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Artigo - Não à Transamazônica: Todo apoio ao parquinho das nossas crianças da Creche Pré-Escola da UFCG

Wagner Braga Batista

 

 

Subitamente, manifestaram- se todas as peças do Museu do Super Árido e do Hiper Sertão. Sentiam-se beneficiadas, porém indignadas com o tratamento dispensado às crianças.

 

A ação em tela depunha contra o legado cultural de um museu da estatura do Super Árido e do Hiper Sertão.

 

O Mausoléu dos Negócios Verdes também não se furtou a um pronunciamento.

 

Até mesmo os pés de desenvolvimento sustentável hipotecaram irrestrita solidariedade às injuriadas crianças da creche da UFCG.

 

Não seria prudente desmantelar, em um minuto, uma conquista da comunidade universitária obtida há mais de três décadas. Tampouco, considerar justa a redução de uma unidade de ensino.

 

Isto porquê, moveriam terras e pavimentariam mais um corredor para o transito de negócios verdes, de lotes de terrenos áridos e de idiossincrasias inflacionadas.

 

Por quê?

 

Não se sabia.

 

Porém, em meio a participante efervescência do recesso, a Rádio Fuxico e a TV Buxixo logo tornaram públicos fatos obscuros.

 

Esclareceram que se visava à reedição do risorgimiento nacional sob os auspícios do finado coronel Andreaza.

 

Segundo disseram, tratava-se de uma grande e insuspeita empreitada.

 

A realização de um conjunto de obras faraônicas que mudaria o cenário de Campina Grande e a posição no ranking das universidades, ocupada pela UFCG.

 

Em primeira mão, informaram que ressuscitariam o Projeto do Brasil Grande.

 

Por meio de uma parceria, envolvendo negócios verdes e propósitos marrons, construiriam a primeira maior Campina Grande do mundo e, em paralelo, a maior universidade do planeta, depois da UFCG. Juntamente com a CBF, o finado coronel Andreaza, arquitetara dois novos mundos.

 

Inicialmente, demoliriam todos estádios de Campina Grande para edificar o Ricardão, uma grandiosa arena esportiva que atenderia todas exigências e vigarices da FIFA. Não só. Prestaria homenagem ao Presidente da CBF e aos desafetos de todos os cornos honorários de norte a sul do país.

 

Além desta obra de vulto , projetaram uma nova monumental ponte Rio-Niterói para transpor o Riacho das Piabas, sem nenhum alicerce ou pilar. Sobrevoaria o Açude Velho em direção à Puxinanã, apenas sustentada pelos ventos procedentes do litoral.

 

Este pacote oferecia mil outras pontes Rio-Niterói para facilitar o transporte de professores da universidade e das salas de aula para consultórios, escritórios, fundações privadas, projetos pessoais, empresas particulares e pontos comerciais adjacentes.

 

Por fim, estava prevista, também, uma nova versão da velha Transamazônica, a célebre estrada que não levava a lugar algum.

 

A nova via expressa, reproduziria o modelo da obra de impacto da ditadura militar. Cortaria de ponta a ponta o campus da UFCG em direção ao desconhecido.

 

No entanto, este ambicioso, híbrido e indefinido projeto não tinha o aval da comunidade universitária.

 

Passaria pela porta da Reitoria, instalaria heliportos sobre todas as salas de aulas, aparelhos de ar condicionado em ambientes públicos reservados, ofereceria bolsas de produtividade aos fiéis do absenteísmo, cortaria o número de comensais do RU, gratificaria moradores do abrigo universitário com meia dúzia de urinóis de ágata e cinco aparelhos odontológicos de uso coletivo.

 

Em sintonia com as perspectivas ambientalistas, recolheria os miquinhos de Dona Dalva para a reserva florestal do shopping Seringal Jungle, embalsamaria gatos, timbus, morcegos, fungos e urticárias da universidade que não se ajustavam aos novos tempos pós-modernos.

 

A Transamazonia implicaria na criação de um porto para balsas, destinadas ao escoamento de minérios, provenientes da região norte, às margens do Açude de Bodocongó.

