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Artigo - Acesso à universidade e concepção de educação

Amauri Fragoso de Medeiros

Na semana que passou o professor Mário Araújo, escreveu um artigo intitulado “Acesso à educação superior” fazendo um bom diagnóstico e apontando algumas soluções para o acesso ao ensino superior no Brasil.

Concordo com o diagnóstico, no entanto, as soluções passam por uma concepção de educação e de universidade. Aqui farei uma exposição da posição defendida pelo ANDES desde sua criação.

Como um importante patrimônio social a universidade se caracteriza pela universalidade na produção e transmissão da experiência cultural e científica da sociedade, constituindo-se em uma instituição de interesse público, independentemente do regime jurídico a que se encontre submetida.

A dimensão publica da universidade se efetiva simultaneamente pela capacidade de representação social, cultural e científica. A condição básica para o desenvolvimento desta representatividade é sua capacidade de assegurar uma produção de conhecimento inovador e crítico, que respeite a diversidade e o pluralismo, contribuindo para a transformação da sociedade.

A Universidade Pública é uma das instâncias onde deve se dar de forma integrada, a formação profissional e a reflexão crítica sobre a sociedade, assim como a produção do conhecimento, o desenvolvimento e a democratização do saber crítico em todas as áreas da atividade humana. Suas funções básicas, o ensino, a pesquisa e a extensão, devem ser desenvolvidas de forma equilibrada, articulada e interdisciplinar. Deve estar atenta aos anseios e necessidades da maioria da população, contribuindo para a correção da injustiça social à qual a sociedade brasileira tem sido submetida. Deve ser autônoma em relação ao Estado e aos governos, pautando-se pela liberdade de pensamento e informação, sendo vedada qualquer forma de censura ou discriminação de natureza filosófica, religiosa, ideológica, política, étnica ou sexual.

Desta forma, deve ter como referência que a educação é um processo de formação social e profissional, a educação de nível médio e a de nível superior devem preparar para o mundo do trabalho. Assim faz-se necessário, em primeiro lugar, distinguir mundo do trabalho de mercado de trabalho. O trabalho, na perspectiva da análise crítica, é um processo pelo qual o ser humano se faz e imprime sua ação sobre a natureza e o meio social, transformando-os e transformando a si próprio.

Porém, não é essa a situação vivenciada nas sociedades organizadas sob o paradigma das trocas de mercado. Nelas, o trabalho perde o seu significado ontológico de produção e utilização como realização e fruição de utilidades para a vida e, alienado sob o signo da troca, transforma o ser humano ou, de modo mais preciso, a sua produtividade, a sua força de trabalho, também, em elemento de troca. O preparo para o mercado de trabalho requer liberar a força de trabalho para sustentar a relação capitalista de produção, regulada pela dinâmica concorrencial das trocas de mercado.

Diante da complexificação da base científica e tecnológica do trabalho, surgem propostas educativas que se baseiam, por um lado, na crescente especialização, pela formação de novas disciplinas para cada conjunto de conteúdos e técnicas e, por outro lado, no fortalecimento do caráter psicologizante dos currículos, com destaque para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos “supostamente favoráveis” ao ambiente de trabalho.

Ao contrário, a universidade compreendendo o trabalho como formação de ação transformadora da natureza e como definidor da vida social, deve ter o projeto pedagógico compromissado com a superação das relações sociais de dominação e exclusão.

Só conseguiremos isto através da formação politécnica que propiciará o resgate da relação entre conhecimento, produção e relações sociais, mediante a apropriação do saber científico-tecnológico pela perspectiva histórico-social que permita a participação do indivíduo na vida social, política e produtiva, como cidadão e trabalhador. Isso significa que ele estará em condições de dominar as diferentes modalidades de saberes requeridos pela atividade produtiva, com a compreensão do seu caráter e de sua essência.

O caminhar contra a dispersão ou fragmentação curricular e de saberes permite que a escola unitária e a formação politécnica busquem a superação de polaridades que historicamente têm-se manifestado em concepções educacionais, ou seja, permite superar as falsas oposições entre o conhecimento geral e o conhecimento específico, entre o conhecimento técnico e o político, entre o conhecimento humanista e o tecnológico, entre a teoria e a prática, uma vez que estas dimensões ocorrem isoladamente apenas no plano ideológico, pois são indissociáveis na totalidade das relações sociais.

Todas essas questões são importantes, contudo sua abordagem torna-se impossível, ou insuficiente, se não consideramos que a produção das tecnologias não é neutra. Como de resto a produção da ciência também não o é.

Amauri Fragoso de Medeiros é professor da UAF/CCT/UFCG


Data: 07/07/2011