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Artigo - A hora e a vez dos plantacions

Wagner Braga Batista

 

 

Depois que vazou a barragem em um de seus afluentes, o influente leito dos amigos dos primeiros escalões de FHC foi tomado pelas águas do caudaloso rio Salve-se quem puder.

 

Após o previsto desastre, a maré secou nas altas rodas financeiras.

 

O Salve-se quem puder fez água.

 

Alagou o celeiro da livre iniciativa, que mamava nas tetas do Estado, arrastou traíras e guabirus do remanso das vantagens competitivas e provocou grandes atoleiros nas universidades publicas vizinhas.

 

A torrente fluvial, provocada pelo Salve-se quem puder, estourou tubulações de redes publicas e assoreou o açude, onde pontificavam empreendedores natos, pesquisadores de bons negócios éticos e negociantes de negócios socialmente voltados para seus próprios interesses.

 

O leito do rio secou. Contudo, estes pontífices do negócio privado sentiram-se no dever moral de continuar pontificando em seu próprio negócio.

 

Como neófitos, tirados das águas e dos atoleiros do Salve-se quem puder, disseram-se devotos de camarada Lula, de Francisco Meirelles e de Palox, agora comprometidos com outro discurso, com outros negócios e com um inabalável  ímpeto: plantar projetos de alivio à pobreza em outras searas que não, exclusivamente, nas margens do Salve-se quem puder.

 

Beberiam de outras águas e de outras fontes financeiras, certamente tão fartas.

Junto com os campeões da redução à pobreza, com os heróis da luta contra  preconceitos, que afetam o desempenho dos manipulam verbas públicas, e com os incansáveis roçadistas de ventos que sopram apenas em gabinetes de agências financeiras, resolveram investir numa grande plantacion neotropical.

 

Este mirabolante agronegócio fora projetado para evitar questionamentos de estruturas e relações sociais. Projetava no êxito do desenvolvimento a paridade de todas demandas sociais. Transferia para o verde as promessas rubras não realizadas, que esmoreciam no leste europeu.

 

E assim, o desenvolvimento sustentável tornou-se palatável para os arautos da globalização financeira, para os próceres do latifúndio improdutivo e os donos da degradação ambiental. Porém, não só. Atraiu a simpatia de donas de casa, de estudantes, de pobres e excluidos, bem como de Nequinho Pinguça, que só reconhecia alguma cor quando caia em delirium tremens.

 

Ao invés do tradicional tudo azul, agora o sinal verde e o desenvolvimento sustentável sinalizariam o transito para o futuro questionável.

 

Graças a este malabarismo ideológico, o desenvolvimento sustentável disseminava-se em terras estéreis, na lavra de ouro, na contaminação por mercúrio, em áreas desertas, em industrias poluentes, em ambientes tórridos e em acético gabinetes, higienizados com desinfetantes não degradáveis, com perfumes asfixiantes e climatados por enormes aparelhos de ar condicionado que consomem contas de energia alternativa pagas a empresas privatizadas.

 

Então, o desenvolvimento sustentável batia as nossas portas.

 

Nos cofres do hemisfério norte e nos bolsos do hemisfério sul estava se constituindo como um show de oportunidades verdes, um circo de variedades para crianças, num espetáculo para entretenimento de pesquisadores e cientistas, para distração de intelectuais, bem como num auspiciosa mostra de negócios realizados por grandes corporações transnacionais.

 

Consentido por governos, fortemente comprometidos com o céu azul de brigadeiros, com especuladores éticos, com ONGs e a imprensa marron, com o Green Peace  e o greenwash, este show de variedades, deslocava-se do frio norte em direção aos trópicos.

 

Navegava rumo às águas tépidas, mansas e claras, para, enfim, aportar em território nativo.

 

Em todos os quadrantes do Brasil, nos pampas, nas fazendas marinhas, na mata atlântica, nas minas das alterosas, no cerrado, no agreste, no sertão e em imensas áreas devastadas da floresta amazônica, surgiam grandes extensões de shows de variedades verdes em nome do desenvolvimento sustentável.

 

Os shows de variedades verdes, veiculados pelos novos heróis do ecossistema, do indiscriminado consumo consciente e da desigualdade permitida, traziam à cena os guardiões da liberdade planetária.

 

Anunciavam em terras inóspitas e nos centros nervosos do sistema financeiro, uma nova cultura que ganhava vulto no cenário econômico.

 

Vinham embalados, certificados, honrados e juramentados por insignes membros de Conselhos Editoriais de Periódicos com índices indexados, por índices de Comitês de Sociedades Científicas, por Avaliadores Técnicos Científicos de índices de revistas de celebridades e futilidades Caras, devidamente remunerados e recompensados, cientificamente.

 

E assim o manual de desenvolvimento sustentável, anunciava seu novo instrumento de difusão: o plantacion.

