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Artigo - Por uma educação brasileira que possibilite discussões e conhecimentos sobre os povos indígenas e suas histórias de lutas e conquistas

Juciene Ricarte Apolinário

 

               

O Dia do Índio (19 de abril) criada no governo de Getúlio Vargas em 1943, deve ser percebido como um dia para reflexão sobre a necessidade dos espaços escolares e universitários de conhecerem os povos indígenas . Para os povos indígenas “todo dia é dia de índio”, no entanto, para a sociedade não-indígena é preciso um evento “comemorativo” para “lembrar” que o Brasil é constituído por uma diversidade étnica e não do chamado “índio genérico” ou melhor um protótipo de índio que foi mitificado nos espaços escolares e nos livros didáticos dentro da representação ultrapassada do “mito da democracia das três raças” (branco, índio e negro).

 

De acordo com os dados divulgados  pela FUNAI, vivem no Brasil, 817 mil indivíduos indíegnas, cerca de 0,4% da população brasileira, baseado no Censo de 2010. Eles estão distribuídos entre 688 Terras Indígenas e algumas áreas urbanas. Há também 82 referências de grupos indígenas não-contatados, das quais 32 foram confirmadas. Existem ainda grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. Portanto, não se pode continuar folclorizando a idéia do “índio” genérico, passadista, mas reafirmar que no Brasil convivemos com a presença de uma diversidade étnica indígena, representadas pelos seus diferentes povos, com as suas práticas culturais, organizações sociais e políticas. Além da riqueza dos diferentes grupos étnicos, existe a diversidade linguística com cerca de 180 línguas, pertencentes a mais de 30 famílias linguísticas diferentes estão presentes entre mais de 220 povos indígenas.

 

Não obstante, percebe-se que no ensino fundamental o “Dia do Índio” é um momento singular de foclorização dos homens e mulheres indígenas. Fala-se muitas vezes do “índio genérico” e folclorizado nos rostos de crianças pintadas de pigmentos coloridos. Cabeças ornadas com cocares representando as indumentárias do povo americano APACHE, alá filmes de Cowboy americano. Ou crianças com uma única pena feita de cartolina, com duas tranças sintéticas. Para o quadro mais folclórico ensinam as crianças a encenarem uma coreografia fazendo um som com as mãos batendo na boca ecoando cantos dos indígenas representados nos filmes de faroeste: uuuuuu.   Quanta riqueza sobre as práticas culturais dos povos indígenas no Brasil e, notadamente na Paraíba é negada as crianças. As suas musicalidades, rituais, mitos de origem entre outras. Fico pensando será que os nossos educadores do ensino fundamental tiveram acesso ao conhecimento sobre os povos indígenas nas suas diferentes formações universitárias: Pedagogia, História, Letras, Geografia, Matemática e tantas outras áreas que poderiam se abrir mais ao conhecimento intercultural indígena.

 

Mesmo que o ensino universitário, em grande medida, cartesiano, trabalhado nas formações de professores não dão visibilidade a diversidade indígena existente no Brasil, os povos indígenas vem construindo cada vez mais o seu lugar nas por políticas públicas educacionais, em que a educação escolar no país seja cada vez mais fincada no respeito à diversidade e as diferentes etnicidades.

 

A conquista dos povos indígenas no âmbito educacional vem, historicamente, se fortalecendo com as conquistas constitucionais de 1988, resultados das lutas do movimento indígena nacional, articulados com agentes sociais e/ou institucionais que se dispusera a somar forças ao longo da história do tempo presente. Conseguiram intervir no Sistema Educacional Brasileiro exigindo escolas bilíngues e a presença dos professores indígenas nas aldeias, forçando que as secretarias de educação em todo o Brasil procurem se adequar as suas reivindicações.

 

Apesar das várias conquistas, sabe-se que são muitos os desafios que os povos indígenas terão que enfrentar em nosso país. Lutas contínuas pelos seus direitos e contra toda e qualquer exclusão educacional construído, historicamente, em um país que se proclama inclusivo e democrático. Democracia e inclusão étnico-social e educacional só serão possíveis em uma nação, através da transformação dos sistemas de valores coletivos. Possíveis quando se utiliza uma das mais importantes formadoras de opinião de uma sociedade que é o ambiente escolar. A educação é um eficaz instrumento de transformação de mentalidades coletivas como defendia o grande educador Paulo Freire. Uma das conquistas dos povos indígenas, e de todos nós que trabalhamos conjuntamente com os grupos étnicos no Brasil, foi a promulgação da Lei 11.645 que acrescentou a obrigatoriedade do ensino da cultura e história indígena à Lei 10.639, de 2003, responsável por inserir a história afro-brasileira e africana nos currículos escolares.

