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Artigo - As namoradinhas do Pequeno Principe

Wagner Braga Batista

 

 

Os rádios sintonizados em emissoras do Rio de Janeiro transmitiam notícias de um Brasil inexistente. Projetavam imagens de um mundo pitoresco que ultrapassava o mais longinquo horizonte do povo interiorano.

 

Ameaçador, este mundo extravagante, invadia a provincia com cultura modernosa e avassaladora, agredia sua moral e não respeitava seus costumes tradicionais.

 

Supostamente arrojada, a cultura inovadora ultrajava, ainda mais, as dificeis condições de vida de populações periféricas à margem da dinâmica excludente da economia de mercado.

 

Porém esta cultura agressiva despertava desejos. Alimentava paixões e cobiças inconfessas. Lançava o olhar para além daquele universo restrito, no qual populações predominantemente rurais se mantinham confinadas.

 

Sem dúvida, o mundo mudava para o bem e para mal, graças à força desta cultura controversa impulsionada por ondas propagadas pelo ar.

 

A estrada de terra, as cartas de parentes distantes, os laços familiares, a linha do trem já não constituiam os elos que ligavam nossos conterrâneos rurais a este novo mundo dinâmico e controvertido que emergia em grandes centros urbanos.

 

Novos meios de comunicação rompiam redomas invisiveis que mantiveram imensos contingentes populacionais ao abrigo de tensões desagregadoras. Estas forças conflitivas  destruiam a familia e ameaçavam seculares crenças que sedimentavam relações sociais.

 

Introduziam em ambientes toscos, chamados domésticos, pulsões desconhecidas e sentimentos inomináveis. Provocavam alucinações, medo e fantasias.

 

Proporcionavam, bruscamente, mudança de estação. Não anunciavam mudanças climáticas, transformações na paisagem fisica, no comportamento dos bichos e das plantas causados pela posição dos astros. Produziam feitiços, até então inimagináveis. Induziam transformações de hábitos provocadas pelo consumo de novas palavras, de  imagens profanas e de objetos que adquiriam vida.

 

Uma vida que fazia seres inermes perambular por propagandas, anúncios, prateleiras de vendas, balcões de mercearias e saltar para dentro de lares presevados por rezas e supertições.

 

De repente, enormes contingentes penetravam no reino mágico das mercadorias.

 

Não eram apenas os objetos que ganhavam vida. Imagens buliçosas também se movimentavam e causavam transtornos. Fugiam de jornais e revistas para se guardar em  nossas casas, esconder corpos em trajes sumários expostos ao sol, exibir a nudez de mulheres, suscitar desejos e fantasias que não existiam, mas, desde então, habitavam orlas maritimas e o imaginário inocente que, agora, migrava desta realidade inóspita para aportar na cidade do Rio de Janeiro. Nas praias da Cidade Maravilhosa.

 

Este horizonte atordoante e utópico ocupava a lassidão e o cansaço, as horas de trabalho árduo e os momentos de ócio de populações interioranas. Chegava pelas ondas de rádio e pelas páginas instigantes de revistas de costumes. Manhã, tarde e noite, o ritmo da capital federal se fazia presente, abrigava-se em ambientes rústicos e mobilizava as atenções de pessoas mergulhadas na lentidão da paisagem interiorana.

 

Estas pulsões incontidas também se manifestavam com maior vigor nas tardes de domingo. As  cansadas válvulas de robustos e antigos rádios obrigavam-se a trabalho incessante, quase não resistiam à temperatura dos jogos de futebol no Maracanã.  Na década de 1950, o Brasil se concebia, projetava-se, desenvolvia-se e torcia ardorosamente pelo seu futuro à luz dos refletores do Maracanã.

 

O calor do Rio de Janeiro disseminava-se pelo excesso de hormonios púberes e adolescentes que irrigavam o Brasil. Nutria paixões tardias de adultos que renasciam em Teatros Revistas da Praça Tiradentes, reduto de excluidos, marginalizados e homossexuais decadentes.

 

Juntamente com suas parceiras, profissionais da noite, rememoravam momentos triunfais, que vez ou outra pontificavam novamente em revistas de vulgaridades. Tudo acontecia nestas revistas e havia revistas para tudo e para todos, Revista do Radio, do Esporte, de Culinárias, de Costumes, de Carnavais, de Coros Anglicais e de vicios carnais vendidas clandestinamente.

 

 O mundo inaugurado pelas revoluções contemporâneas reservara espaço privilegiado para a  imprensa.  Ocupava lugar de honra no imaginário coletivo.

 

Os panfletos, os pasquins, os jornais, a literatura escrita, suportes das revoluções republicanas, aos poucos iam sendo substituidos pelo cinema, pelas ondas de rádio e pela televisão.