 

Planta-se meio hectare de paradigma, seis sacos de palavras chaves, aduba-se com meio tonel de pressuposto vazios, cem gramas de enrolação metodológica e, subitamente, pés de desenvolvimento sustentável brotam em editais de instituição públicas, agencias de propaganda e de fomento à digressão científica, sendo recomendados por avaliadores indexados.

 

Sob os auspícios da indústria, igualmente verde, dos agiotas de diretrizes verdes de agencias multilaterais, dos donos dos carimbos verdes de aval de instituições públicas e empresas de especulações financeiras, bem como dos negociantes predatoriamente verdes, surgiam grandes plantacions.

 

No norte e nordeste, plantacions de prospecção mineral e degradação ambiental, no sul e sudeste grandes centros de plantacions de teses de autolegitimação de negócios verdes.

 

Na região centro oeste, surgiam inventivas engrenagens de valorização, panorâmicas vitrines para exposição de personalidades ictéricas e caudais de plantacions de transferências de águas e de recursos públicos para a idolatria dos heróis do verde, dos cuecões  do mensalão e das beneméritas ONGs do desenvolvimento sustentável.

 

Os plantacions alimentavam a devastação das políticas públicas, previamente acordadas com os neófitos do ultraliberalismo e os devotos de Francisco Meirelles e Palox..

O Brasil não poderia fugir a esta tendência global.

 

Aqui, como acolá, incentivava-se a oferta de cursos de plantacions, associados à distribuição de sementes e ao plantio de pés de desenvolvimento sustentável em terras improdutivas, em grandes corporações transnacionais, em instituições financeiras e em instituições de ensino ociosas e carentes de diretrizes politicas.

 

Agora todos estariam devidamente comprometidos com o plantacion e com plantio de pés de desenvolvimento sustentável.

 

E os pés de desenvolvimento sustentável, davam como Maria na horta.

 

Quando menos se esperava, novos pés de desenvolvimento sustentável, em perfeita simbiose com portentosos monumentos de concreto armado e enormes prédios vazios, brotavam nestas instituições de ensino superior estagnadas.

 

Os artífices deste notável investimento, apoiados pela lisura do Banco Mundial, de Paulo Salim Malluf e de Ricardo Teixeira, anunciavam a todos os ventos e pelos quatro cantos o sucesso deste empreendimento. Destacavam o entorpecimento crítico e a paralisia da razão.

 

Asseguravam que, num piscar de olhos e num passe de mágica, os pés de desenvolvimento sustentável dariam dinheiro em pencas. Não para todos, mas para os mais espertos.

 

Em seus ramos, floresceriam novas ideologias, a harmonia global, o fim dos abortos, a extinção da união e dos casais do mesmo sexo, bem como de seus galhos frondosos cairiam maracutaias a mil para satisfazer a voracidade de todos.

 

Alimentariam anos de conversa fiada, de rebaixamento das potencialidades da universidade pública e de perda da capacidade de reflexão.

 

Os plantacions e pés de desenvolvimento sustentável legitimariam a convergência de propósitos de neófitos do liberalismo verde com neoneófitos da social-democracia  cinzenta.

 

Celebraria os grandes negócios verdes e marrons guardados nas cuecas do mensalão, trazendo à luz um novo pacto social entre os negociantes do verde com os detentores da chancela do povo e comensais das sobras do banquete da nova classe.

 

Coroaria anos e anos de denodo e sofrimento no abocanhar do erário, agora publicizado e recompensado pelo sucesso do plantio de pés de desenvolvimento sustentável que substituíam pequenas hortaliças de reivindicações miúdas de movimentos sociais.

Agora a fraude seria transformada em polpudas contas bancárias, em arrojados gabinetes, em aerodinâmicos bureaux de investimentos, especulações, negócios e serviços privados de instituições públicas.

 

Assim, plantacions de desenvolvimento sustentável transformavam-se em máquinas de sugar cérebros de gente incauta e emagrecer eternos inimigos do verde, nós, os comedores de hortaliças.

 

Em linha inversa, restaurava a destinação ambígua, a ausência de coloração, as sombras e a falta de transparência.

 

Salutarmente, os pés de desenvolviam sustentável não floriam para todos. Engordavam, sem ingestão de calorias e excesso de glicose, apenas os portadores de três CPFs, filhos da aristocracia paulista, viajantes de contas em paraísos fiscais, portadores de DNAs clorofilados e detentores de paradoxais negócios marrons na lista do fisco.

 

Foi então, que ante o inexplicável silencio da elite pensante, as insurgentes minhocas do Açude Velho resolveram pensar e protestar contra os pés de desenvolvimento sustentável que assoreavam suas margens, envenenavam seu solo e toldavam a inteligência das universidades ao seu redor.

 

Em uníssono, aderiram à cor vermelha e se tornaram herbívoras, adeptas das miúdas  hortaliças dos movimentos sociais emergentes.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 20/12/2010