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STF aprova sistema de cotas para negros nas universidades

Após dois dias de votação, ministros do Supremo validam por unanimidade o sistema que destina vagas da Universidade de Brasília para negros e pardos. Modelo servirá de parâmetro para outras instituições educacionais.

 

Por dez votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que as cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB) são legais. O sistema, que reserva 20% das vagas de cada vestibular para negros e pardos, havia sido questionado pelo partido Democratas (DEM), que alegou violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade. Os ministros, porém, não se convenceram com os argumentos da legenda e definiram, por unanimidade, em sessão plenária concluída ontem (26), que a política de cotas da UnB é constitucional.

 

O entendimento servirá de parâmetro para todas as universidades públicas brasileiras, que, a partir da decisão do STF, ficarão autorizadas a adotar o modelo da UnB, caso queiram, ou a manter os sistemas próprios dos quais já dispõem. Atualmente, segundo dados da ONG Educafro, 129 instituições públicas brasileiras têm algum tipo de ação afirmativa para a seleção de candidatos, sendo que 57 delas são federais.

 

Em plenário, prevaleceu o voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Relator do processo que começou a ser julgado na quarta-feira, ele ressaltou a importância de iniciativas voltadas para a redução da desigualdade no País. Ele defende que as cotas da UnB sirvam de modelo para o Brasil, vigorando por um tempo determinado enquanto a desigualdade perdurar. Após ter sido interrompido, com o placar de um a zero, o julgamento foi retomado ontem.

 

Primeiro a votar, Luiz Fux ressaltou que o Brasil precisa reparar "danos pretéritos" que se originaram no Brasil quando os negros foram feitos de escravos. Para o ministro, não fere a Constituição o fato de a raça ser considerada critério para o acesso a uma universidade. Todos os ministros ressaltaram a importância das ações afirmativas como instrumentos de mecanismos compensatórios. Rosa Weber citou números que mostram que os negros ainda estão em situação desigual no País. Segundo a ministra, 75% da camada mais pobre da população brasileira é composta por pretos e pardos. "Isso quer dizer que dentre aqueles que têm menos oportunidade a imensa maioria é de negros", frisou.

 

Único negro entre os integrantes do Supremo, Joaquim Barbosa fez um dos votos mais resumidos. Em dez minutos, ele comentou que os afrodescendentes ainda sofrem com a discriminação. "Essas medidas combatem não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem", afirmou. O ministro também observou que nenhum país na história se tornou potência mantendo políticas excludentes.

 

Marco Aurélio Mello foi além ao alertar que não basta não discriminar. É preciso, segundo ele, viabilizar as mesmas oportunidades. Celso de Mello, por sua vez, avalia que uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática. O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, citou que a Constituição em seu "preâmbulo é um sonoro não ao preconceito". Cezar Peluso também votou pela validade das cotas raciais. Mesmo diante da desavença ocorrida na semana passada, quando Barbosa deu a entender que Peluso era racista. Ele não fez qualquer referência ao ocorrido e destacou a importância das políticas afirmativas.

 

O último voto do julgamento, proferido pelo ministro Ayres Britto, foi bastante comemorado por representantes de movimentos afrodescendentes. Batendo palmas, eles interromperam Britto, que precisou esperar alguns segundos, antes de proclamar o resultado.

 

O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento. Ele se declarou impedido por ter atuado no caso quando exercia o cargo de advogado-geral da União.

 

Critérios

 

Embora tenha votado a favor da manutenção do modelo das cotas, Gilmar Mendes fez críticas ao sistema da UnB e ao que ele chama de "tribunal racial", que é a comissão destinada a avaliar se o candidato é ou não negro ou pardo. "O tribunal racial está longe de ser infalível. Esse sistema opera com quase nenhuma transparência", criticou. O ministro citou o episódio ocorrido em 2007, quando a UnB autorizou Alan Teixeira da Cunha a disputar o vestibular pelo sistema de cotas, mas barrou Alex, seu irmão gêmeo univitelino. "Sabemos que há todo um esforço no sentido de expansão, mas continuamos com um modelo restrito."

 

Duas ações ainda na pauta

 

O STF deve julgar, na próxima semana, duas ações que tratam da reserva de cotas. Uma refere-se ao critério do Programa Universidade para Todos (ProUni), que destina bolsas em universidades particulares para negros, índios e egressos de escolas públicas. O outro definirá a legalidade das cotas sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que reserva vagas para alunos da rede pública.

 

A tendência é que os ministros se manifestem pela legalidade de todos os sistemas de cotas. O ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo julgado ontem, avisou que a decisão também abrange a reserva que a UnB faz de 10 vagas semestrais para índios sem a necessidade de vestibular. "Uma das contestações que se fazia ao modelo da UnB era também a reserva de vagas para indígenas de todo o Brasil. Então nós confirmamos a constitucionalidade não apenas da reserva de vagas para os negros, mas também para os indígenas", disse Lewandowski.

 

Mais de três mil alunos ingressaram pelas cotas na UnB desde 2004, quando o sistema foi adotado. "Esse julgamento coloca em debate os conceitos que caracterizam o projeto emancipatório da UnB e a universidade entrará para a história, mais uma vez, por uma postura inovadora", afirmou o reitor José Geraldo de Sousa Júnior.

 

(Correio Braziliense)


Data: 27/04/2012