topo_cabecalho
Artigo - Propinoduto alaga aeroporto de Brasília e espalha lama na Capital Federal

Wagner Braga Batista

 

 

Eram dezenove horas e vinte três minutos da segunda-feira, dia 20 de setembro de 2010, quando uma grande tubulação explodiu dentro do Aeroporto de Brasília..

 

Imediatamente o amplo aeroporto foi tomado por agentes da CIA e forças especiais norteamericanas vindas do Afeganistão. No encalço de terroristas islâmicos, ao invés de se defrontarem com malévolos fundamentalistas, tiveram uma grande frustração. Viam apenas corruptos alados e deputados alucinados correndo para todos lados.

 

A inundação provocada pelos esgotos, afligia a todos, porém tratava-se de um corriqueiro incidente na República Sobrenatural de Brasília.

 

A explosão espalhou uma massa disforme que penetrava nos labirintos dos três poderes, alagava  corredores sinistros, gabinetes incestuosos e subterrâneos inextrincáveis do Distrito Federal.

Mensalões pululavam e trezentos milhões, que não couberam nos bolsos de João Pessoa e do Amapá, vinham à tona nos esgotos de Brasília. Dia seguinte, o ilustre autor do delito daria declarações na TV. Com lagrimas nos olhos, deixara cair parte da grana no meio da rua e a maré de excrementos a levara.

 

Dos andares superiores do Aeroporto de Brasília, rios de dinheiro desciam pelas escadas rolantes,  inundavam saguões de apaniguados e salas de espera de novos favores e privilégios. Informações confidenciais vazavam de gravações de arapongas e de registros fiscais de inocentes sonegadores.. Dossiês flutuavam e iates do lago Sul atolavam numa espessa crosta de coliformes..

 

A cidade estava em polvorosa.

 

Assessorias de marketing tentavam conter a diarréia cerebral de candidatos carecas. Uma estranha coriza  escorria  por seus olhos e narinas. De suas bocas, saia esverdeada secreção, que contaminava suas incompreensíveis palavras trocadas.

 

Proxenetas de cargos públicos e de verbas do erário ficaram presos nos elevadores do aeroporto. Em pane, o tráfego aéreo e o tráfico de influencia taxiavam nos céus de Brasiléia. Giravam de um lado para o outro sem saber a quem se dirigir. Não sabiam se pleiteavam benefícios ao Poder Executivo ou aos poderes paralelos.

 

Os controladores de vôo, assoberbados, nada podiam fazer. Governadores e ministros licenciados, não querendo abrir mão de mamatas, novamente se candidatam. Não podendo atender aos habituais favores, tergiversavam, procrastinavam e deixavam enormes contingentes na boca de espera. Esta multidão de desfavorecidos acumulava-se às portas do Palácio da Alvorada, tomava cafezinhos em repartições públicas e fazia hora na Câmara de Deputados.

 

O céu de Brasília estava congestionado.

 

Diante da hecatombe, apadrinhados buscavam viabilizar suas nomeações, servidores queriam mudar de nível, apaniguados cobravam diárias e passagens aéreas atrasadas, porém os vôos estavam interditados.

 

E nos céus, aviões desavisados continuavam pretendendo alcançar novos escalões, desconhecendo que os níveis superiores estavam superlotados.

 

Com os céus de Brasília paralisados. Ninguém subia ou descia. Só havia falsa alternância de posições, entre candidatos, senadores e deputados em mapas eleitorais forjados.

 

No entanto, cotações para futuras mudanças de partidos e criação de legendas de aluguel subiam há mais de dez mil pés a milhões de reais. Transações, negociatas e acordos obscuros também sobrevoavam o aeroporto da Republica Sobrenatural de Brasília. O valor das barganhas voava tão alto que escapava do radar dos controladores de vôo.  

 

Os céus congestionados e o solo totalmente enlameado tornavam o transito impraticável. Em pânico, pelas ruas de Brasília corriam xeleléus, deputados e burocratas dos primeiros escalões. Nomeações, verbas extra-orçamentárias e resíduos de campanhas saltavam desesperadas das gavetas, fugiam de gabinetes, driblavam discursos de campanha e se evadiam no sigilo bancário.

