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Artigo - Elogio a um conservador

Wagner Braga Batista

 

 

Nos últimos anos fiz uma opção esquisita.

 

Para exorcizar a volubilidade do meio academico, comprei uns patuás ideológicos, dois paradigmas  main stream e ações de um clube de amigos da autolegitimação. Se tivesse esta luz anteriormente, teria subsistido incólume às intempéries desta cultura inóspita que transgride o caráter público e a função social da universidade.

 

Esta preleção inicial serve para situar o tema.

 

Criei aversão a oportunistas ocasionais. Assacam intenções e palavras destituídas de significado tangível para legitimar sua falsidade ideológica, piruetas intelectuais, omissões administrativas, desvios  de comportamento, entre os quais o habitual descompromisso com a educação pública. Todos, sem exceção, dizem-se progressistas.

 

Enquanto alguns professores comem o pão que o diabo amassou para manter seus princípios e a integridade do trabalho docente, outros dão vazão à vocação de viralatas. 

 

Instintiva e comodamente, seguem  o circo, latindo e abanando o rabo. Vão para onde o bumbo tocar.

Hoje, temos clareza: integridade moral e intelectual não são monopólios da esquerda. Há   alguns colegas conservadores irretorquíveis em suas convicções e atitudes.  Renegam a lógica da conveniência e o paradigma de ocasião. Fiéis as suas convicções, praticam-nas  honestamente. É forçoso reconhecer que trilhamos caminhos divregentes.

 

Cremos que interlocução com pensadores de campo teórico divergente é salutar e profícua. Ajuda-nos a esclarecer dúvidas e incompressões. Favorece a sedimentação de nossas próprias convicções.

 

Graças a este diálogo honesto e profícuo, amadurecemos. Conseguimos identificar o contraditório e a consistência de argumentos dos nossos  interlocutores.  

 

Para não causar urticárias em prosélitos das conveniências, ressaltamos que não estão sendo ignorados nesta crônica. São situados no mesmo patamar de outros conservadores inescrupulosos, pervertidos e corruptos, que silenciosamente adotam a excepcionalidade como regra de vida.  Prestam-se a denunciar vantagens pessoais, típicas do liberalismo,  enquanto não se beneficiam delas.

 

Reconhecemos que a generalização é sempre inoportuna e obtusa. Não nos oferece elementos críticos para identificar singularidades, que ora valorizamos. Tende a lançar todo mundo na mesma vala comum. Impossibilita-nos de identificar o trigo no monturo de joio. E não é este nosso propósito ao fazer uma discriminação positiva.

 

É preciso reconhecer que parcela da esquerda renegou um de seus maiores patrimonios políticos e intelectuais: a integridade.

 

Entre os maiores patrimonios históricos de comunistas e socialistas destacavam-se a sua coerencia política e a honestidade de propósitos. Não é segredo que a violação destes atributos não foi obra da direita. Foram subtraidos de nossas mãos e desfigurados por militantes que adotaram métodos políticos que sempre repudiamos. Deturpados por ações espoliativas, legitimadas em nome do princípio abjeto de que os fins justificam os meios. É preciso acrescer que estes fins indeclináveis, também não eram socializadores. 

 

Após a autocrítica, segue-se o elogio a conservadores, pontuando:  democratas e defensores da justiça social.

 

Não nos referimos a todos conservadores, mas aqueles que preservaram princípios e valores universais para manter sua dignidade em ambientes promiscuos.  

 

Aprendemos a reconhecer virtudes e méritos em interlocutores de outros campos políticos e de conhecimento. Especialmente em alguns intelectuais e colegas conservadores. Entre estas virtudes destacamos, a honestidade, palavra tão contaminada pelo positivismo e corroida pelas críticas a esta ideologia maniqueísta.

 

A nosso ver a honestidade de propósito é um valor universal que deve abraçado por todos que professam idéias e conteúdos pedagógicos. Principalmente, pelos que se  dedicam à educação.

 

A honestidade de propósito pode ser aferida pela compatibilidade entre intenção e gesto, entre a palavra e a ção.  Afirma-se pela coerência nas atividades costumeiras.

 

Poderíamos desqualificar a coerencia, como atributo genérico, a exemplo da eficiência. Para aferi-la seria necessário que explicitássemos quais seus móveis e seus objetivos. Remetê-la ao universo no qual as idéias se materializam. No caso de intelectuais  ao campo da cultura, e no que tange aos professores ao processo educacional. Se adotarmos este procedimento será possivel identificar a unidade entre o que dizem e o que praticam.

 

A coerencia resulta  da prática de vida que confere  credibilidade às palavras proferidas por intelectuais e professores, sejam de esquerda ou conservadores.

 

Sábado retrassado, aproveitavamos longa e cansativa viagem para ler jornais acumulados no bornal.

Há dias manifestamos admiração pela postura do papa adventício e pelos rumos adotados pela igreja católica apostólica romana.

 

À busca de saciar a curiosidade frente a esta mudança de orientação da igreja, debruçamo-nos sobre colunas diárias de dois pensadores católicos, Luiz Paulo Horta, conservador, e Frei Beto, identificado com a igreja progressista, com comunidades de base e com a teologia da libertação.

 

Algumas vezes, imaginei que estivesse lendo opiniões sobre processos bastante diversos. As óticas dos dois articulistas não eram coincidentes ou convergentes, porém possuiam um traço  comum . Eram fidedignas. Mostravam-se como registros cabais de suas convicções e de sua fé religiosa. Como expressões cristalinas de seu modo de ver. Esclareciam, por meio de abordagens peculiares, duas formas de conceber o  protagonismo do papa.

 

Esta primeira aproximação, estimulou a leitura de outros escritos de Luiz Paulo Horta, entre  os quais uma resenha do livro de teóloga da PUC-RJ, Maria Clara Bingemer, intitulado “O mistério e o mundo”.

Mais uma vez nos surpreendemos, positivamente, com a concisão e a clareza da sua linguagem. Com sua extraordinária capacidade de identificar e explicitar, com argumentos bastante tangíveis, temas relevantes na obra da teóloga. Diga-se, explicitar a natureza e a dimensão destes mistérios para um agnóstico, como eu.

 

A explicitação de premissas centrais de uma teoria ou doutrina, permite-nos apreendê-la,  absorvê-la ou a refutar.  Jamais a ignorar. A nosso ver, este é o ponto de partida para o diálogo fundamentado. Para a tentativa de convencimento. Esta postura torna factível, compreensivel e profícua a relação entre interlocutores. Difere do diálogo de surdos, da esgrima de vaidades e da abdução pelos novos paradigmas, práticas que se tornam correntes no meio acadêmico.

 

Luiz Paulo Horta, não era  escritor diletante. Além de critico literário e musical, era católico praticante. Um conservador digno, sensato e, segundo relatos de pessoas que com ele interagiram, que se caracterizava pela serenidade. Destacava-se pela maneira conscienciosa com que se relacionava com seus interlocutores.

 

Sábado retrassado, ao desembarcar em Campina Grande, por meio da internet, inesperadamente, tomamos conhecimento do súbito falecimento de Luiz Paulo Horta.

 

É preciso que se diga, um conservador que fará grande falta a nossa cultura.

 

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 13/08/2013