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Temporada de caça a cientistas

Estabilidade do País, desafio do pré-sal e formação de pesquisadores atraem investimentos em superlaboratórios de multinacionais

 

O Brasil foi escolhido sede da Copa e das Olimpíadas após acirrada batalha com outros países. Também saiu na frente em outra competição que, embora  menos badalada, deixará um legado até mais importante: a disputa para atrair superlaboratórios, centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que já mobilizam  os sistemas educacional e de ciência e tecnologia do País.

 

Aproximar-se das universidades, formadoras da mão de obra para pesquisa, tem sido o caminho natural para empresas que apostaram no País. Só em 2010 foram anunciados investimentos da ordem de R$ 500 milhões no Parque Tecnológico da UFRJ, no Rio. É lá que Petrobrás e ao menos seis multinacionais estão instalando ou ampliando laboratórios. No Rio e em São Paulo, gigantes como IBM e DuPont já puseram em operação centros de ponta. E a Vale está criando polos tecnológicos em três Estados.

 

Nesses centros vão trabalhar profissionais que antes tinham como opção fazer ciência fora do País, como Bruno Betoni, de 33 anos, único brasileiro no Centro de Pesquisas Global da General Electric, na Alemanha. “Será uma grande oportunidade em termos acadêmicos e de negócios.”

 

Para quem pretende trabalhar nos superlaboratórios, Betoni adverte que a pesquisa em empresas tem um ritmo diferente e é preciso se preparar desde o início da formação. “No dia a dia, uso coisas que aprendi na formação básica, que muitos têm por inútil. Meu ferramental vai do primeiro ano da graduação até o fim do doutorado.”

 

Analistas atribuem a vinda dos superlaboratórios ao cenário de estabilidade do Brasil. Outros atrativos são o início da exploração de petróleo no pré-sal e os sucessivos recordes na formação de pesquisadores.

 

O número de doutores diplomados cresceu de 554, em 1981, para cerca de 12 mil, no ano passado. “É pouco, mas, se você analisar esse dado em perspectiva, verá o tamanho do avanço”, diz o oficial de Ciência e Tecnologia da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão. “É um momento excelente, só que é preciso investir, elevando de 1% para 3% o porcentual do PIB aplicado em P&D.” Para ele, a vinda dos laboratórios mostra que a pesquisa no País atingiu reconhecimento “razoável”. “O problema é que ela não se traduz em patentes. O caminho mais curto para melhorar isso é colocar engenheiros e doutores nas empresas.”

 

O governo admite que a taxa de inovação nas empresas é “tímida”. “Um número inexpressivo de pesquisadores atua em empresas. Falta cultura de inovação  no ambiente empresarial e há pouca articulação das políticas industrial e de ciência e tecnologia, apesar dos esforços recentes”, diz Ronaldo Mota,  secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia.

 

Espaço. O pré-sal pode ajudar a mudar essa realidade, como mostra o câmpus da UFRJ na Ilha do Fundão, polo da corrida  tecnológica para exploração de petróleo em águas ultraprofundas. A procura por espaço foi tão grande nos últimos dois anos que só restam três terrenos  livres. Estima-se que serão gerados no local 4 mil empregos até 2014, quando os novos polos de pesquisa devem estar prontos.

 

A francesa Schlumberger foi a primeira múlti a inaugurar um centro no Fundão, em novembro. Também anunciaram investimentos lá as americanas FMC Technologies, Baker Hughes e Halliburton. A espanhola Repsol está construindo um laboratório para investigação em petróleo e gás. A GE vai erguer, no parque, seu quinto Centro de Pesquisas Global. Fará pesquisas sobre combustíveis fósseis, mas também energias renováveis, mineração, transporte ferroviário e aviação.

 

Segundo o diretor executivo do parque, Maurício Guedes, as empresas que querem se instalar no Fundão passam por uma avaliação da universidade. “É fundamental que elas estabeleçam cooperação com grupos de pesquisa da UFRJ”, explica. “Empresas não procuram só engenheiros e doutores, mas também estudantes para ser estagiários em grupos de pesquisa.”

