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Artigo - A cultura do dinheiro

Wagner Braga Batista

 

 

Frederic Jameson, eminente filósofo norteamericano, entre tantos livros escreveu duas argutas interpretações da cultura contemporânea. A primeira, intitulada Pós-modernism:  a lógica cultural do capitalismo tardio, a segunda denominada  a Cultura do dinheiro (2001), que aborda digressões culturais na economia de mercado sob a égide da ideologia da globalização..[1]

 

Enquanto Jameson aborda este processo como uma  digresssão cultural como sob a lógica cumulatica do capital financeiro, vou examiná-la açegoricamente sob o viés da agricultura.

 

Nesta versão livre e metafórica, tomamos por empréstimo o conceito cunhado por este brilhante ensaista para falar  desta cultura estéril.

 

A cultura do dinheiro nasce e se dissemina por meio de relações de produção iníquas, eminentemente mercantis,  que subtraem de seres humanos sua capacidade de produzir e de fruir potencialidades humanizadoras da cultura. Impossibilitados de produzir  bens necessários a sua subsistencia, veem se igualmente sujeitos a mercantilização e ao processo de desumanização reproduzido por esta cultura.

 

Deste modo, obtém minimamente o que necessitam para se reproduzir e reproduzir sua força de trabalho, oferecendo o que lhes para subsistir neste ambiente adverso: sua força de trabalho.

 

No ambiente cultural,  chamado pós-moderno, pode-se dizer, que estão expropriados não só da força de trabalho, mas também,  da racionalidade, da sensibilidade, de aptidões e de virtualidades que não são contabilizadas algebricamente. Neste ambiente, a alienção cultural avança proprcionalmente ao cinismo, à desfaçatez, à falsificação, à manipulação cultural transformadas em fontes de investimentos privados realizados com recursos públicos. A cultura despojasse graduamente de componentes críticos para se adaptar a plataformas publicitárias Transforma-se e se degrada, revertendo virtalidades criativas em prol da rentabilidade mercantil. Neste ambiente, a lógica da produção cultural legitima a legitimam a logica cumulativa e especulativa do capital improdutivo por meio do que se chama indústria cultural, atualmente revitalizada sob o rótulo de economia criativa.

 

A lógica reprodutiva do capitalismo, modifica-se, porém não se altera substancialmente.

 

O processo cumulativo instaurado extrai indiscriminadamente de seres humanos dividentos do lazer e do entretenimento. Principais móveis desta cultura coméstica.

 

Dos segmentos empobrecidos subtrai artificiosamente os poucos recursos que lhes restam em arenas futebolísticas, shows religiosos e comemorações pirogenicas.

 

O capital improdutivo beneficia-se duplamente do trabalho. Vale-se da capacidade fisica de trabalhadores que gera valor e da renda obtida invertista na indússtria do entretenimento. Por esta via, oferece-lhes em troca novos feitiches.

 

Estes artificios imiscuem expropriação e sedução. Por seu intermédio são absorvidas pulsões produtivas que são trocadas por feitiches, que também  consomem homens, mulheres e crianças em vida.

 

As pessoas que cultuam o dinheiro exaurem-se sublimando bens que possuem. Na realidade, deixam-se consumir pelos bens, posto que a exigencia de apropriação e de acumulação de bens as consome.

 

Tornam-se refens da ambição, da ganacia e da subsequente avareza.  Sugerem o falso suposto de que o homem é o lobo do homem. São incapazes de perceber que a sociabilidade gradativamente extirpa o lobo do homem. Afirma historicamente o homem que há no homem. Deste modo, histórica, social e culturalmente o homem se humaniza.

 

Hoje, ainda que subsista a selvageria das relações capitalistas, podemos dizer que  nada é mais diferente do homem do que  era o próprio homem.

 

Portanto há homens que cultivam solidariedade, humildade, generosidade, entre outras virtudes. Outros são refens de suas próprias ambições. Cultivam, apenas, medo, insegurança e dinheiro.

 

Metaforicamente, a cultura do dinheiro, para ser fiel aos novos tempos do capitalismo responsável, civilizado e palatável também se apresenta no formato agrário.

 

Dissemina-se também no meio agrário. Em versão a cores, em prol da sustentabilidade.

Com notável dedicação dedica-se ao cultivo de dinheiro como se fossem flores.

 

É claro, empreendedores deste investimento cultural não o semeiam com os próprios recursos e com suas próprias mãos. Preferivelmente, valem-se do financiamento público, ainda que deploram a açõa do Estado.

