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Artigo - Cidadania e democratização do Estado

Wagner Braga Batista

 

O conceito de cidadania tem origem na Revolução Francesa. Na tentativa de anulação do direito natural, exclusivo da aristocracia, e na definição de direitos e deveres comuns a todos, entre os quais a responsabilidade política pela vida social na cidade, a polis.

Estes amplos direitos políticos, nominalmente, instituíram a igualdade entre todos cidadãos.

O estatuto da cidadania conferiu a trabalhadores rurais, expropriados de suas terras e de seus meios de produção, bem como a populações marginalizadas, pobres, miseráveis e indigentes, que ficavam a mercê da benemerência da aristocracia, da burguesia nascente e da Igreja, o direito à participação integral  vida da cidade republicana.

Contudo, a emancipação política dos habitantes da cidade, vista como espaço de condensação de direitos, não se realizou em sua plenitude.

A assimetria geográfica, revelada pela análise da configuração espacial das cidades, reproduz crescentes desigualdades sociais. A dicotomia entre cidade e campo, entre áreas da própria cidade, entre instituições sociais destinadas à prestação de serviços, entre os bens de uso coletivo instalados na urbe, entre outros aspectos, revelam não apenas distinções formais. Esgarçam a profunda desigualdade entre classes sociais.

Sob este viés, o estatuto formal da cidadania apresenta enormes descompassos que comprometem a efetivação da cidadania.

Assim como a República, o direito à cidade não se concretizou como ideal republicano.

O processo histórico não é irreversível. Não se realiza num único sentido, direção ou tendência. Oscilante, mostra-se sujeito a inúmeras variáveis que acarretam avanços e retrocessos.

Napoleão republicano suprimiu privilégios da aristocracia, bem como de doutos e catedráticos vitalícios, membros da academia, qualificados como aristocracia togada. De forma controversa, a seguir, promoveu a restauração monárquica. Coroou-se imperador e restituiu privilégios às castas abolidas pela revolução.

Portanto, o estatuto da cidadania não é unívoco, nem tampouco imutável. Está relacionado a diferentes contextos históricos, à possibilidade de que direitos sociais sejam reconhecidos e efetivados pelo poder público. É dimensionado pela capacidade coercitiva do Estado de impedir democraticamente que transgressões praticadas por camadas privilegiadas da população provoquem prejuízos aos direitos sociais da população desfavorecida.

Recentemente, elites representadas politicamente pela restauração liberal insurgiram-se contra a democratização do Estado.

Não se eximiam de utilizar o poder de coerção do Estado para promover seus interesses restritos, a exemplo da privatização do patrimônio público, da transferência de empresas estratégicas para grandes corporações transnacionais a financeirização da economia, a desregulamentação de direitos de trabalhadores, da intimidação de sindicatos, da criminalização de movimentos sociais, entre outras ações em defesa de seus interesses.

Hoje, ainda enquistadas no Executivo, Legislativo e Judiciário, não se conformam com a ampliação e a democratização do Estado. Mostram-se indignadas. Não admitem que este instrumento coercitivo, empregado para a promoção de suas políticas patrimonialistas, esteja se desvirtuando. Ou seja, estar voltado para realizar políticas públicas abrangentes e socializadoras que, minimamente, contemplam demandas de amplos contingentes da população.

Não admitem que o poder de coerção do Estado seja aplicado contra suas seculares práticas corrosivas e espoliativas, a exemplo da corrupção endêmica, historicamente associada às estratégias de forças retrógradas, anti-democráticas e destituídas de compromissos públicos.

O que estamos vendo?

O que observamos é o espaço e o poder públicos, até então disputados como instrumentos para obtenção de privilégios restritos às elites, penetrados por novos agentes sociais.

 Neste contexto, as elites, ciosas de seus privilégios, insurgem-se.

Historicamente pactuaram e coonestaram com a supressão de direitos sociais.

Cinicamente, ostentaram a defesa da democracia, para se credenciar e se legitimar como sistemáticos vetores de sua contínua supressão. Identificadas que foram com sucessivos golpes contra a democracia no país.

Estas elites, portadoras de ambiguidades típicas dos que não têm compromissos democráticos, com o reconhecimento e com a consolidação de direitos universais  de seres humanos, sentem-se deslocadas no atual cenário político.

Esgrimem preceitos democráticos que não são praticados na defesa incondicional de suas prerrogativas. Utilizam-se de vários artifícios, a seu dispor, para inibir, calar, coibir e reprimir, o acesso das classes subalternas a direitos sociais

 Invocam sutilezas da lei para resguardar seus privilégios restritos. No entanto, valem-se de seus confrades, instalados no poder judiciário, para aplicar a mesma lei utilizada em seu benefício, para criminalizar movimentos sociais e impedir a defesa de direitos sociais.

Esta disputa subliminar, realizada às escuras, ardilosa e desvantajosa para grande parte da população, subtrai a sua capacidade de identificar, de demandar, de pressionar e de exigir a efetivação de seus direitos.

O Estado, até então, foi utilizado como instrumento da elite patrimonialista.

As políticas públicas devem reverter este papel do Estado em prol da maioria da população.

A defesa da ampliação e da democratização do Estado é requisito indispensável para o fortalecimento da sociedade civil, consoante com a efetivação de políticas públicas que assegurem o reconhecimento e a ampliação de direitos sociais da população brasileira..

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 31/07/2013