 

Guedes acredita que a chegada das múltis vai beneficiar também os cursos da área de humanas. “A UFRJ não vai mudar seu perfil, focar mais nas ciências exatas, mas vai se fortalecer como um todo. Cursos como Música e Artes, por exemplo, poderão ser incentivados por meio de patrocínios.”

 

A Petrobrás é a grande responsável por tanto investimento na UFRJ. Desembolsou R$ 1,2 bilhão para aumentar de 180 mil para 300 mil metros quadrados o tamanho de seu polo tecnológico no Fundão. A nova estrutura do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes), inaugurada em outubro, tem cerca de 1.600 profissionais trabalhando na área de P&D e engenharia de projetos inovadores. O número de laboratórios passou de 137 para aproximadamente 200.

 

O gerente executivo do Cenpes, Carlos Tadeu Fraga, compara o momento atual da exploração petrolífera l com o que ocorreu nos anos 1980. Naquela década, marcada pelas bruscas elevações do preço do petróleo, o Brasil investiu para aumentar sua produção interna. “A maior parte das novas tecnologias, naqueles anos, foi desenvolvida no exterior. A diferença é que agora, com o pré-sal, é possível incentivar fornecedores a fazer isso no Brasil.”

 

Recrutamento. Uma das empresas que mais investirão no Fundão é a GE. As obras do centro devem acabar até fins de 2012, com  investimento inicial da ordem de US$ 100 milhões.

 

O laboratório deverá empregar 200 pesquisadores e engenheiros. Segundo o presidente da GE no Brasil, João Geraldo Ferreira, a múlti vai começar a contratar em maio e quer encerrar o ano com 70 cientistas em atividade nas estruturas já prontas. Para recrutá-los, planeja atuar em três frentes: atrair doutorandos antes mesmo que terminem os estudos, selecionar pesquisadores em universidades e órgãos públicos e até repatriar brasileiros.

 

Em abril, a GE abre um ciclo de palestras em 17 universidades. “Queremos nos aproximar das universidades e, a longo prazo, sugerir mudanças no currículo da  graduação para atender a demandas específicas do nosso centro”, diz João Geraldo.

 

O pré-sal é um dos temas de interesse da IBM, que dividiu seu laboratório entre Rio e São Paulo. A companhia definiu quatro áreas de pesquisa: recursos naturais, dispositivos inteligentes, sistemas humanos (que cuidará, entre outras coisas, de soluções para eventos como Copa e Olimpíada), e sistemas e serviços, cujo objetivo é melhorar a eficiência de todo tipo de serviço, do bancário ao de saúde.

 

Anunciado em meados do ano passado, o laboratório tem 20 pesquisadores, mas a empresa pretende chegar a 100. Para liderar as áreas, a IBM repatriou brasileiros de seus centros no exterior. É o caso do geólogo Ulisses Mello, de 52, cuja equipe já trabalha, por exemplo, com a prefeitura do Rio para melhorar a precisão geográfica da previsão do tempo. Hoje a resolução é de 18 quilômetros quadrados. A meta é baixar para 2 ou 3 km². Assim,  em vez de dizer genericamente que vai chover na zona sul, será possível especificar o bairro afetado e tomar medidas preventivas. “Talvez no futuro a gente  consiga desenvolver algoritmos usando radar, sensoriamento remoto, para prever com antecedência de 48 horas chuvas ou risco de deslizamento.”

 

O engenheiro Sergio Borger, de 45, é outro repatriado. Está animado com as possibilidades criadas por eventos como a Copa. “Queremos fazer  experimentos em estádios para ver como fornecer serviços de melhor qualidade.” Um dos focos é segurança. A IBM tem softwares que permitem identificar em  vídeo pessoas específicas no meio da torcida. “Mas não é só isso. O ingresso pode ser a informação biométrica do seu rosto, por exemplo: pessoal e  intransferível.”

