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Artigo - A difícil decisão sobre o poder da reza de padre Benedito e a força das homilias do Papa João XXII

Wagner Braga Batista

 

O céu estava convulsionado. As almas boas e penitentes, angustiadas, preocupavam-se com o cenário sombrio que se desenhava.

 

À véspera de um Fla X Flu, forças do além e almas penadas, emulavam a desarmonia no paraíso dos justos. Apostavam no desentendimento entre entidades cordatas e pacificas tementes ao bom Deus. Reproduzindo leis profanas do mercado, procuravam tirar proveito de vantagens competitivas e emulavam negócios escabreados.

 

Montaram estratégias mercantis para se beneficiar da disputa entre rezas e predições dentro da mesma igreja.

 

As boas almas aflitas, preocupavam-se em mediar uma possível discórdia que abalaria o convívio harmônico e a ameaçaria a paz celestial. Tinham pela frente uma árdua missão, aplacar as forças do mal e restabelecer a comunhão no seio das hostes sacerdotais.

 

Na semana anterior, capitaneadas por Vil Teixeira, as forças do mal urdiram mais uma trama. Conseguiram instilar veneno no futebol carioca e semear desavenças na mesma família. Colocaram em conflito pai e filho. De um lado, o mais antigo time de futebol brasileiro, o conhecido pó de arroz, de outro, seu rebento precoce, o urubu chamado Flamengo.

 

Como se não fosse suficiente este desatino, estimularam incompreensível disputa no seio da Santa Igreja. Incitaram ex-pároco da Igreja de São Judas Tadeu, padroeiro do Flamengo, e Sua Santidade, o Papa João XXIII a travar uma peleja mística e sacerdotal.

 

A partir daí, estava em curso a disputa esotérica.

 

 De um lado, rezas e benções de padre Benedito queriam afastar o fantasma da segunda divisão que se acercava da Gávea, de outro, as homilias e pregações do Santo Homem pretendiam assegurar ao Fluminense, o justo direito de ser campeão brasileiro.

 

Em campo, as equipes profanas se defrontariam e, em santuários, destinados a liturgias, os sacerdotes terçariam armas, homilias, orações e profecias.

 

As forças do além, almas penadas, sanguessugas, lacraias e escorpiões de shoppings estavam eufóricos. Regozijavam-se, juntamente com Vil Teixeira, Von Blatter, General Garrastazu e seus torcionários, de ter  instalado a cizânia nesta imensa família de urubus e pós de arroz, bem como a discórdia na Santa Igreja. Apostavam alto na derrocada do futebol brasileiro.

 

Felicitavam-se pelo êxito em afundar os times de Pernambuco, Santa Catarina, Bahia, Minas e  Rio de Janeiro. Fariam tudo que estivesse ao seu alcance para transformar o futebol burocrático em vitrine do futebol brasileiro.

 

Depois que adiaram o jogo do Corinthians, para que o time pudesse comparecer a um pagode numa quarta feira e, dia seguinte, a uma festiva balada noturna, tudo seria possível. Neste frenesi futebolístico, as forças do além, a cada dia, mostravam-se mais pujantes e materializavam o inacreditável.

 

Tinham explodido mil estádios e fechado o Maracanã, agora realizariam um Fla X Flu reservado. Seria um espetáculo para diminuto e refinado público de apenas dez torcedores no imenso Engenhão.

 

Urubus e pós de arroz não teriam acesso às arquibancadas, nem pouco às proximidades do estádio.

Cinco ingressos seriam sorteados num cassino em Las Vegas. Outros cinco seriam destinados a Barack Obama, a Winston Churchill, à Rainha Vitória, à Margareth Teatcher e a Arnold Schwarzenegger.  Seria mais um jogo para ingleses e americanos verem.

 

Por motivo de segurança, quarteirões, ruas e transportes públicos seriam interditados. Os moradores dos subúrbios do Rio não poderiam sair de suas casas. Os botequins seriam todos lacrados.

 

Telefones, conversas nos pés de muros e rádios de pilha seriam censurados. Bandeiras, camisas, adesivos e escudos do Flamengo e do Fluminense seriam aprisionados. Torcedores ousados seriam seqüestrados pelos torcionários de Garrastazu.

