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Artigo - Os botos, o Fluminense e o cabeça de bagre

Wagner Braga Batista

 

 

Depois da brilhante vitória sobre o Ceará, no ultimo dia 8, tínhamos que acertar com o Papa João XXIII e João Otávio o retorno à Paraíba. 

 

Antes, porém, solidários com as campanhas em defesa da redução da jornada de trabalho e do direito de férias, aproveitamos o dia de sol e fomos à Paquetá. Estávamos debilitados pelo duro enfrentamento contra as forças do além, entregamo-nos ao lazer;

 

Perdidos em meio às misérias e às maravilhas do Rio de Janeiro, avançamos mar adentro rumo à Ilha de Paquetá.

 

Ao invés de mar, víamos apenas esgotos.

 

Havia candidatos boiando por todo lado. Seu cheiro forte recendia.

 

Partidos políticos apodreciam à flor d´água juntos com sacos de plástico carregados de nomeações, privilégios, falcatruas e grandes somas de dinheiro público. Não bastassem estas mazelas, quando a maré subia, vigaristas vinham na onda,. Candidatavam-se aproveitando a montante, a possibilidade de barganha de vantagens, fundos partidários e verbas publicitárias que os ratos das caixas dois flutuantes não tiveram tempo de roer.

 

Eram muitos dejetos espalhados pela Baia de Guanabara.

 

Havia senadores e deputados boiando, ministros se debatendo e governadores se afogando. Presos a m cofres públicos, a pesados sacos de dinheiro e iam para fundo. Xeleléus, agarrados em seus sacos, afundavam juntos. Sem espernear.

 

Quando mudava a corrente marinha, agarravam-se uns aos outros. Engalfinhavam-se e se acusavam mutuamente enquanto a nova maré não vinha. Mas, após estas pequenas rusgas, mantinham-se na crista da onda e seguiam adiante. Apenas uns poucos, e debilitados candidatos, remavam contra a maré e a corrente.  Mas, o mar é o mar, de nada vale reclamar..

 

Naquele cenário triste, havia muito esgoto e quase não mais havia mais botos.

 

Esta desoladora imagem nos fez rememorar dos botos passeando nas lendas infantis e acompanhando embarcações na baia de Guanabara. Os botos e suas famílias levando seus filhos às matinês de domingo.

 

Mas, por obra do Papa João XXIII e João Otávio tivemos uma grata surpresa. Eis que surge, aos nossos olhos, um lugar comum, uma tábua de salvação. Nela havia alguns candidatos decentes e um boto. Há três dias, tinham fugido do horário eleitoral gratuito, da poluição política e foram assistir à brilhante vitória do Fluminense sobre o Ceará.

 

Quando retornaram deram-se conta de que o mar não estava pra peixe, para boto e nem tampouco para candidatos decentes.

 

Ao reconhecer o Papa João XXIII, o solitário boto aproximou-se de nós, apresentou-se como Dilermando, também conhecido como Stenella frontalis. A partir daí, conversamos longamente. Falou-nos de suas desventuras amorosas e frustrações políticas. Disse-nos, com muita sinceridade, que a Baia de Guanabara e a política brasileira tornaram-se uma grande lixeira.

 

Queixou-se da apropriação de causas ambientais por partidos fajutas, pelo sistema financeiro, pelos negócios verdes, por empresas devastadoras e até mesmo por usineiros. Lamentou também as deformidades que desfiguravam seu partido, subitamente tomado de assalto por oligarquias, chefes políticos regionais e sindicatos dos donos de contribuições de filiados e de dinheiro publico.

 

Queixou-se que no seu partido já não havia botos, barrigudinhos, piabinhas e trabalhadores. Só havia mamíferos de grande porte e peixes graúdos. Enormes baiacus e traíras, que juntamente com dandis  do serviço público e empresários travestis substituíram a ação política por shows de ilusionismo.

Mas para não ficarmos decantando lamúrias políticas e remoendo mazelas, voltamos a falar de botos amenos que percorriam lendas infantis.

 

No inicio da década de 1990 ainda eram milhares, hoje, estima-se que sejam apenas cinquenta e dois um. A contar com o solitário boto Dilermando, fervoroso torcedor do Fluminense, que viera ter conosco.

 

Relatou-nos que, na calada da noite, os botos são aprisionados e seqüestrados de nosso imaginário. Trancafiados em celas da Ilha das Flores, são barbaramente torturados e obrigados a confessar que não fizeram parte de nossa História. A assinar declarações que nunca existiram e, isto feito, são entregues às empresas petrolíferas, sediadas em nosso litoral e na Baia de Guanabara.

 

Colocados em grandes tonéis, como enchovas ou sardinhas em conserva, são condenados a se converter em hidrocarbonetos. Ali, ficam anos e anos para fossilizar e virar petróleo.

