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Artigo - O campeonato das apostas e o bookmakers vidente

Wagner Braga Batista

 

O campeonato iria começar.

 

Abriram um enorme cassino no qual todos eram chamados a jogar. Neste jogo, habilmente democrático, todos poderiam dar palpites, desde que viessem jogar. Trariam nos bolsos moedas, identidades, gostos, preferências e razões, sempre acompanhadas de alguns tostões, que servissem para apostar.

 

Opiniões e palpites seriam, democraticamente, aceitos em qualquer moeda, em qualquer cotação, na alta e na queda, com uma única condição, teriam que ser deitados e subordinados à lógica da mesa de apostas.

 

No campeonato de apostas, a plena liberdade estava garantida. Todos poderiam torcer, desde que pudessem apostar. Torcedores teriam plena liberdade de manifestação política, crítica, religiosa e sexual, desde que exercidas com total transparência no centro da mesa de apostas.

 

No exercício deste legitimo direito poderiam apostar com plena convicção em qualquer direção. Poderiam livremente torcer, jogar e até reclamar das apostas no juiz ladrão.

 

As apostas, legítimos direitos, conferiam oportunidades a todos. Jogos de todo tipo, sorte e azar a preços de ocasião.

 

Os que acreditassem em Deus, jogariam para o alto. Ateus e agnósticos para baixo. Incréus e desesperançados poderiam escolher qualquer lado. Frente à igualdade de oportunidades, todos  poderiam apostar em tudo e em todos. Só não poderiam deixar de apostar e ficar parados, sob pena de ser detidos por vadiagem.

 

No campeonato de apostas, uns apostavam a vida e outros se dispunham a matar.

 

Uns apostavam a própria mãe, outros, a mãe do companheiro ao lado. Uns jogariam na bolsa, outros, menos ambiciosos, fariam a fé no bicho. Uns apostavam que comeriam giletes, outros que seriam capazes de degustar o lixo. Uns apostariam em si próprios, tornar-se-iam candidatos, outros, menos afortunados, em possíveis vantagens, benefícios e nomeações.

 

Apostavam em entrar no serviço público, para se ver livres de exploração. Uns seriam funcionários públicos, enquanto outros continuariam apostando em negligenciar suas função. Neste jogo promissor, uns apostariam em cargos, outros em titulações, beneficiando-se de álibis e perorações.

E assim neste campeonato, a liberdade estaria assegurada, para que todos pudessem apostar.

 

Todos teriam o direito de investir, apostar e se locupletar sem nada ter a zelar, a não ser a fidelidade à camisa do time, ou quadrilha, e à arte de apostar.

 

E, assim no grande cassino, mãos invisíveis faziam a roda girar. Ora diziam que era uma roda viva, ora se agitavam com medo de que suas engrenagens viessem a enferrujar.

 

E a roda viva, girava para todos os lados e em todas as direções. Girava para a esquerda e para a direita, para dentro e para fora, desde que houvesse apostas que a fizessem girar.

 

Com temor de que parasse, todos eram levados a apostar. Uns apostavam em automóveis, outros em apartamentos. Os que apostavam em bens imóveis, com medo que a roda parasse, faziam investidas em tudo que se mexesse. Apostavam e freneticamente torciam por hélices de liquidificadores, por polias de motores, por spins de televisores, pela bolsa de valores. Tornavam-se adeptos de eletrodomésticos e de espetáculos feéricos. Naquele universo árido, tenebroso e aparentemente mágico faziam suas crendices girar.

 

Apostavam em contos de fadas, em almas penadas e em homens que não podiam comer. Aos poucos desacreditavam de tudo, para que se sentissem à vontade para apostar no que não se vê e não se crê.

 

E roda viva continuava a girar oferecendo novas oportunidade e toda sorte de opções ao azar.

Havia baralhos invisíveis e máquinas de caçar níqueis. Oferecia, moedas e comiam dedos. Luzes fulgurantes, que ao invés de revelar, escondiam segredos. Músicas e shows inebriantes que anunciavam alegria e produziam medo. Na roleta russa, um homem de sete cabeças, podia se dar ao luxo de se matar duas vezes à cada noite. Da sacada dos cassinos, trezentos homens sem esperança suicidavam-se a cada dia para ter mais sorte no dia seguinte.

 

No jogo dos dados sem vícios, havia três orifícios para que a sorte pudesse entrar. Havia também o boxe, a briga de galos, o basquete, a corrida de cavalos, a sangria de cães, as arenas de futebol, os jogos olímpicos, o espírito esportivo, o fair play e tantas outras opções para que todos pudessem apostar.

 

Para resguardar direitos de portadores de necessidades especiais e de idosos, as apostas poderiam ser feitas on line. Para senhoras idosas mais arrojadas, que se lançavam à fortuna, havia templos ambivalentes que serviam à fé e ao jogo. Neles exibiam-se shows esotéricos, pastores evangélicos e bingos.

 

As senhoras mais ambiciosas queriam ganhar um milhão, outras, modestas, apenas um bom dia, um telefonema, um abraço ou ao menos um aperto de mão.

 

E o cassino foi se ampliando e se transformou num grande espaço de jogo e de pregação. Havia imensos hotéis que abrigavam celebridades, vaidades, fortunas e profundos poços de solidão.

Ao seu redor construíram grandes desertos, praias exuberantes, chafarizes iluministas e lagos desinfetados . Grandes espelhos d’ água com detergentes, perfumes e desinfetantes para que todo dinheiro fosse visivelmente bem lavado. Projetaram suntuosos chafarizes que animavam as luzes, os espetáculos e faziam a roda girar. E a força das águas, que banhava o dinheiro lavado, acionava chafarizes iluministas, que faziam brilhar o campeonato de apostas e o capitalismo civilizado.

 

E assim chafarizes iluministas, sinalizavam  um novo rumo para o para o capitalismo civilizado, que conferia indistintamente a todos o direito de apostar.

 

E em nome da ciência, para que nenhum empreendedor, patrocinador, agiota, financista ou publicitário fosse prejudicado, resolveram aplicar o conhecimento acumulado. Com a artificial inteligência, sofisticou-se a artificialização de resultados. Deste modo, jogos e fórmulas mirabolantes melhor se prestariam à  esconder a lógica dos resultados.

 

E a roda viva continuava a girar.

 

O campeonato das apostas, avatar do capitalismo civilizado, animava o círculo virtuoso dos riscos que não parava de rodar. Novos sorteios e prêmios, cada mais atrativos, asseguravam o direito de que todos pudessem investir e apostar.

 

Novas religiões, rituais e fantasias animavam ideologias furtivas que dentro da caixa mágica se locomoviam. Escondiam a própria face, o fundo falso e o medo de que espelhos as revelassem.

E assim surgiu uma nova religião. Um nova religião que legitima as apostas, transforma ganhos e lucros em objetos de adoração. Promete verdadeiros milagres e promissoras predições. Pode adivinhar o futuro em módicas prestações.

 

Para contestar os descrentes, com  providencial ajuda dos céus, elegeu  incontestável autoridade eclesial, o bookmaker vidente, que à luz do volume de apostas, pode prever resultados, manter a roda viva girando e assegurar a dinâmica do capital acumulado.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG 


Data: 10/09/2010