 

Pela manhã irrigam seus canteiros com o suor, o sofrimento e o sangue alheio. Adubam suas plantações com residuos de infortunios diários, com as aflições que irrompem noites insones, com o desespero de indigentes, com apreensões de inimpregáveis, com as incertezas de individados, com a angustia de mães que assitem seus filhos consumidos pelas drogas, com o desespero de jovens engolidos pela desesperança, com escombros de fantasias publicitárias, com residuos de liberdade triturados pela grande imprensa, entre outros nutrientes aplicados as deserto ideológico desta sustentabilidade inominável, derivados da canalização de políticas públicas.

 

Amparados por políticas públicas, os senhores destes cultivos, não sofrem oscilações de humor, apesar de alegarem, frequentemente, que o dinheiro cultivado é extremamente  sensível e susctivel a flutuações do mercado, e requer redobrada atenção de governos e a excepcionalidade das finanças públicas.

 

Os donos do cultivo são versateis. Ante rigor climático, guarnecem seus jardins com a solidariedade de um coo-irmão, o capital especulativo. Na crise social valem-se da benevolência de políticos corruptos, de sentenças judiciais regiamente encomendadas e do vigoroso empenho de devotados servidores, que utilizam de vários expedientes e inúmeros malabarismos para transferir  recursos públicos para suas hortas.

 

Os donos do cultivo do dinheiro são adeptos de todas religiões, rezam em todos os credos.

Em horário vespertino, rezam pelos frutos do dinheiro, fazem orações em nome da responsabilidade social, do negócio justo, da espoliação necessária  e da especulação ética.

 

Sob sol ou chuva, as hortas de dinheiro sempre se mostram proliferas. São semeadas com mãos habilidosas. Esgueiram-se em abrir portas de gabinetes e cofres públicos, manipulam magistralmente a legislação e seus atos de magia são celebrados pela notável capacidade  transformar recursos públicos em patrimônio privado.

 

Com mãos de gatos, os exímios cultores do dinheiro, obtêm a fertilidade de suas terras áridas subtraindo a fertilidade do trabalho alheio. Ágeis, retiram do bolso de gente pobre, sua opulencia e sua fartura. Prosperam em meio árido, onde só nasce a erva rasteira do dinheiro fácil.

 

A colheita do dinheiro fácil não é sazonal.

 

Ocorre todo ano, a todo tempo, em todas estações. O dinheiro fácil, como bem define seu nome, brota em locais inimagináveis, lajedos, locas de pedra, grotas, grotões e gabinetes ministeriais.

 

Brota do nada em contas fantasmas, em extratos bancários de laranjas, em operações  fradulentas, em cassinos, em terrenos inacessíveis onde só vingam negociatas financeiras, a prostituição, o trabalho infantil e o tráfico de drogas.

 

Ininterruptamente, o dinheiro fácil jorra de obras públicas, da transposição das aguás do São Francisco e de barragens que contêm a probidade administrativa.

 

Este jorro incessante beneficia o agronegocio e o capital financeiro. Sem nenhuma distinção de credo, ideologia política, etnia ou genero, atende sem discriminação à pecuária extensiva e intensiva, os desmatadores com e sem tecnologia, aos especuladores letrados e iletrados, bem como aos agiotas de todos quadrantes desta grandiosa nação.

 

Diante de tantas concessões, fornecem inegáveis demonstrações de repiprocidade.

 

Os cultores do dinheiro fcil lavam as mãos de juizes, de todos prepostos. Gentilmente  oferecem honrosas deferencias aos benemerentes desta cultura.

 

Doações para campanhas eleitorais, franquias religiosas, benfeitorias em propriedades rurais ou em extensos terrenos em áreas urbanas, fazem parte deste ritual de amizade. Concessões de estações de rádios e de canais de televisão, abrigando neste permeável e generoso espaço os adeptos da imprensa livre, proporcionam aos  benemerentes da cultura do dinherio fácil o justo reconhecimento por sua atuação defesa da transferencia do patrimônio público. Para que viabilizem o diálogo franco e educativo com a população, os patrocinadores da cultura do dinheiro fácil  são contemplados com o acesso a todos canais de comunicação, de representação e de homologação de seus negócios. Tribunais, tribunas e pulpitos, montados por meio de proeminentes parceirias celebradas entre institutos públicos e empresas privadas, são franqueadas aos donos da cultura do dinheiro fácil.

 

Os tribunos, seus prepostos, e os donos do dinheiro fácil  são detentores de responsabilidade no tráfico de influência, de certificação nas negociatas elegais e do selo de qualidade atribuido à cultura do dinheiro fácil.

 

Cultivam dinheiro, como se cultivassem flores adversas, que exalam o cheiro acre do sofrimento, de privações e da expropriação secular de gente deserdada.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG



[1] JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. 2.ed. São Paulo: Ática, 2007 et A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis (RJ): Vozes, 2001.


Data: 20/08/2013