 

Paradoxalmente, o espaço público, igualmente ao alcance dos meios de comunicação, sofria diastole. Amplaiva-se e se reduzia. Alargava seu campo de ação, mas se mantinha restritivo pela a sua forma privada de apropriação. Apropriado na origem,  também se mostrava limitado na destinação das informações, sujeitas à crescente restrição que lhe impunha o uso exclusivo e domiciliar.

 

Mas voltemos às praias, às moças expostas ao sol e às vedetes dos teatros de rebolado da Praça Tiradentes, responsáveis pelos lampejos dos olhos de homens idosos e pelos hormonios afluentes do Rio que circulavam em todo país.

 

O Rio de Janeiro não era maior, nem mais fulgurante do que Nova Iorque, Paris ou Londres, mas certamente apresentava-se como a mais atraente e vibrante cidade do mundo.

 

Não era o centro da luxúria, mas tornara-se a mais permissiva, a localidade mais convidativa para prazeres de baixo custo.

 

Lamentavelmente, a cidade do Rio de Janeiro inaugurou a prostituição velada, foi precursora do turismo sexual que se expandiu pelas capitais litorâneas do nordeste na década de 1980.

 

Na década de 1940, o Rio de Janeiro tornara-se o centro das atenções de brasileiros distantes que  disputavam nas matinês de domingo as imagens de Copacabana e as alusões picarescas a sua vida mundana extraidas das chanchadas da Atlantida.

 

Revistas de costumes, de grande circulação no país e na América Latina,  estampavam fotografias coloridas da capital federal e de suas beldades, a flor da pele.

 

A televisão ainda não tinha retirado as revistas de cena, das bancas de jornais, dos salões de barbeiro e nem tampouco das gavetas e recintos privados de homens impolutos, probos e, acima de tudo, castos.

 

Passagens da vida no Rio de Janeiro compunham o imaginário de todos brasileiros. Tratava-se da cidade paradisiaca e licenciosa, na qual havia Copacabana e concursos de beleza.

 

Sim, meus amigos, desde 1954, o Rio de Janeiro também se convertera na capital federal dos concursos de beleza.

 

Havíamo-nos esquecido.

 

Na falta de opções políticas convincentes, concedia-se às camadas médias emergentes o direito de desopilar, de dar vazão às frustrações e, intimamente, eleger a mis de seus sonhos.

 

A redemocratização do país em 1945 fora bastante restritiva. Não restaurou plenamente os direitos políticos. Deixara lacunas que seriam supridas pela industria do entretenimento e pela política de boa vizinhança.

 

A indústria cultural encarregava-se de levar a cabo a política de boa vizinhança. Amenizava inquitudes políticas ocasionais e tensões da vida privada.

 

Deveria entreter para evitar questionamentos inoportunos sobre a “ordem política e social”.  A população, principalmente as camadas médias, era diariamente concitada à prática da democracia.  Estimulada a opinar sobre o bom gosto, os bons costumes, as regras de etiqueta e os ritos da culinária O povo brasileiro adquiria o inalienável direito de manifestar suas predileções, seus caprichos, seus sentimentos e suas emoções.

 

Assim sendo vivenciavamos a idílica sociedade emergente cultivada pela democracia do bom gosto.

Diariamente, a imprensa marrom, sensacionalista, oferecia ao gosto do público um sem número de reportagens bombasticas, cenas dramáticas, com situações aberrantes, casos políciais e situações de exasperação da violencia. O bom gosto das camadas médias já se fazia sentir. Torcia-lhes o nariz, sequioso da chegada da primavera quando se realizaria o concurso de Mis Brasil.

 

A desigualdade e a perversão das relações sociais eram aplacads pelo glamour de concursos de beleza, que eram realizados em pomposos hotéis e no Maracanãzinhoe por algumas semanas ocupavam o noticiário. As damas da sociedade e as emergentes camadas médias não hesitavam em pontificar nestes eventos, prestando-se a toda sorte de surpresas. Suas rotinas se transformavam impulsionadas por emoções irrefreáveis. Canalizavam sua ínfima sensibilidade e toda sua disponibilidade para ser outras mulheres enquanto durasse o evento. .

 

Os concursos de beleza provocavam atritos incontornáveis entre vassalos dos feias e guardiães dos bonitas. Não nos perguntem quais eram.

 

Mobilizavam emoções, acaloradas discussões e desavenças insuperáveis entre efemérides do juri que desprezavam preceitos éticos e estéticos de qualquer natureza,. O único juizo que dispunham era sobre si mesmas. Valiam-se dele para obter  visibilidade, transitar, barganhar e chantagear candidatas ao titulo de rainha da beleza. Se lhes permitissem, deslocaraim o  centro das atenções e converteriam a jovens misses em  coadjuvantes deste espetáculo bizarro.