 

Cabos eleitorais, democratas da UDN e profissionais da redenção de si mesmos atiravam-se das janelas de altos prédios descrentes da própria salvação. A inundação era tão grande e o mau cheiro tão forte que pediam perdão dos seus pecados. Ante à iminência do juízo final, temiam  uma caça às bruxas, o prenuncio da revolução proletária, uma insurreição muçulmana ou, quiçá, um voluptuoso furação que estivesse varrendo a sujeira das ruas de Republica Sobrenatural de Brasilia.

 

Ministros e senadores vendiam suas mansões, recolhiam o pouco que tinham e se acudiam em seus jatinhos, monomotores e helicópteros para se refugiar em Miami ou em paraísos fiscais. Pediam socorro a sua confrade siciliana e ao capo paulistano, mais conhecido como Big Malluf da periferia. 

 

Lobistas disfarçavam-se de acompanhantes de parlamentares e sofregamente buscavam abrigo em casas de tolerância de primeira classe.

 

Promotores públicos e órgãos de investigação criminal, chamados a intervir, detectaram rastros de ratos extra-terrestres que baixaram no serrado e desde então agiam em celeiros do Planalto.

 

Por fim descobriram, que dois ratões, chamados Roeriz e Arroedor enquanto roíam uma passagem subterrânea para ter acesso novamente aos cofres públicos, passaram dos limites e romperam tubulações. Com a desfaçatez e a voracidade de verdadeiros ratões, disseram que estavam com fome, que habitualmente comiam cavalos de raça, alimentavam-se de times de futebol, mas desta feita passaram dos limites e roeram as paredes de um amplo  propinoduto.

 

Já tinham avançado bastante naquela empreitada. Tinham lhes assegurado que o túnel estava sendo bem pavimentado por construtoras de renome internacional e sustentado por lobistas de altíssimo gabarito.

 

Já tinham roído resistências da oposição, molhado a mão de fiscais, passado pela Câmara de Deputados, pelo Senado e pelo governo do Distrito Federal. Os ratões Roeriz e Arroedor, tão eficientes, já tinham sido premiados e agora disputavam a primeira colocação na maratona da ratanagem.

 

Os ratões perseverantes, não poupavam esforços, nem dispensavam a ação de abnegados colaboradores. Tampouco reclamavam do valor de propinas, tão devotados se mantinham à realização daquele gratificante propósito. Céleres, com os dentes afiados, abriam espaços para alianças, acordos, articulações e cooptações. Roíam irrefreavelmente, de forma tão incontida que não se deram que iriam roer a corda de seus  aliados.

 

E assim, após romperem as paredes do propinoduto, inundar o aeroporto de Brasília e enlamear o Planalto, os ratões caíram na ratoeira.

 

Menos de três horas depois, graças à pronta assistência da Bolsa Família e da Defesa Civil, os problemas de vazamentos de dossiês e excrementos supostamente estava sanado..

 

Em nome da concórdia, do pacto das elites e do consenso de oligarcas, as ratazanas foram imediatamente liberadas. Eram de boas famílias, bem apessoadas e não representavam perigo para a ordem pública.

 

Mas, Brasília ainda continuava inundada. Excrementos ainda jorravam das tubulações.

 

Para tranqüilizar a nação, os investidores externos e o Conselho de Segurança da ONU uma declaração do Chefe Supremo foi rapidamente redigida. De acordo com o porta-voz da Presidência da Republica, o problema causado por obra de inexperientes ratões da Republica Sobrenatural de Brasília, por volta da meia noite já havia sido prontamente solucionado.

 

O porta-voz esclareceu que o mau cheiro que recendia, já estava há muito tempo impregnado nos três poderes e seria brevemente aromatizado, graças a um projeto de desenvolvimento sustentável previamente licitado. 

 

Para serenar os ânimos, o porta-voz do Planalto assegurou que todos ministros, senadores, deputados, lobistas, investidores, especuladores e doutores seriam regiamente recompensados.

Para concluir informou que apesar do mal cheiro reinante,  gostaria de esclarecer que, por determinação da defesa sanitária e do camarada Lula, os dejetos foram testados e aprovados.

 

Para serenidade de todos, constatou-se que os excrementos que inundaram Brasília sempre estiveram limpos e devidamente higienizados.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 21/09/2010