topo_cabecalho
Artigo - Democracia e desconfiança nas instituições: compatibilidade?

José Maria Nóbrega Jr.



Há um vazio conceitual quanto ao conceito de Democracia Consolidada. Alguns autores afirmam o Brasil ser um país de regime político democrático sólido, outros afirmam que o país vive momentos de fragilidades institucionais gerando instabilidade democrática. Quanto ao que vemos constantemente na mídia, há discursos afirmando que a democracia brasileira avançou nas últimas duas décadas, mas, ao mesmo tempo e, muitas das vezes, no mesmo espaço, asseveram que as instituições políticas – sobretudo o Congresso Nacional – não fornecem credibilidade à sociedade. Daí, perguntar: é compatível democracia e desconfiança nas instituições?

A resposta pode ser sim ou não, o que vai depender é o que entendemos por democracia e o por instituições. Democracia pode ser definida de diversas formas, umas mais pragmáticas outras mais normativo/culturais. Existe a democracia como forma de governo popular onde o povo decide as coisas do público. Mas, contemporaneamente, a teoria democrática parte de alguns pressupostos mínimos para ser avaliada como sendo sólida ou frágil. Utilizarei a definição minimalista de Scott Mainwaring et ali (2001) para conceituar democracia como um regime político que: 1. Promove eleições periódicas, pluripartidárias, livres e limpas, com direito à alternância, e de forma direta, para os poderes legislativo e executivo; onde 2. A maioria adulta de sua população tem garantidos os seus direitos políticos e amplitude no sufrágio; e que 3. Os direitos humanos e civis são protegidos razoavelmente[1] pelo estado de direito[2] e 4. Os militares estão sob controle dos civis (ou seja, depois do regime militar recém-findo, estes voltaram para os quartéis e não tem mais prerrogativas políticas e de políticas públicas).

Por instituições entendo as organizações formais e informais que, de alguma forma, tem o monopólio da força e da violência. Existem instituições informais que terminam por obter autorização legítima deste monopólio pelo motivo do estado formal (instituições formais) terem perdido a legitimidade nesse processo. Os grupos criminosos de narcotraficantes e os milicianos no Rio de Janeiro são exemplos dessas instituições informais que passaram a fazer às vezes do estado. Dessa forma, obtém o monopólio e a legitimidade da utilização da força por despotismo em cima de sua população, que obedece por medo e não por virtude ou honra.

Dentro desse contexto conceitual podemos perceber que a democracia como regime político é incompatível com desconfiança dos cidadãos de suas instituições. A não ser quando a democracia é definida apenas como forma de governo (método de escolha) e não como o regime (que é a soma do método de escolha com o estado de direito). O´Donnell (2010) demonstrou esta possibilidade ao analisar o aspecto da desconfiança dos cidadãos latino-americanos em torno de suas instituições políticas. Utilizou como referenciais empíricos pesquisas do Latinobarómetro. Mostrou como os cidadãos de países como o México, o Brasil, a Guatemala e a Costa Rica (só para citar alguns) desconfiavam de instituições fundamentais para a consolidação da democracia como regime, tais como as polícias, os parlamentos e o Judiciário, com índices de desconfiança a níveis percentuais elevados.

Com o último episódio envolvendo a Câmara dos Deputados e o Deputado Federal preso por corrupção e desvio de verba pública, Natan Donadon, onde a principal casa legislativa do país manteve o mandato do referido político mesmo este estando preso – processo transitado e julgado com condenação – robusteceu ainda mais a desconfiança dos brasileiros numa instituição tão importante para o andamento de qualquer democracia no mundo, o Poder Legislativo brasileiro está em baixa. Mas, mesmo assim, a democracia brasileira é classificada por alguns como um regime político sólido.

Ressalto a lacuna do conceito. O Brasil é um dos países que mais é chamado à atenção pelas violações aos direitos humanos e com altíssimos indicadores de assassinatos aparece num lugar pouco prestigiado em relação a países de democracias consolidadas, e até entre aqueles que nem tão consolidadas assim são suas democracias.

Para termos uma democracia consolidada é necessário preencher minimamente os critérios elencados por Mainwaring et ali (2001) linhas acima. Contudo, temos eleições com os pré-requisitos da teoria, mas a garantia do estado de direito e o controle sobre os militares aparece como o grande gargalo do regime político brasileiro. Destacando a capacidade de suas instituições em garantir direitos básicos de cidadania, alguns números reforçam a baixa performance institucional nessas garantias: temos uma taxa de homicídios de 27/100 mil habitantes, quando o tolerável seria de 10/100 mil (para se ter uma ideia, o Chile, país com histórico de ditadura violenta, tem taxa inferior aos 5/100 mil). De cada cem homicídios perpetrados menos de 5% tem a investigação concluída com denúncia sendo enviada ao Ministério Público. Ou seja, a vida pouco importa!

Então, as instituições políticas, como o Legislativo Federal, e as instituições coercitivas, como as polícias, o Ministério Público, a Justiça e o sistema carcerário, são instituições de baixa performance. Ou seja, não cumprem a missão para a qual foram criadas (MOISÉS, 2005). Essa baixa capacidade legal e normativa das instituições brasileiras leva ao aumento da desconfiança – o que aconteceu com os movimentos sociais de junho deste ano – quando todas as instituições, inclusive as Forças Armadas, tiveram baixa na percepção de confiança do cidadão brasileiro [3].

Mas, como a maioria dos analistas políticos concebe e conceitua a democracia apenas como forma de governo (método de escolha de governantes) – o que seria uma perspectiva submínima da democracia (ZAVERUCHA, 2005) – terminamos por ter o que O´Donnell (2010) classificou como democracias eleitorais em meio à desconfiança generalizada em suas instituições. Respondendo o título deste artigo: democracia é compatível com desconfiança nas instituições, mas quando a perspectiva é no método de escolha, sem levar em consideração a qualidade de suas instituições (políticas e coercitivas).

 


José Maria Nóbrega Jr. é professor de Ciência Política e pesquisador da UFCG


Data: 03/09/2013