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Artigo - Os outros e nossos medos

Wagner Braga Batista

 

Ainda hoje, em sociedades contemporâneas, padecemos do mal da estranheza.

Alimentamos incompreensível temor do outro.

Optamos muitas vezes por conviver com desconfortável sensação de medo diante da circunstancia de abrir nossas portas para o outro.

Preferimos privar da angustia de nossas apreensões e inquietações frente ao estranho, do que do prazer de compartilhar nossas dúvidas, transformando-as em fonte de conhecimento e de novas experiências de vida.

Exacerbamos nossa individualidade.

 Ao criarmos barreiras, típicas do egocentrismo, limitamos a capacidade de enxergar qualidades, aptidões e virtudes do outro, que não sejam aquelas que podemos instrumentalizar em benefício próprio.

Pior, somos levados a projetar os que nos cercam pela imagem que construímos de  nós mesmos. Assim sendo, cultivamos medos e a estranhezas decorrentes da iminente possibilidade de  nos defrontarmos com nossas deformidades, projetadas em quem julgamos criaturas abjetas. Ou seja, aqueles que são nossas próprias imagens.

Deste modo, apesar das contínuas e recorrentes declarações de que somos avessos a preconceitos e discriminações, reproduzimos percepções e condutas discricionárias e intolerantes no dia a dia.

Tornamo-nos reféns de cultura exclusivista e cumulativa, que converte pulsões privatistas em móveis de nossa existência. Que cega nossa percepção para tudo aquilo que esteja além do alcance de nossas mãos, de nossas ambições e de nossa privacidade.

Presumimo-nos únicos. Sendo assim, não podemos fazer concessões ao outro, ao estranho, sob pena de fragilizarmos  nossas idiossincrasias.

Esta projeção temerária dificulta o reconhecimento da alteridade.

O estranho, assim como nas sociedades antigas, passa a ser visto como causador de inquietações, de dúvidas, de temores e de adversidades. Como inimigo que nos afronta e ameaça. Como aquele que devassará nossa intimidade, invadirá nossa privacidade, ultrajará nosso território, violará nossos mitos, nossas crenças e nossas idiossincrasias.

É o espectro que nos assombra. Impede-nos de nos abrir para a vida presente, para relacionamentos francos, despretensiosos e convincentes. Para a experiência do sincretismo e da universalidade que ameaça o exclusivismo.

No presente, a cultura patrimonialista, a avidez, a ganância e a visão instrumental do outro, provocam estranheza, medo e nos corrompem.

Estas propensões são induzidas pela compulsiva busca de acúmulos materiais e de riquezas, que dificulta a percepção do que transcende este olhar pragmático e utilitário. Impõe a relação com seres humanos, com a natureza, com objetos e bens livres exclusivamente por meio deste viés.

Converte-nos em usinas de medo e de insegurança.

Premidos, passamos a temer  aqueles que instrumentalizamos e expropriamos, ciosos dos males que lhes causamos. Por isto, tememos venham dar o troco. Que batam a nossa porta, que pulem o muro de nossas casas para retirar de nossas mãos e de nossa privacidade tudo aquilo que lhes devemos. Porém, juramos ter criado por vontade e esforço próprio. Pela operosidade da livre iniciativa e da capacidade empreendedora individual

Este é uma fantasia moderna, semelhante às supertições de comunidades arcaicas. Ambas explicam nossos acúmulos materiais por meio de mitos. Os antigos, por graças de forças sobrenaturais, os modernos, por meio de divindades que nos concedem aptidões, méritos, competências individuais e emulações eminentemente materiais. Esta divindade capital, no entanto, tem assentamento material, origina-se de relação social.

Reféns desta cultura cumulativa desabilitamo-nos a assimilar a gratuidade de relações com homens simples, que, paradoxalmente, oferecem-nos outros acúmulos, inaquilatáveis, por meio apenas de sua simplicidade.

Portanto faz-se oportuno que nos despojemos de falsas identidades e frágeis  idiossincrasias para vivenciar a generosidade e a universalidade da alteridade.

É preciso abrir as portas e descortinar janelas.

A luz, o vento e flagrâncias da vida só reconhecem portas e janelas abertas.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 25/07/2013