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Artigo - As instituições políticas e o elefante do circo

Wagner Braga Batista

 

Certa vez, no desfecho de greve de professores, um colega traçou imagem bastante sugestiva do processo de negociações.

Disse que se assemelhava aos passos do elefante que anunciava a chegada do circo.

Lento, o paquiderme evolue pelas ruas, anunciando um circo que não queria viabilizar. O elefante, em meio ao alvoroço da garotada, certamente era um daqueles que não queria ver a lona do circo armada.

Esta lógica se reproduz no funcionamento de algumas de instituições políticas e públicas. Muitas vezes colocam muitas vezes em posições antagonicas usuários e seus servidores. Uns clamando por presteza, outros valendo-se da morosidade, do descompromisso, da indiferença para dificultar o atendimento público.

As instituições sociais são dinâmicas, consubstanciam processos históricos e culturais. Assimilam transformações operadas em sociedades diversificadas e complexas.

Instituições de sociedades tradicionais, sedimentadas em valores culturais provenientes de mitos e de crenças são menos suscetíveis a mudanças. Cristalizadas, tendem a reproduzir mecanismos seculares de autopreservação. Sociedades modernas estão sujeitas a forças motrizes centrífugas que diversificam motivações sociais, criam artificiosamente novas demandas e impõem a necessidade de transformações em  esferas da vida pública. Assim são as chamadas sociedades contemporâneas ocidentais.

As instituições sociais modernas reproduzem a lógica e a dinâmica do sistema sócioeconomico, da economia de mercado, que se tornou dominante no mundo ocidental.

Em nome da eficiência admistrativa e  da rentabilidade economica instituiram valores, métodos, rotinas, normas de funcionamento, estamentos funcionais e hierarquias que assegurassem a consecução deste processo.

Porquanto, algumas práticas democráticas prevaleçam em instituições públicas, na esfera privada, a representação e a participação de seus servidores nas decisões afetas ao funcionamento de empresas são pouco comuns.

Max Weber examinou estas instituições, a racionalidade administrativa requerida pelo capitalismo e o papel exercido pelos estamentos burocráticos.  Apontou a crescente participação da burocracia no aparelho de Estado, em instituições públicas e pricvadas. Examinando o desempenho da burocracia alemã na década de 1910, observa que esta categoria social tave ascendência e adquiriu legitimidade por meio de normas compreensiveis, de metodos de organização e de racionalidade administrativa que conferiam racionalidade às atividades sob sua intervenção..

Sugeriu que a busca da eficiência, a impessoalidade, a distinção entre a esfera pública e privada, a legalidade, a formalidade, a transparência, entre outros atributos confeririam importância ao trabalho burocrático e legitimidade à burocracia. Em sua análise ganham relevo as noções de sistema eficiente e de dominação legítima, ou seja, a ascendência por mérito e a presunção da legitimidade do poder exercido pela hierarquia burocrática. Poder assentado em normas precedentes que têm como escopo resguardar a eficiência e a lisura de processos administrativos.

Weber examina o papel da burocracia na vigência de regime de transição republicano na Alemanha, no qual a democracia, seguramente, não era valor preponderante.

Sua análise não incide sobre a relação entre burocracia e democracia, primando pelo exame da eficiência administrativa. 

Convém ressaltar que este propósito não se consuma de forma mecanica e incondicional.

A contextualização histórica permitir-nos-á  apontar desempenhos controversos da burocracia.

Sujeita a diferentes motivações e variáveis de desempenho, a atuação da burocracia é passível de distorções. Sob este viés, podemos argumentar que, em instituições públicas, a busca de compatibilidade entre meios e fins com o objetivo de  viabilizar a eficiência administrativa nem sempre se desdobra em prol do benefício público. 