 

Para assegurar a frieza e o olhar desapaixonado da refinada platéia, durante o horário do jogo estariam terminantemente proibidos o namoro, atos lascivos e abraços apertados. Os casais seriam impedidos de qualquer aproximação, para que nenhum murmúrio ou lânguido alterasse o silencio do estádio e tirasse a atenção da requintada platéia.

 

O clima estava pesado. Além do horror que tinha se instalado em campo, a disputa sacerdotal afligia as boas almas do paraíso celestial.

 

Enquanto Padre Benedito benzia o time do Flamengo para afastar zicas e urucubacas, Papa João XXIII pregava o fim da violência no mundo e a alegria nos estádios. Para que prevalecesse a harmonia e a beleza, torcia pela vitória do Fluminense, o mais lidimo representante do futebol brasileiro .

 

Respeitosamente, estas duas autoridades eclesiais valiam-se de seus poderes sagrados para viabilizar as vitórias do esporte profano.

 

Nos céus uma plêiade de santos e arcanjos, visivelmente preocupados, parlamentavam e se reuniram num grande conclave para debater esta difícil decisão.

 

Se fossem simples superstições, seria mais fácil ajuizar. Como se sabe no campeonato baiano, por causa de rezas, despachos e superstições menores, todos os jogos terminam empatados.  

 

Porém, o que estava em jogo era a autoridade eclesial. Qualquer decisão poderia abalar ação pastoral de um pároco ou, então, convincentes pregações e homilias de um Santo Papa.

 

As ações em curso deveriam ser meticulosamente analisadas pelo Santo Ofício, para expurgar possíveis heresias, examinar se alguma liturgia estava sendo indevidamente usada ou se alguma causa santa fora  profanada. Como se sabe, em disputas esotéricas desta natureza não cabem golpes baixos, lances de mão ou pernadas.

 

Por fim, as almas boas, santos, arcanjos e egrégios conselhos universitários, depois de cinco reuniões sem quorum, conseguiram deliberar. Julgaram-se incompetentes para opinar sobre tão difícil questão. Resolveram transferir a decisão para a onisciência divina.

 

Neste embate esotérico, a última palavra seria do Divino.

 

E assim, todo o final de semana foi ocupado com perorações, auscultas e aconselhamentos que instruíssem esta difícil decisão.  

 

Nós, crédulos e humildes torcedores, aprisionados juntamente com nossas bandeiras e aflições,  aguardávamos o resultado. Ansiosos, com as transmissões e os rádios de pilha censurados, esperávamos  o desfecho daquele silencioso Fla x Flu, organizado para tão fria e refinada platéia.

Para quem pesaria a balança ? Por quem se inclinaria a justiça divina.?

 

Padre Benedito, ansioso, andava de lado a lado.  Papa João XXIII mantinha-se cerimoniosamente calado. .

 

O resultado final teria que contemplar colendos conselhos, os arcanjos, o padre Benedito, o Papa João XXII, santos e bandoleiros que infestam o futebol brasileiro, lavadores de dinheiro, empresários de jogadores, falsários do marketing esportivo, patrocinadores do interesse próprio, diretores da grana que cai em seus bolsos e todos nós, crédulos torcedores.

 

Chagáramos, enfim, ao final do jogo, e poderíamos assistir ao videotape.

 

A justiça divina tarda, mas não falha.

 

Por ironia do destino, todos estávamos sendo homenageados com um emocionante jogo. Com um brilhante gol de Renato, do Flamengo, e as hilariantes jogadas do artilheiro do campeonato, que atua como zagueiro do time adversário.

 

Para alegria das torcidas marginalizadas dos estádios, houve de tudo.

 

A refinada platéia assistiu, em silencio, a exclusão desavergonhada, mas os furtivos amantes não ficaram calados. Em protesto, namoraram ostensivamente e se mantinham apaixonados.

 

Para harmonia das hostes sacerdotais e pelo bom convívio das famílias de torcedores,  fomos brindados com um empolgante espetáculo..

 

Como no caso das superstições menores, as crenças de maior vulto e mais elaboradas, também não foram desacreditadas.

 

Para felicidade de todos, prevaleceu o bom senso do divino. Com muitos gols, lances emocionantes, o  Fla X Flu também terminou empatado.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 20/09/2010