 

Pois é, sou do tempo que havia concurso de beleza. Que coisa bizarrail!

 

No evento perfilavam vigaristas de todo tipo. Todos, sem exceção, proclamam-se virtuoses.   Competiam com criticos de arte de salões de beleza, com proeminentes artistas plasticos de filmes de horror, com designers de anéis de pedicures e com refinados protéticos de madames septuagenárias. Assim como hoje, cada um desqualificando o outro. As jovens misses não ficavam a dever. Absorviam estas diatribes e também  procuravam se diferenciar das vedetes do teatro de rebolado, da Praça Tiradentes, assim como as modelos, atualmente, tentam distinguir prostitutas, ainda que disputem o mesmo mercado de trabalho.

 

Neste ambiente, como estabelecer parâmetros e critérios para aferir beleza?

 

Como estereotipá-la sem ferir biotipos e sem discriminar seres humanos. Bem, no Rio de Janeiro, daquele tempo, não havia manuais de instrução, sequer para a iniciação sexual. Ninguém tinha oportunidade de garimpar regras de hipocrisia e condutas ambiguas em códigos politicamente corretos.

 

No riode Janeiro de antanho, conceitos e preconceitos brotavam da cordialidade natural da cultura mundana.

 

Corno se sabia, ontologicamente como corno, como tal se via. Irresignado, porém feliz. O lusitano do botequim da esquina, objeto de irreventes piadas, ria de si mesmo. Quando não as decorava, anotava-as prazerososamente no caderninho de credores para sacanear seus patrícios. Ali figuravam também nomes das mulatas que circulavam nas redondezas. Os amigos se tratavam por negão e branco azedo, sem constrangimentos. E os viados não levavam a sério o apelido. Exibiam com orgulho e alegria suas virtudes. Se necessário fosse, sabiam se defender com natural altivez, honestidade e coragem.

 

A gozação mútua era um bem comum, dividido de modo peculiar em cada quarteirão e cada esquina. Era vista como patrimonio coletivo partilhado ironica e agradavelmente por dessemelhantes.

 

A hipocrisia politicamente correta ainda não invadira o convivio franco e fraterno que se beneficiava da galhofa entre iguais.

 

Mas voltemos aos concursos de beleza.

 

Apesar das aberrações, os padrões de beleza eram inquestionavelmente convincentes: as moças  invariavelmente brancas, com cabelos escorridos e sedosos, com medidas precisas, nariz afilado, rosto esguio, pele sedosa, lábios finos e, é claro, língua viperina. Tinham que ser capazes de mentir, provocar intrigas e emulações.

 

Com corpos polpudos, as jovens misses renascentistas, ofereciam-nos à exibição como vacas prendadas, sob olhares lascivos de homens sequiosos e mulheres evanescentes em idade provecta.   

 

 Não perdiam um detalhe sequer do caimento das roupas, dos decotes dos maios, das silhuetas protuberantes e das texturas abrigadas sob vestidos rodados. As moças suspiravam atentas aos eventuais convites, às oferendas generosas e aos passaportes para sonhos precoces que se transformavam em pesadelos tardios

 

Todas eram belas, desde que fossem geneticamente brancas, igualmente mediocres, proficientemente servis e destituida de melindres prejudiciais às regras do jogo.

 

Para minimizar este viés preconceituoso, adicionava-se aos juizos de beleza, rudimentos de etiqueta, rituais ensaiados que culminavam com a inequivoca demonstração de desprezo pela inteligêncial, por meio da qual as jovens moças teriam que se mostara capazes de pronunciar cinco ou seis vocábulos e em cinco segundos comprovar burrice.

 

Sem sombra de dúvida, as pobres moças interioranas, enfrentavam carencias insuperáveis. Muitas não tiveram acesso à escola, ao atendimento sanitário e às “regras de etiqueta”.

 

Seu universo restrito impedira-lhes de conhecer os bons modos e o bom gosto cultuados pelas camadas médias emergentes. Porém lhes era exigido muito mais. Exigiam que fossem espontânea e deliberadamente burras, que se equiparassem na estupidez às jovens socialities que só ambicionavam ser misses. Nesta moças a estupidez avultava.. Com cilios postiços, penteados elevadissimos fixados com laquê e saltos enormes sua burrice adquiria estatura que saltava aos olhos.

 

Portanto, havia exigências para o concurso de beleza. A beleza tinha que ser mediocre, vulgar e passivel de mercantilização. Para se candidatarem ao concurso de beleza as pobres meninas tinham que apresentar atestado ideológico de burrice. No entanto, papeis timbrados, certidões ou registros em cartório eram insuficientes, obrigavam-se a praticar, exercitar-se e se esmerar no mister burrice.