 

Em 2010 tivemos um importante projeto aprovado no Edital Cultural da Petrobrás em que iremos desenvolver uma pesquisa histórico-documental, produzindo dois catálogos sobre documentos de História Indígena e escravidão negra no Brasil. Projeto nacional em que todos os estados brasileiros e suas universidades, arquivos e espaços de memória terão acesso aos catálogos com os resumos documentais e coleções de DVDs contendo as imagens dos documentos sobre a temática indígenas respeitantes as antigas capitanias brasileiras até o início do século XIX. Vários pesquisadores e mais de 12 alunos graduandos e graduados em história estarão este ano iniciando os trabalhos, efetivamente, entre eles alunos Potiguara da licenciatura intercultural indígena que serão convidados a participarem do Projeto.

 

A intenção é fazer com que as questões indígenas e afro-brasileiras sejam abordadas em disciplinas como Educação Artística, Literatura e, claro, História do Brasil. No entanto, reafirmo que a grande dificuldade de implementação desta Lei a Lei 11.645  está por conta da sua inclusão também nas estruturas curriculares dos cursos universitários de formação de professores. Como é o caso do próprio curso de história em que muitas vezes travamos lutas entre pares para reafirmar a importância da temática indígena em nossos projetos curriculares e pedagógicos. Como alunos das licenciaturas poderão trabalhar, conscientemente, a temática indígena sem foclorizar, se muitas vezes se deparam com uma formação em que a História é vista, meramente, pelo prisma da linearidade. As histórias indígenas que estão fincadas em perspectivas êmicas, na tradição oral, não são muitas vezes conhecidas  e nem reconhecidas por muito dos formadores de professores que vão para o cotidiano da sala-de-aula em todo o Brasil e, mais especificamente, na Paraíba.

 

Falando sobre a presença indígena na Paraíba, não podemos deixar de destacar o povo Potiguara e a sua história de luta e resistência que tiveram que travar desde o processo de conquistas de suas terras pelos europeus a partir do  século XVI, até os dias atuais. A população Potiguara está em torno de 15.000 pessoas, sendo uma das maiores do Brasil. São 32 aldeias. Existe a presença Potiguara nas áreas urbanas dos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Além dos indivíduos Potiguara que tiveram que migrar para outras cidades paraibanas e outros estados do Brasil como o Rio de Janeiro.

 

A Universidade Federal de Campina Grande tem um papel extremamente importante no que diz respeito à educação superior indígena na Paraíba, pois abriu as suas portas e os seus muros na busca pela valorização da educação intercultural, voltado ao povo Potiguara. No ano de 2005, mobilizou alguns dos seus professores das Ciências Humanas e Sociais, a partir das iniciativas e empenho da Organização dos Professores Indígenas Potiguara (OPIP). A universidade participou do Edital do Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas – PROLIND. Analisado por um Comitê Técnico constituído por especialistas, o Plano de Trabalho foi aprovado em outubro de 2005. No dia, 1º de setembro de 2009 a UFCG publicou os nomes dos 48 professores indígenas Potiguara  aprovados no vestibular realizado especificamente para selecionar alunos indígenas, na sua maioria professores que já atuam no ensino fundamental. A coordenação do PROLIND na UFCG ficou a cargo da antropóloga, Mércia Rejane Batista, professora que vem desempenhando um trabalho com competencia, doação e interlocução entre as demandas dos alunos Potiguara e dos profesores que atuam no PROLIND.

 

Me incluo neste Projeto de Licenciatura Intercultural, enquanto uma educadora  privilegiada, já que tive e ainda tenho a grata oportunidade de ensinar e aprender, em uma perspectiva interétnica, com os meus alunos e alunas Potiguara que são parte da  história de luta e resistência dos povos indígenas no Estado da  Paraíba.

 

 

* Professora Dra. do Curso de História e da Licenciatura Intercultural Indígena (PROLIND-UFCG) e coordenadora do Mestrado em História da UFCG.

 


Data: 19/04/2012