 

Perfil. O matemático Claudio Pinhanez, de 47, que voltou ao Brasil em 2008 para ajudar a montar o centro da IBM, ficou  surpreso com a qualidade dos currículos recebidos, mas defende ajustes nos programas de doutorado. “O importante é trabalhar com universidade e governo para  formar doutores com perfil voltado para a indústria. Tem gente com essa característica que hoje não se sente atraída pelo doutorado, que diz: ‘Não quero dar  aula.’”

 

As parcerias com universidades pesaram na opção da americana DuPont por Paulínia (SP) como sede do seu Centro de Tecnologia e Inovação, inaugurado em 2009 – USP, Unicamp e Unesp estão num raio de 180 km do laboratório. Vinte pesquisadores trabalham no CTI. Eles buscam promover inovação e gerar patentes nas áreas de polímeros, blindagens e biotecnologia.

 

Natália Barros, de 26 anos, começou na empresa como estagiária, durante a graduação em Engenharia Química nas Faculdades Oswaldo Cruz. Foi estimulada  pela DuPont a entrar no mestrado – já iniciado, na Unicamp. “O tema da dissertação é ligado ao que faço aqui. Assim, agrego valor ao mestrado e contribuo com  a pesquisa da empresa”, afirma Natália, que desenvolve embalagens para alimentos. “O sonho de todo pesquisador é que sua ideia seja comprada por uma empresa  e aplicada.”

 

Aos 22 anos, o engenheiro químico Luiz Biazzi, recém-formado pela USP, já conseguiu realizar esse sonho. Está empolgado por ter seu nome no depósito da primeira patente desenvolvida integralmente no CTI – uma descoberta para o mercado sucroalcooleiro. “O trabalho na ciência é muito difícil. Há muita incerteza, pois você não sabe se vai der certo sua pesquisa”, diz.

 

Segunda maior empresa do Brasil, a Vale está criando centros de P&D para pensar como será a “mineração do futuro”. Vai instalar  laboratórios em Ouro Preto (MG), Belém (PA) e São José dos Campos (SP), cada um focado em uma área: mineração, desenvolvimento sustentável e energia,  respectivamente. Quer mudar o perfil de sua pesquisa, concentrada em atender a demandas imediatas das minas, como analisar o perfil do solo de um depósito de  minérios.

 

MIT. Quem está por trás da iniciativa é o ex-pró-reitor de Graduação da Unifesp, Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello, chamado em  2009 para dirigir o Instituto Tecnológico Vale. Para administrar as unidades, escolheu profissionais com doutorado no exterior. “A pesquisa a longo prazo  envolve risco muito maior e não é possível ser feita nas estruturas atuais da Vale”, diz Mello, que pretende montar cursos de pós nos novos centros, para qualificar a mão de obra da própria empresa. Enquanto não vem a aprovação da Capes, faz convênios com universidades do Brasil e do exterior, como o  Massachusetts Institute of Technology (MIT). “Sou ambicioso.”

 

Noutra frente, a Vale tem feito parcerias com as Fundações de Amparo à Pesquisa de São Paulo, Minas e Pará para apoiar projetos com bolsas. Um dos beneficiados é o aluno do doutorado em Engenharia Elétrica na Federal do Pará Marcos Seruffo, de 27, que investiga diferentes formas de comunicação de dados em ambientes industriais – ou seja, vai aplicar o que desenvolveu em laboratório no mundo real das minas de bauxita.

 

“Os resultados que obtenho são da Vale, pois ela é a fonte financiadora. Só podem ser utilizados com finalidade científica”, diz Marcos, que pretende perpetuar a parceria. “Ainda não sei o que vai acontecer depois do doutorado. Mas sei que farei parte de um pequeno contingente da população bastante assediado, tanto pela academia quanto pelas indústrias.”

 

(Estadão)


Data: 29/03/2011