 

Deste modo, as criancinhas da creche estavam sendo chamadas a contribuir com sua dose de sacrifício em nome deste mega-projeto de integração nacional, ambiental e sugacionista.

 

Neste diapasão, reeditaram um antigo lema, em louvor ao Novo Projeto de Brasil Grande:

Confinamento na creche: ame-o ou deixe-o.

 

Sem hesitar, revivendo os velhos tempos, sentenciou o finado coronel Mario Andreaza, gerente deste extravagante projeto.

Os descontentes que se mudem!

 

Advertiu que transferiria as criancinhas da creche da UFCG para o imenso shopping sustentável, Seringal Jungle, vicinal à Transamazônica. Teria celas com ar condicionado para lavagem cerebral, berços personalizados para crianças confinadas, aparelhos behavioristas de contar cílios, fios de cabelo, medir o tempo de permanência em lugares lacrados e cartas de crédito para compra de carrinhos de bebê aerodinâmicos, turbinados e com tração nas quatro rodas.

 

O Seringal Jungle, cercado de algarobas e caprinos, seria inaugurado na Backobamalandia, vizinha às aprazíveis e arrojadas instalações do Presídio do Serrotão Jungle.

 

Porém as crianças da creche não aceitaram esta mudança.

 

Queriam permanecer na creche, com mais recursos, melhor assistência e amplo apoio da administração da UFCG.

 

Protestaram contra o cerco à creche pelas tropas das elites, a tomada dos brinquedos pelos milicianos do Rio de Janeiro, a extradição dos miquinhos de Dona Dalva e a extinção do seu parquinho.

 

Argumentavam que, uma vez extinto, instituiriam pedágios, venderiam gás, bojões de água e mamadeiras por preços exorbitantes. Além  desta extorsão, os milicianos do Rio de Janeiro cobrariam das criancinhas da creche o direito de transitar pelos enormes estacionamentos e pela via expressa, pavimentada para os grandes negócios verdes.

 

Em pouco tempo, a convulsão da criançada alterou o harmonioso e fraterno ambiente da universidade.

 

Numa contra ofensiva estratégica, os homens do coronel Andreaza retiraram do baú a Assessoria Especial de Relações Públicas- AERP para acusar e denegrir as pobres criancinhas.

 

Intensa propaganda acusava as criancinhas da creche de sedição.

 

Com base nos arquivos do DOPS e da Folha de São Paulo, afirmava que as criancinhas se armavam com baldinhos, pazinhas, lacinhos de fita, bolas de soprar, bonecas, carrinhos de brinquedo e risos espontâneos para tomar de assalto a administração superior da UFCG. Depois investiriam contra a Prefeitura do campus, o Laboratório de Dr Zezé, as sesmarias dos donos da pobreza, as cantinas no entorno, o Cantinho Universitário e reproduziriam o putsh de 1935, para instalar o comunismo no nordeste do Brasil.

 

Cautelarmente, portanto, deveriam ser mantidas em confinamento preventivo nas celas com ar condicionado para lavagem cerebral, submetidas a doses cavalares de antídotos contra das bactérias contestatórias e à vacinação contra o vírus do esquerdismo. 

 

Esta medida, imperiosa e sensata, impediria a o esquerdismo, doença pueril do comunismo, e intentona infantil.

 

Por precaução, adotariam severas medidas de segurança.

 

Durante esta fase transitória, liberar-se-ia a censura e estariam permitidos atentados contra o pudor, os bons costumes e o regime de trabalho. Seriam coibidas menções indevidas aos pés de desenvolvimento sustentável e aos negócios verdes. Seriam reprimidos atos de insubordinação, folguedos, manifestações de alegria, sorrisos e brincadeiras infantis no campus de Campina Grande, até que o parquinho fosse definitivamente extinto e aberto caminho para a passagem da Transamazonia.

 

Os agentes do SNI alertaram que as crianças constituíam um sério risco para o establishment.

 

Havia crianças carnívoras, lenhadoras e refratárias às oportunidades oferecidas pelos negócios verdes. Crianças contestadoras e perguntadoras infiltradas na creche. Investiam contra os sábios poderes, contra conhecimentos doutos, contra a produtivismo docente e contra o empreededorismo de professores bem intencionados.

