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Artigo - Construções de pontes entre o saber científico e o saber revelado

Hiran de Melo 

 

A minha infância transcorreu num ambiente religioso e impregnado de intenso mistério. Quando a noite chegava, todos iam dormir cedo; mas, não antes de se ouvir estanhas narrativas populares do Nordeste brasileiro, contadas pelos mais velhos, que davam tanto medo que era impossível não rezar antes de fechar os olhos e esperar um sonho tranquilo sob a vigilância do Pai Nosso, da Nossa Senhora e do Anjo da Guarda.

 

Na medida em que fui subindo nos degraus da escola, aquelas histórias iam sendo esquecidas; a religiosidade diminuindo e a necessidade de rezar se extinguindo. Até que um dia, “cheio de mim mesmo”, declarei que só tinha valor o conhecimento científico. Aquele conhecimento derivado da percepção sensível ou da intuição intelectual. Conhecimento que se reveste das leis naturais, que, de fato, nada mais são que descrições aproximadas do comportamento da natureza.

 

Já não tinha audição para a fala dos sacerdotes e lia os textos sagrados procurando resquícios de racionalidade. Normalmente concluía que eles não possuíam fundamentos científicos. Tão cheio eu estava de mim mesmo que não havia mais lugar para Deus. Este passou a ser nada mais do que algo vago e transcendental, do qual nada se podia dizer, a não ser o que Ele não era. “Não era mortal, não era criado, não era...”

 

Muito mais tarde, quando minha amiga e companheira Zoraide, meu anjo encarnado, não suportou um aneurisma cerebral e se foi, fiquei quase que vazio do conhecimento científico, que naquele instante não teve nenhum valor para impedir a sua partida. Este espaço aberto pelo esvaziamento do valor do conhecimento científico tornou-se disponível para aquilo que poderia preenchê-lo com luz e vida. Então, voltei-me para o Pai Nosso, para a Nossa Senhora e para o Anjo da Guarda da minha infância. E eles me socorreram como se nunca de perto de mim estivessem saído.

 

Fui compreendendo o que os profetas chamavam de vida adúltera, que nada mais é do que tomar a ciência como um ídolo e, assim, viver no pecado. Por outro lado, o pecado chama o Salvador, de modo que desta experiência da falta, nasceu o chamado. Nasceu o desejo de ser para a vida. Todavia, não foi suficiente para uma conversão completa, uma vez que eu não estava, ainda, completamente vazio. Além disso, a minha existência continuava atrelada a um número enorme de compromissos materiais e profanos.

 

Já se passaram vinte anos de luzes e trevas, de muitos desertos e alguns oásis. Volto-me mais uma vez para os textos sagrados, agora com a ajuda de novos amigos e de novos orientadores espirituais, e em particular com o auxilio do padre Leloup, em busca de desenvolver um novo olhar e uma nova escuta.

 

Hoje, cada vez mais, considero de grande valia e de extrema importância o alerta do mestre Eckhart: - ‘Se tu te fazes ausência do Ser, Deus não pode se impedir de vir a ti. Se tu sais, Deus entra’.

 

Mestre Leloup explica que se trata de sair da ilusão na qual nós estamos - aquela de nos tomar por alguma coisa, um objeto durável. Saído da ilusão e da “crença científica” em um “não sei o quê” de permanente. O Bem pode vim a nós; e, então, teremos ouvidos para ouvir como ouvia Miryam de Mágdala, entendendo que “o Bem é a manifestação da grande Tríade: a Verdade, a Bondade e a Beleza”.

 

Miryam no seu livro O Evangelho de Maria, nos adverte que o Logos vem a nós para saímos desta ignorância provocada pela árvore do conhecimento. Ele é a face do Bem: - “Eis porque o Bem veio entre vós; Ele participou dos elementos da vossa natureza, a encarnação no Rabbi Ieschua, a fim de reuni-la as suas raízes”. Possivelmente, este participar e esta reunião, resultam em nos colocar em ressonância com o “Ser incriado” do qual nós saímos.

 

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 14/06/2012