 

Da canoa, remada por João Otávio, ouvíamos centenas de botos que se debatiam dentro de enormes tonéis encravados em ilhas de pedras na grande baia. Gritavam, escreviam e enviavam cartas à população, porque não queriam ser extintos ou virar petróleo. Entristecidos ouvíamos estas estórias e nos lembrávamos que os botos choravam em noites de lua cheia na Baia de Guanabara.

 

Dos milhares, ou talvez milhões de botos, infelizmente, hoje restam apenas cinqüenta e dois.

Perseguidos, fogem celeremente dos torcionários do General Garrastazu, de Vil Teixeira, das redes de especuladores, de agiotas de pescadores, das ações da Petrobrás e das hélices de navios cargueiros. Ficam à mercê de causas ambientais falsificadas, de ONGs sediadas no governo, de estafetas de privilégios ministeriais, de farejadores de recursos financeiros e de degustadores de editais.

 

Foragidos da Baia de Guanabara exilam-se no mangue da Av Presidente Vargas. Equilibram-se sob esqueletos de arbustos e em pontas de anzóis.

 

Nas enseadas disfarçam-se, colocam biquínis, óculos escuros, chapéus de sol e se misturam com os poucos banhistas que aventuram nas praias da Baia de Guanabara. Refugiam-se com caranguejos, sob rochedos cobertos de cracas cortantes ou embaixo das pedras de ribeiras poluídas.

 

Alguns se camuflam com grandes manchas de óleo, outros se vestem de meninos malabaristas ou guardas de transito e conseguem passar despercebidos em meio a grandes congestionamentos.

 

Salvam-se graças à solidariedade de lesmas e mexilhões. Quando acuados, escondem-se dentro de conchas de mariscos e de carapaças de caramujos. Entram em minúsculos orifícios de anêmonas para evitar à carnificina.

 

Só saiam destes refúgios para ir ao Maracanã para torcer pelo Fluminense. Agora, nem mais lhes resta este consolo.

 

Permanecerão sob as pedras e o lodo da Baia de Guanabara até o ano de 2013, quando o estádio do Maracanã se converterá num grande palácio.

 

Aflitos, perguntam-se: Sobreviveremos até lá?

 

Os mais velhos se indagam se poderão entrar novamente no estádio. Se serão confundidos com pobres e desdentados. Os mais novos aprenderam a cultivar dentes nas bocas e colocar bizarros aparelhos odontológicos para não ser barrados nos futuros palácios, confundidos com pobres homens desdentados.

 

Deste modo, os botos foram excluídos da Baia de Guanabara e marginalizados nos estádios.

 

Imersos na lama, no lodo e em grandes manchas de óleo temem que seus filhos não reconheçam a luz do sol.  Temem também ser devorados por gastrônomos a serviço do desenvolvimento sustentável. Depois que descobriram que o óleo de boto substitui o botox, as ecosenhoras saíram desenfreadas à caça de botos.   

 

Óleo de boto passou a ser utilizado para tudo. Para assegurar a sustentabilidade dos pés de galinha, para esconder pelancas do rosto e para segurar seios caídos das jovens ecosenhoras. Tem sido empregado em dossiês, em quebras de sigilo fiscais, na compra de votos e como mote em propagandas eleitorais. Usado para disfarçar o cinismo, reduzir rugas dos poodles de ecosenhoras e a baixa sustentanbilidade de seus maridos.

 

Os gastrônomos do desenvolvimento sustentável descobriram também que a carne de boto tem excelente paladar. Para assegurar o emprego e renda de abnegados homens e mulheres de ONGs servem pratos de botos para deduções de imposto de renda. Ecólogos verdes e multicoloridos preparam receitas de botos para agencias financiadoras de pesquisa. Bancos e agiotas filantrópicos oferecem leite de boto às comunidades periféricas. Grandes redes de supermercado biodegradáveis e continuamente remarcáveis substituem sacolas de plástico por bolsas de pele de botos, vendidas a preços irrisórios. O marketing ambientalista desenvolve campanha para a adoção de criancinhas branquinhas e rechonchudas, que só comem carne de botos.

 

Os moços e moças das ONGs especializaram-se em montar requintados cardápios de botos em restaurantes de luxo. Servem finíssimos pratos para ministros e ministérios, para suas congêneres estrangeiras, para agencias financiadoras de pesquisas e para organismos governamentais. O boto entra no cardápio de eventos ambientalistas e na dieta de green ecologistas.

 

Os moços e moças das ONGs, também oferecem um variado menu com sobremesas de todo tipo e álibis refinados para adoçar o marketing de empresas privadas e estatais. Ao final do repasto, para  se certificar da sustentabilidade do gosto e a sutileza do paladar, conferem no caixa o quanto puderam lucrar.

 

Para disseminar e popularizar a causa em defesa da carne do boto, políticas governamentais de combate à fome estimularam a venda de churrasquinhos nas portas dos campos de futebol. Fiéis à defesa da diversidade e das diferenças de gosto aliaram-se a minorias contrárias à discriminação sexual e animal. Para dar um tratamento equânime aos bichos, os espetinhos de botos seriam vendidos pelo mesmo preço dos churrasquinhos de carne de gato.