 

Ameaçavam a democracia com seu proselitismo gauche em prol de eleições paritárias. Influenciadas pela pregação de seus mestres, os rebentos se insurgiam por intermédio de brincadeiras aparentemente infantis. Seu solerte propósito era impedir que os arredores da creche fossem ocupados por estacionamentos de modernos automóveis de índole liberal, ardorosos defensores do desenfreado consumo consciente e, quiçá, do mundo livre.

 

Portanto, era precisar frear a escalada vermelha, que partia da creche em direção aos berçários de Campina Grande.

 

As sediciosas crianças e bebês da creche pretendiam transformar o parquinho numa reserva de terras para a reforma agrária. Pretendiam disseminar a alegria e os risos ingênuos para comprometer a austeridade acadêmica. Queriam competir com os feudos de terças feiras, com as sesmarias de donos da pobreza e os lotes de desenvolvimento sustentável.

 

Estava se invertendo a hierarquia da aristocracia togada e se instalando o caos na universidade.

 

Por isto seria oportuno auscultar e ceder às ponderações de prolíficas mineradoras transnacionais, da preservacionista Vale do Rio Doce e de outras empresas de prospecção vocacionadas ao eco-ambientalismo , violadas em suas ações perfeitamente  sustentáveis.

 

A pressão tornava-se insuportável.

 

Porém a administração superior da UFCG, as entidades de classe, os professores responsáveis, funcionários comprometidos e estudantes diligentes,  democraticamente, resolveram intervir e resistir em nome da autonomia da universidade.

 

Protestos e panfletos surgiam da calada da noite: Fora Transamazônica! Não queremos pontes Rio Niterói sobre o riacho das Piabas. Queremos manter o parquinho da Creche da UFCG!

 

Queremos impedir que se abra um novo corredor para o transporte de diamantes para Amesterdã e para a transferência de nossas crianças da creche para os containers do jungle shopping vizinho ao Presídio do Serrotão.

 

Todas as entidades de representação se uniram.

 

Sentindo-se contempladas com o significativo trabalho, realizado há 32 anos por professores, servidores, monitores e estagiários da creche, resolveram montar grandes barricadas para conter a expansão da Transamazônica.

 

Carregando a bandeira tricolor, o prefeito tricolor declarou seu compromisso com as crianças e reiterou sua fé no campeonissimo gramsciano de 2010.

 

Prontamente, o Magnífico Reitor da UFCG, demonstrando compreensão e generosidade, argüiu o finado Ministro Mario Andreazza. Não deixaria que a nova versão da Transamazônica interferisse  na dinâmica, no funcionamento e nas atividades da creche da UFCG.

 

Argumentou que a autonomia e a democracia da UFCG não poderiam ser feridas. E, em hipótese alguma, restringida a liberdade de pensar, de sorrir e de brincar das criancinhas da creche.

 

A creche, única unidade verdadeiramente paritária da instituição, não poderia se ver desfalcada de seus espaços, de risos de crianças, da alegria dos brinquedos e da correria dos parques à procura do verde da vegetação, cada vez mais ausente.

 

Então, milhares de professores e ex-alunos da creche, capitaneados por Helena Uema, migraram de todos os recantos da Paraíba e do Brasil. Vinham de vários municípios e estados do país para hipotecar irrestrito apoio à defesa da integridade da nossa creche.

 

As criticas e laboriosas minhocas herbívoras de Bodocongó, nossas heroínas do leste de Campina Grande, também se apresentaram neste front.

 

Convocadas para a seleção de futebol do Irã, declinaram do honroso convite para se integrar às fileiras dos defensores da creche.

 

Chamadas à defesa das crianças da creche, sem titubear, as minhocas herbívoras de Bodocongó, imediatamente retornaram à Campina Grande e ocuparam o terreno.

 

Desde já, resolutas, abriram trincheiras para interceder em prol desta causa humanitária e pueril: Todo apoio à manutenção do parquinho da creche da UFCG.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 29/12/2010