topo_cabecalho
Artigo - Do jeito que está, certamente não fica...

Wagner Braba Batista

 

 

Na década de 1950, Cacareco despontou como um grande candidato popular.

 

Em 1958, o rinoceronte Cacareco, tornou-se uma celebridade ao ser apresentado como candidato. A propaganda informal e a rejeição à política real, ao jogo de cena e aos escândalos que começavam a ganhar corpo no cenário nacional e local, tornaram Cacareco o vereador mais votado na cidade de São Paulo.

 

Na década de 1980, nos estertores das lutas pelas liberdades democráticas, eclodiu outro fenômeno eleitoral. No Rio de Janeiro, o Macaco Tião, despontava como novo candidato bizarro. Patrocinado por um grupo de humorista, disparou na preferência popular. Competiu, pau a pau, com outros candidatos e suplantou a  tradicional campanha pelo voto nulo, esvaziada pela ampla gama de oportunidades gerada pela liberdade de organização partidária.

 

Em 1988, ficou em terceiro lugar na eleição para prefeito do Rio de Janeiro.  

 

Vez ou outra, surgem situações cômicas que revelam facetas criticas do sistema eleitoral. Dão lugar a reações grotescas.

 

Analisadas, posteriormente, suscitam novas percepções sobre o processo eleitoral. Sob o viés critico e criterioso seriam rechaçadas, de pronto, no devido contexto. Porém, com o tempo são melhor digeridas e propiciam reflexões menos acaloradas e apaixonadas. Extemporaneamente, deixam de ser rotuladas de grotescas, anárquicas e se tornam sugestivos indicadores de tendências do comportamento do eleitorado em contextos críticos. Ensejam um mergulho no lodaçal político do qual uns emergem vitoriosos e nós, eleitores, Sugerem um mergulho e-se bastante sugestivas.

 

No caso do Macaco Tião, entre tantas outras motivações, o sucesso da campanha pode ser parcialmente creditado à crescente frustração de parte do eleitorado diante dos desdobramentos políticos observados naquela conjuntura.

 

O final da década de 1980, se não foi desolador, foi pouco auspicioso para a esquerda. Após o expressivo crescimento do  movimento popular houve um brusco descenso, impensável diante dos acúmulos resultantes das lutas democráticas precedentes. As conquistas obtidas com a liberdade de organização partidária, com a defesa dos direitos humanos, nas lutas contra a carestia, pelo acesso à terra e à moradia, pelo reconhecimento de minorias, entre  e tantas outras conquistas foram capitalizadas pelos liberais. Adulteradas, sofreram esvaziamento e foram institucionalizadas, graças ao consenso passivo. Seus benefícios para o conjunto da população foram contidos por meio de artifícios e soluções pactuadas entre forças conservadoras, sob os auspícios do Governo Sarney, ex-líder na Câmara do partido de sustentação do regime militar.

 

Quando este procedimento não prevaleceu, impôs-se o esquecimento e a inépcia na regulamentação de leis e de conquistas populares, que aos poucos foram caindo no vazio e, pasmem, posteriormente seriam consideradas obsoletas por correntes políticas que as tinham defendido com bastante ardor.

Depois da hegemonia do Centrão, na Constituinte, veio a hecatombe Collor. Em sintonia com a escalada liberal, mundo afora, em dois anos limpou o terreno para que a ação de seus sucessores não se mostrasse tão drástica quanto foi.

 

Em nome da moralidade, instituiu as regras da casa da Dinda e abriu as portas dos três poderes para quadrilhas modernizadas. A seguir se instalou um novo contencioso que dividiu a social-democracia. Uma parte abrigada no PT e, outra, no partido que se reivindica de suas tradições, o PSDB.

 

Enquanto uma se valia da influencia sobre o movimento sindical, a outra buscou articulação e sustentação com as forças mais deletérias, que subsistiam ao impeachment de Collor. A esta parcela pode ser creditado desmonte do Estado e significativa perda de intervenção estratégica da economia brasileira no inicio do século. A ambas, no entanto, pode se atribuir a tentativa de anular qualquer perspectiva de ação autônoma dos movimentos sociais no Brasil. Ao PT, a tática da cooptação e da domesticação do movimento popular, ao PSDB, o desprezo, a desconsideração e a tentativa de desmoralização de movimentos sociais e da própria esquerda.

 

De forma residual, correntes de esquerda e movimentos populares organizados subsistem. Não com as mesmas potencialidades, tampouco como forças catalizadoras de grandes contingentes sociais. Estão dispersos em vários partidos, paradoxalmente, também no PT e no PSDB.

 

Na atual conjuntura, a direita e as forças retrógradas, carentes de legitimidade, não têm visibilidade e alcance político expressivo. Sobrevivem  utilizando-se dos mecanismos secularmente adotados para aparelhar e instrumentalizar o Estado e a política no Brasil. Por isto, não se importam em ceder o timão do barco, desde que possam influir decisivamente no seu direcionamento.

 

A política para estas forças tem sentido meramente instrumental. Ou seja, assegura a manutenção do status quo, na esfera pública a continua expropriação do Estado e na esfera  privada, a espoliação do trabalho por intermédio de novos e sutis artifícios.

 

Para o senso comum, que nutre grande contingente de eleitores, pouco há por fazer. Diante das alianças díspares, do oportunismo, das falcatruas, o sentimento que subsiste é de livrar sua parte, tirar proveito da situação e não apostar no pior.

 

À luz desta percepção, o eleitorado projeta na eleição, como um processo no qual pouco pode influir, dada sua caracterização como jogo de cartas marcadas. Tende, portanto, a escolher o menos ruim, porque, lucidamente, sabe que seu voto pulverizado não sedimentara, nem elegerá alternativas políticas mais conseqüentes.

 

A percepção da densidade eleitoral de coligações, partidos e candidatos pesa na hora do voto. Poucos eleitores, em nome da consciência política, dão seu voto em partidos e candidatos, nos quais acreditam, porém reconhecem que não tem chances de eleger. Este é o voto da orientação ideológica, que nesta conjuntura se torna escasso e deveras residual.

 

Sob este viés, o candidato agraciado com o voto, muitas vezes no imaginário popular não é o vetor das transformações desejadas. È aquele que expressa alguma aspiração, ainda que limitada, mas também é o veiculo de uma indignação com a política miúda. Com esta política que estamos vendo.

 

No imaginário popular, muitos candidatos que escancaram a degradação política, sugerem a idéia de ousadia, de denuncia e até de honestidade de propósitos nas suas bizarrices. Estes candidatos também têm a compreensão do que sinalizam, apesar de seus objetivos não serem coincidentes com os de seus eleitores.

 

Há candidatos conseqüentes e coerentes com programas dos vinte e oito partidos que disputam a eleição. Certamente, são muito poucos.

 

Porém um aspecto chama nossa atenção: a proliferação de candidatos oportunistas. Melhor dizendo, deslavadamente oportunistas. Não têm a menor desfaçatez em dizer para o que estão se apresentando. Chegam ao ponto de transformar o oportunismo e a degradação política em mote de campanha.

 

Um vídeo promocional, exibido num site de busca, registra 3498493 visitantes, dia 15 de setembro de 2010.

 

Neste, como em outros vídeos, que não foram contabilizados, o candidato assinala que não sabe o que irá fazer na Câmara, tem como plataforma eleitoral apenas ajudar sua família e solícita sem nenhum pudor, que se o leitor estiver cansado dos atuais trambiqueiros, vote nele. 

 

O mais doloroso se avizinha. Muito provavelmente este candidato será eleito.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 15/09/2010