 

Num ingente empenho para angariar recursos para grandes corporações financeiras, para o comércio justo, para os negócios verdes e para os movimentos ecológicos, parapsicológicos e psicopatológicos, os militantes da ONG Comam Botos, vendem espetinhos na Praça Quinze, nas estações de trem e passeios públicos.  Brevemente abrirão franquias por todo Brasil.

 

Os moços e moças de ONGs respeitáveis, a serviço de financistas favoráveis ao desenvolvimento sustentável, não descansam nunca. Em seu fervor voluntário e reciprocamente solidário, dão curso as suas maracutaias e brilhantes negócios verdes.

 

Este desprendido empenho é apenas uma modesta linha auxiliar de novos democratas do antigo PFL e pequenas baratas que se alimentam do comércio justo, da falsificação de idéias e do quanto podem barganhar.

 

Porém o boto Dilermando, não estava preocupado apenas com o futuro de sua espécie e o destino da humanidade, mostrava-se bastante apreensivo com a performance claudicante do Fluminense.

 

Enquanto navegávamos em direção à Ilha de Paquetá, vieram ter com o Papa João XXIII e externar seus justos temores. E o papa, que aproveitava o dia de sol para usufruir de poucos minutos de sol, absteve-se do bronzeado, numa demonstração de grande apreço pelos botos e pela sorte do Fluminense. Adentrou numa pequena brenha de mata no fundo da Baia de Guanabara e foi auscultar outras espécies em extinção. Confabulava com botos, ariranhas, jacarés, saracuras, galinhas d´água, golfinhos, tartarugas, peixes-boi, macucos, jacus, cavalos marinhos, compromissos políticos e outros bichos que já não existiam mais.

 

Incansável, enquanto João XXIII buscava alternativas mais justas para a sociedade, para os problemas do mundo, para os botos, golfinhos, baleias, peixes-boi, orcas, porcas e outros mamíferos aquáticos, João Otávio remava a canoa rumo à Paquetá.

 

Distantes de problemas miúdos, das preocupações rotineiras e das aflições habituais, também não imaginávamos que novos planos sinistros estavam sendo arquitetados.

 

Mais uma vez, as mais poderosas  forças sobrenaturais do além, consorciavam-se a favor da sustentabilidade da degradação ambiental, do liberalismo desavergonhado, da restauração do PFL e da visibilidade da CBF. Queriam, a todo custo, tirar o Fluminense do páreo deste árduo campeonato.

No retorno de Paquetá, após as preleções e homilias, seguimos para Goiânia. Desta feita, acompanhados do solitário boto Dilermando, que torceria pelo Fluminense e seguiria viagem para tentar a vida na bacia Amazônica.

 

Numa sexta-feira, que não era treze, juntamente com a imensa torcida tricolor íamos nos solidarizar com trabalhadores sem terra e torcer pelo Fluminense.

 

Mas as forças do mal não hesitam. Durante o jejum, as rezas e os flagelos vespertinos, pelo radinho de pilha, ouvimos uma declaração de Vil Teixeira. Dizia-se arrependido pelos seus malefícios e pedia perdão à torcida do Fluminense. Afirmava que, num ato de deferência, para evitar novos estremecimentos nas Laranjeiras, só favoreceria os adversários do Fluminense com um único pênalti a favor por partida. Eventualmente, poderia conceder a graça de outro pênalti se o primeiro fosse desperdiçado.

 

Para aliviar o clima tenso nas Laranjeiras, levaria Fredinho Surfista para curar ressacas em praias noturnas mineiras. Encomendaria máscaras de seda, numa griffe francesa, para doar a alguns jogadores,. Cevaria apetitosos frangos para o nosso esfomeado goleiro. Compraria bolas de encher para alegrar o zagueiro do time adversário que joga em nosso time. 

 

Tratava-se de um novo ardil.

 

Desta vez, os artifícios de Vil Teixeira deram resultado. Para tristeza coletiva, repetiram-se fiascos de rodadas anteriores.  Fomos vergonhosamente derrotados no último minuto de jogo. Não deu tempo sequer para um suspiro, tampouco para chorar uma lágrima.

 

O time do Fluminense esteve irreconhecível, apesar das orações e da ajuda do prestimoso Papa.

Saíamos amargurados do estádio, quando fugindo a sua habitual parcimônia, serenidade e generosidade cristã, Sua Santidade sentenciou

 

Meus filhos, podemos proteger o Fluminense das forças do mal, mas nada podemos fazer se o time joga contra si mesmo. É um desperdício,  tão refinado toque de alguns jogadores direcionado para um centroavante que se atrapalha com a bola. Não há milagre, reza, promessa ou intervenção de Papa que melhore o desempenho de um cabeça de bagre.

 

E foi só. Dia seguinte, o solitário boto Dilermando seguiu viagem para a tentar a vida na bacia amazônica.


Data: 13/09/2010