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Artigo - Balanço da greve nas Instituições Federais de Ensino: um marco na história do movimento docente brasileiro

Luciano Mendonça de Lima

 

 

Artes, as não rentáveis.

(Bertolt Brecht, 1898-1956)

 

 

Há greves que começam e terminam sem que a sociedade se dê conta de sua existência. Vários são os fatores que podem explicam tais fenômenos, alguns internos outros externos ao movimento. Este certamente não foi o caso da greve recém-encerrada dos professores das Instituições Federais de Ensino Superior do Brasil, um marco na história do movimento docente e da classe trabalhadora brasileira como um todo, isso pelo que conseguiu criar em termos de fatos políticos e culturais.

 

Na raiz da greve se encontram as políticas neoliberais para o ensino superior formuladas por organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, e postas em prática por governos e grupos locais beneficiários e subservientes a um projeto de dominação mercantil em escala planetária.

 

Esse pano de fundo foi agravado pelo desordenado processo de expansão das IFES com a implantação do REUNI em 2007. Esse quadro mais amplo de uma universidade de resultados tem se refletido no cotidiano das instituições através da precarização das condições de trabalho, na desconstrução da carreira docente, no arrocho salarial e na mercantilização do saber/fazer acadêmico. O impacto negativo causado por essa realidade entre os professores não se fez esperar, gerando insatisfações disseminadas e cada vez mais crescentes.

 

Contudo, a indignação moral dos docentes precisava se transformar em ação política organização. É nesse contexto que se destaca o papel mediador e impulsionador do ANDES-SN, que desde pelo menos 2010 vinha buscando reconstruir o movimento docente em função do impacto organizativo adverso da era Lula no seio do movimento docente, o que significava transformar novamente a categoria em protagonista na luta por seus direitos. Nesse sentido, o que começou como um processo de rejeição de uma proposta de Projeto de Lei que desestruturava ainda mais a carreira docente e as condições de trabalho em vigor, se transformou em momento de aprendizagem política nos diversos espaços de discussão e deliberação coletiva do sindicato nacional e suas associações de base, materializado em assembléias gerais da categoria por local de trabalho, encontros do setor das federais, seminários etc. Todo esse rico processo culminou na realização do último congresso docente, realizado na cidade de Manaus em janeiro de 2012, quando foi aprovada a nossa pauta de reivindicação, sintetizada em dois pontos: reestruturação da carreira docente e melhores condições de trabalho.

 

A conjuntura que cercou o início do primeiro semestre do ano em curso acabou se transformando no elemento que faltava para impulsionar a greve.  De um lado o malogro resultante da “mesa de negociação” em torno da proposta de carreira, cujos prazos limites para apresentação de resultados concretos o próprio governo descumpriu por mais de uma vez. Por outro lado, o contexto coincidiu com o agravamento da conjuntura econômica internacional e a existência de fissuras políticas, expondo as contradições de um governo aparentemente imune a crises.

 

A deflagração da greve foi precedida de uma concorrida rodada nacional de assembleias de base realizadas Brasil afora, de norte a sul, de leste a oeste. De forma coletiva e democrática professores de 33 universidades federais iniciaram o movimento paredista no dia 17 de maio de 2012. A reação inicial do governo frente ao movimento foi de desdém. Seu principal porta-voz da área, o ministro da educação Aluízio Mercadante, declarou em rede nacional que a greve era inoportuna, pois os docentes não tinham razão alguma para fazer greve. Em vez de conter o movimento, a atitude do ministro só fez acirrar ainda mais os brios dos docentes, contribuindo para que com o tempo novas universidades engrossassem as fileiras do movimento. Com a consolidação e expansão da greve, o governo federal mudou de tática, combinando a intimidação inicial com a estratégia do divisionismo. Para isso lançou mão do “serviço sujo” prestado pelo PROIFES (entidade pelega incubada pelo governo Lula no seio do movimento docente em 2005), buscando minar a greve por dentro. Mais uma vez o tiro saiu pela “culatra”, na medida em que esse fato contribuiu para que as bases das poucas entidades controladas pelo PROIFES passassem por cima de suas diretorias e também decretassem greve. Nesse Ínterim, a greve atingiu a 57 das 59 IFES brasileiras.

 

O que inicialmente começou como um movimento de professores de instituições de ensino superior se transformou em uma greve do setor da educação federal como um todo, já que nesse meio tempo professores e técnico- administrativos dos institutos federais e das IFES deflagraram suas respectivas greves. Convém destacar que a conjuntura da greve serviu para recolocar o movimento estudantil independente na cena nacional, com destacada atuação nas diversas atividades unificadas da greve.