Na atual conjuntura, evidencia-se o crescente descompasso entre o previsto no estatuto da burocracia, alojada nos poderes públicos, e os resulltados de suas ações.  Avulta  a racionalidade instrumental de alguns estamentos burocráticos. Aplicada à administração de instituições públicas provoca desgaste e prejuízo de sua função social. Portanto, a atuação da burocracia não prima necessariamente pela eficiencia, pela legitimidade e pela racionalidade administrativa. Muitas vezes desdobra-se em efeitos controversos.

A burocracia tende a se converter num corpo autonomo enquistado no aparelho de Estado. Em muitos casos, graças a mecanismos, rotinas e expedientes artificiosos desprende-se de compromissos públicos. Ao invés de prestar serviço público, converte-se em fonte de dividendos privados obtidos de diferentes modos.

A burocracia em sentido amplo, não se reduz aos diversos estratos do funcionálismo público que atuam deste modo. Abrange escalões superiores dos poderes públicos que se valem de diferentes artificos, cristalizam poder de decisão e de execução de ações efetuadas em nome do Estado. Beneficiam-se do aparato estatal para viabilizar interesses restritos, avessos à função pública e à destinação social de suas políticas públicas.

Diversamente do que sugeriu Weber, a burocracia em algumas sociedades contemporâneas, comporta-se como corpo estranho. Atua como se fosse organismo vivo, autonomo e dotado de motivações que orientam seus procedimentos para a realização de objetivos próprios.

Esta conduta da burocracia, em maior escala, é análoga a de altos escalões do governo e de parlamentares no poder legislativo. Sob esta ótica pode se estabelecer homologia entre a crescente autonomia, disfuncionalidade e distorções da burocracia atuantes em instituições públicas e práticas de integrantes do poder executivo e legislativo, que se desprendem de normas e rituais democráticos, para atuar em causa própria.

Como entidades estanques, servem-se de instituições públicas como plataformas para a realização de interesses que colidem com a função precípua destas entidades.

Numa acepção mais ampla e abrangente poderíamos incorporar integrantes de todos escalões dos tres poderes nesta categoria de análise, a burocracia estatal, bem como conjecturar que parcela significativa deste amplo contingente de burocratas, não serve ao público, serve-se dele.

Portanto, instituições políticas e públicas veem-se a mercê deste desvio de conduta, de drástica inversão de objetivos e de valores.

Em decorrência de processo político recente, esta situação se agravou. A lógica privatizante fomentada por políticas ultraliberais impulsionou a sistemática degradação da função social e da destinação publica de serviços. Neste contexto, algumas instituições tornaram-se reféns de uma cultura que condensa deformidades da burocracia estatal.

Ao invés de viabilizar o serviço público e promover o direito social, parte expressiva da burocracia estatal apropria-se do espaço público e instrumentaliza seus recursos para viabilizar seus interesses restritos

Parlamentares, governantes e juízes, certamente, não se vêem como parte de estamentos burocráticos. Um conjunto de dessemelhanças joga em favor deste viés subjetivo. Estas desemelhanças se acentuam quando identificamos prerrogativas e privilégios conferidos a esta pleiade de servidores públicos. Por meio de expedientes lesivos à população, situam-se em patamares acima dos marcos de direitos comuns a todos cidadãos.

Esta linha de argumentação, ao invés de negar potencialidades do Estado, das instituições, servidores e políticas públicas adverte para sua importancia e para a urgência de sua revitalização, de sua democratização. Introduz componentes críticos na análise que impõem acompanhamento, controle, participação direta, representação organizada, sistemática, permanente e democrática de toda sociedade civil nos três poderes públicos.

Impõe a criação de organismos de representação da sociedade que coibam estas práticas e impeçam digressões de instituições públicas.

É preciso que o funcionamento dos diferentes institutos públicos esteja submetido ao crivo democrático dos reais interessados em seu desempenho. Assegure que estejam voltados para o interesse público

Esta é diretriz básica para discussão, formulação e execução de políticas públicas.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 22/07/2013