversário na entrada da grande área.

Este ato obsceno, na vida social seria visto como uma imoralidade. Na complacência futebolística, foi considerado apenas uma falta praticada por um cabeça de bagre. O faltoso sequer foi expulso de campo por tamanha obscenidade. Tampouco pagou penitencia ou sofreu  excomunhão da igreja. Nem ao menos se manteve apartado do convívio com as boas famílias. Os humildes, postados na arquibancada, vaiaram em coro a obscenidade, mas tampouco o juiz o puniu por falta de decoro público.

E foi aí, por obra deste perna de pau, que começou a desgraça do Fluminense. Que se deu o revertério. No jogo, no time e na torcida tricolor. Todos estavam em prantos.

Em menos de três minutos, o Fluminense estava perdendo o jogo por dois a um para o São Paulo.

Mas os torcedores recuperaram a esperança e a confiança na vitória. Lançavam milhões de corações em campo e anunciavam suas certezas para calar as vuvuzelas.

No segundo tempo, o time ganhou sangue novo. Engrenava rumo à décima segunda vitória. Porém, enquanto o time jogava pra frente, havia jogadores que jogavam pra trás.

A torcida eufórica hasteava bandeiras vermelhas e tricolores, descia as arquibancadas e entrava em campo cantando a Internacional e a Marselhesa. Foi neste exato momento que houve o pênalti a favor do Fluminense.

Seria a redenção de nossos pecados. Mas, não se sabe por quê, por orientação de quem, apresentou-se para bater o pênalti um jogador que se esmerava em cheirar a bola.

Ao invés de chutar para o gol ou, ao menos,  chutar para frente, chutou para o lado.

E, aí, perdemos para nós mesmos.

Mas, apesar deste revés, o Fluminense continua líder e segue rumo à décima segunda vitória.

Depois, no silencio pós-jogo, quando desce o pó de arroz, as vaidades adormecem e as chuteiras se calam,  tudo seria explicado por Muricy Ramalho, o homem de palavra.

No momento da escalação do time, houve uma grande confusão. Confundiu-se, por conta do terrível barulho das vuvuzelas. Ingenuamente, permitiu que Vil Teixeira adentrasse no vestiário, entregasse livros de auto-ajuda, infiltrasse cabeças de bagre no elenco, atrasasse salários de jogadores e instalasse a cizânia no plantel.

Por conta desta confusão tremenda, ao invés de escalar um centro-avante, Muricy Ramalho colocara em campo, para bater o pênalti, o zagueiro do time adversário.

E assim torcedores do Fluminense e a felicidade coletiva mantiveram-se em compasso de espera. Todos no aguardo da inevitável décima segunda vitória.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 31/08/2010