 

Diante da amplitude e da força demonstrada pelo movimento o governo foi obrigado a reconhecer a greve e ensaiar um processo de negociação, à sua maneira. Inicialmente se viu obrigado a sentar com categorias em greve, algo que antes da deflagração do movimento paredista dos docentes o governo Dilma sequer admitia. Em um segundo momento, convocou as lideranças do movimento para apresentar uma contraproposta. Essa proposta (na verdade um arremedo de reposição parcial das perdas salariais da categoria verificadas ao longo do tempo, com o agravante de vigência para o futuro, ou seja, 2013 a 2015), nem de longe tocava nos aspectos essências da nossa pauta de reivindicação. Para o movimento estava evidente desde o começo que salário era uma consequência natural da reestruturação de um projeto de carreira coerente com as características e peculiaridades do trabalho docente.  Por isso mesmo a proposta governamental foi rechaçada unanimemente pela categoria em todas as assembleias realizadas. Diante deste quadro, o governo ainda encenou um último ato, requentando a proposta e apresentando-a novamente alguns dias depois. Pela segunda vez, depois de mais rodada nacional de assembleias, os professores rejeitaram unanimemente a proposta. Como não conseguiu dobrar o movimento grevista, o governo encenou uma farsa, assinando um acordo com o PROIFES e dando por encerradas as negociações, ato esse uma vez mais denunciado pelo nosso legítimo representante, o CNG-ANDES.

 

No rastro da greve dos trabalhadores da educação federal, diversas categorias de servidores públicos também paralisaram suas atividades em âmbito nacional. Além das táticas até então utilizadas para fazer frente a uma inédita greve geral no serviço público, o governo Dilma lançou mão de mecanismos típicos do capitalismo em momentos de conflito social agudo, ao agenciar forças da polícia e do exército. Essas, para variar, deram mais um deplorável espetáculo de truculência contra manifestações absolutamente pacíficas de grevistas em diversas partes do Brasil. Como se não bastasse, ainda infiltrou agentes dos órgãos de inteligência (a exemplo da ABIN, antigo SNI de sinistra memória) no seio do movimento e organizações grevistas.

 

Tudo isso poderia passar despercebido não fosse o caso de lembrarmos aqui que o atual governo é dirigido por uma presidenta que sofreu no corpo e na alma os horrores da ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Nesse sentido, o episódio serve para demostrar em toda sua crueza em que se transformou o PT e as forças políticas que chegaram ao poder em 2002: de aliado dos trabalhadores em um passado recente a intransigentes defensores do status quo burguês.

 

Quando a greve caminhava para o mês de agosto o governo procurou isolar o movimento da sociedade, ao propagandear junto a grande mídia a ideia de que o dia 31-08-12 era a data limite para viabilizar qualquer acordo com os grevistas, em função dos prazos para elaboração e envio da peça orçamentária ao congresso nacional. Embora isso não fosse de todo verdade, como também o argumento de que não tinha recursos financeiros suficientes para atender as demandas dos grevistas, esse episódio acabou tendo efeitos políticos na conjuntura da greve.

 

A greve dos professores conseguiu ultrapassar a fatídica data imposta pelo governo, desmascarando mais uma de suas muitas falácias propagandeadas ao longo do tempo. Nesse contexto, a luta se intensificou em torno da bandeira da reabertura de negociações junto ao executivo. Para isso o movimento priorizou alguns itens da pauta, demonstrando mais uma vez capacidade de negociação, o que infelizmente não foi suficiente para dobrar a intransigência do governo e seus aliados. Diante de uma correlação de forças que não mais lhe favorecia pelas circunstâncias dos fatos, o movimento foi obrigado a operar um recuo tático, propondo a suspensão unificada da greve em 17 de setembro de 2012.

 

Mesmo que não tenha conseguindo avançar objetivamente na pauta de reivindicação básica, pois a proposta de Projeto de Lei do governo chancelado pelo PROIFES implica inclusive em alguns retrocessos em relação a carreira e condições de trabalho, a greve dos docentes implicou em um grande aprendizado político para a categoria. Esse capital político se transformou no maior ganho ao longo desses quatro meses de greve, elemento fundamental para a luta permanente em torno de melhores condições de vida e de trabalho e, principalmente, na defesa da universidade pública de qualidade como um patrimônio da sociedade brasileira.

 

Luciano Mendonça de Lima é professor da UAHis-CH-UFCG e fez parte do CLG-ADUFCG


Data: 24/09/2012