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Cientistas defendem lei própria para regular atividade de pesquisa e inovação

Cientistas lutam há mais de um ano pela aprovação de um código que crie mecanismos para estimular a aproximação entre centros de pesquisa e empresas privadas na concepção de novos produtos e processos produtivos. Projeto de lei com esse objetivo foi proposto pelo meio acadêmico ao governo, que enviou o texto ao Congresso Nacional no ano passado.

 

"É hora de o Brasil - que já tem Código de Trânsito, Código Penal, Código Florestal - ter também um código para a ciência, tecnologia e inovação. Isso vai ajudar o País a acelerar o seu desenvolvimento científico e tecnológico", avalia o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges. Em sua opinião, o código, que tramita simultaneamente na Câmara dos Deputados e no Senado, pode permitir maior inserção internacional da ciência feita no Brasil e aprimorar a fiscalização dos órgãos de controle.

 

Além do desenvolvimento científico, há perspectivas de ganhos econômicos. O projeto de lei cria mecanismos para estimular a aproximação entre centros de pesquisa e empresas privadas, para que, juntos, promovam a inovação.

 

Entre esses mecanismos, está o compartilhamento, com empresas privadas, de laboratórios, equipamentos, instrumentos e materiais hoje disponíveis nas chamadas entidades de ciência, tecnologia e inovação (ECTI) públicas (como as universidades) e as unidades de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). De acordo com o projeto, as ECTI poderão ser remuneradas, bonificar os pesquisadores e celebrar contratos de transferência tecnológica.

 

O projeto de lei ainda autoriza a União, os estados, municípios e as agências de fomento a fazer "concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura" a ECTIs privadas com fins lucrativos. Empresas inovadoras poderão ser beneficiadas com subvenção econômica, financiamento, participação societária do Estado e encomendas para o desenvolvimento de tecnologia.

 

A flexibilização dos mecanismos de apoio e a parceria entre Estado e iniciativa privada são propostas bem vistas no meio empresarial e poderão ser decisivas para reverter a tendência de diminuição da importância econômica da atividade industrial. "A inovação é uma saída para a chamada desindustrialização", opina Célio Cabral, gerente de Inovação do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) - vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

 

Segundo ele, o País sofre processo prematuro de desindustrialização em função da invasão de produtos manufaturados importados a baixo custo, e a inovação pode reverter esse cenário, com redução de custo e diferenciação de produtos. "A inovação mostra-se como imperativo. Fazendo um paralelo, é como a qualidade total nas décadas de 1980 e 1990", pondera Cabral. "É preciso gestão de inovação nas empresas. Temos que tratar a inovação de forma sistêmica e perene para que não seja uma iniciativa isolada".

 

Ao tomar posse no mês passado, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, defendeu o novo marco legal para o setor. "É necessária uma estrutura legal que possibilite a interação público-privada. Precisamos também aperfeiçoar o marco legal e incrementar os mecanismos de incentivo à inovação para que mais empresas passem a realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento de modo crescente e contínuo".

 

A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, tem avaliação semelhante e considera o código importante para melhor inserção econômica do País. "Ou mudamos as leis ou fica inviável competir", apontou.

 

Lei das Licitações - O projeto também estabelece um regime diferenciado para a aquisição de bens e contratação de serviços. Pela proposta, as instituições de pesquisa não precisarão mais cumprir todas as diretrizes da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) e do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos (Lei nº 8.112/1990).

 

Conforme o texto, as aquisições e contratações de equipamentos e materiais para as entidades de ciência, tecnologia e inovação (ECTIs) públicas poderão fazer seleção simplificada de fornecedores (a partir de três orçamentos colhidos em prazo de até 15 dias) ou mesmo contratações diretas, quando o valor global não ultrapassar os R$ 30 mil.

 

A proposta também prevê que o pesquisador público sob regime de dedicação exclusiva poderá, "desde que sem prejuízo das atividades de ensino e pesquisa", exercer atividades remuneradas de pesquisa e inovação em ECTIs privadas.

 

Para Helena Nader, o código poderá "mudar alguns paradigmas" e flexibilizar as exigências legais que hoje chegam a inviabilizar atividades em laboratórios e centros de pesquisa, embora ela deixe claro que não gosta do termo flexibilização. "Flexibilizar dá uma conotação ruim, como fechar os olhos. Mas não é isso que queremos. Queremos ter o direito de exercer a função corretamente. Hoje está impossível", avalia.

 

Segundo Helena, auditores e fiscais de órgãos de controle costumam ter interpretações diferentes sobre a legislação de prestação de contas. "É preciso ter uma interpretação homogênea da lei", observa. Para a presidente da SBPC, isso atrapalha o andamento de estudos e projetos e traz insegurança jurídica aos pesquisadores.

 

Em parte, segundo os cientistas, a insegurança jurídica é causada pelas contradições das normas. "A Instrução Normativa 01/1993 impede que o servidor público faça alguma atividade fora da dedicação exclusiva dele. Por outro lado, a Lei de Inovação, de 2006, incentiva o pesquisador a promover a inovação fora da academia. Essas leis são contraditórias", reclama Mario Neto Borges.

 

Borges ressalta que "o arcabouço legal usado para ciência, tecnologia e inovação não foi desenvolvido para esta finalidade. É totalmente inadequado, está impedindo as atividades de CT&I [ciência, tecnologia e inovação] ou, no mínimo, dificultando que essas ações possam ocorrer na velocidade desejada."

 

O procurador Marinus Eduardo Marsico, integrante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), admite que "são justas" as alegações dos pesquisadores, porém lembra que a Lei de Licitações prevê a dispensa de exigibilidade. "Nem todas as atividades podem seguir todos os ritos", diz. Para Marsico, a discussão deve ser feita no âmbito da lei em vigor. De acordo com ele, a criação de regime diferenciado para cada atividade específica "pode ser um desastre para a administração pública".

 

(Agência Brasil)


Data: 23/02/2012