 

Demonstrar publicamente que estavam habilitadas, ciosas de sua burrice. Deveriam estar cientes de todas prescrições e formalidades do ignominioso Estatuto positivista da burrice. Além do quê não poderiam se escudar na burrice, para alegar que desconheciam as rígidas normas que as reduziam à estupidez. A partir daí, teriam que comprovar de modo insofismável sua extraordinária proficiência no desempenho da burrice, em público, ostensivamente, diante dos holofotes.

 

Só não poderiam ser estupidas quando assediadas. Não poderiam recusar convites e presentes, nem jamais ignorar a discrição exigida por ambientes reservados e as regras de comportamentos escusos. Nestes casos deveriam se comportar com argúcia e com a inteligente dubiedade dos congeneres politicos.

 

 Solicitas, deveriam manter discrição ante o mau cheiro, de juizes, políticos e empresários, que em publico exalavam perfume, e nestes ambientes restritos fediam à licenciosidade e à corrupção.

O concurso de beleza tornava-se a porta de entrada para o mundo supostamente fulgurante da prostituição velada que alçava pobres moças à notabilidade incomoda, porém desejada.

 

Fora estes detalhes menores, as qualificações, aptidões e qualidades morais não tinham grande importancia. As misses seriam aquilatadas, apenas, por medidas.

 

Nelas tudo era aferido milimetricamente. As fitas métricas de costureiras da época prestavam-se a esta rigorosa aferição milimétrica da personalidade, da boçalidade, dos quadris, dos bustos, das coxas e, principalmente, do cérebro. Todos quadrantes do corpo e da alma tinham que ser mensurados com o máximo cuidado.  Qualquer deslize poderia comprometer a precisão do caráter prestimoso das jovens misses.

 

Os resultados não eram obtidos por meio do sistema métrico padrão.  O american way life já contaminara e excerbara nossa subserviencia política e cultural.  Antes de sermos globais, já eramos servilmente globalizados. Deste modo, mediam-se e se contabilizavam polegadas que aproximavam ou afastavam as misses do sucesso.

 

Infaliveis nas medidas, as crônicas da época indicaram as jardas do certeiro bote de decrépito comendador sobre os seios de miss alagoana. Mencionaram incontáveis léguas que distanciavam o falso puritanismo da classe média da hipocrisia reinante nos concursos de beleza. Apontavam as polegadas indispensáveis para relacionamentos de conveniência e casamentos arranjados destas pobres moças com  politicos e empresários inescrupulosos.

 

As misses eram dotadas de prodigiosas polegadas, porém eram assepticas, insipidas e inodoras.

Como bonecas de louça, não tinham cheiros, nem transpiravam, tampouco possuiam axilas. Pelos pubianos, nem pensar...

 

Como na estrutura social, dividiam-se em classes. Havia as jóvens ingenuas, que vinham de cidades do interior, e misses de encomenda, formatadas para protagonizar aquela farsa. Estas tinham currículo e pedigree. Decoravam o enredo e exercitavam a hipocrisia com brilhantismo. 

 

 Invariavelmente eram assíduas frequentadoras de sofás da sala de estar de boas familias, juravam não ultrapassar estes limites e praticar solenemente a virgindade como religião oficial. Esta presumida ingenuidade transformava-se em ardil  para a conscienciosa licensiodade.

 

Diversamente de moças pobres e ingenuas que chegavam ao Rio, as misses com pedigree utilizavam-se da ingenuidade como alibi para dissimular suas pretensões. Para dissimular o que faziam às escondidas.

 

Para conter impulsos carnais ostensivos, tornavam-se devotas de regras sexuais pouco ortodoxas.

 

Pudicas, mostraram-se precocemente adeptas de Billl Clinton e de Monica Lewisnky, contentavam-se com sexo sem penetração, sem ejaculação, sem orgasmo, de todas as formas possiveis, desde que não ameaçasse sua sacrossanta virgindade.

 

Satisfaziam-se, preservando-se para o casamento. Não podiam ser noivas, nem tampouco ter passado pelas mãos de namorados lascivos. Seu único compromisso oficial era com indeclinável burrice.

 

Não tivemos conhecimento de Mis Brasil que se dissesse convicta ou militante de alguma causa, por menor e mais desprezível que fosse.

 

Involuntariamente, tornavam-se militantes da própria burrice. Declinavam do compromisso com a razão, para ser integral e conscienciosamente estúpidas.  Com isto credenciavam-se para ostentar a coroa, o cetro e o manto de Mis Brasil.

 

O ponto alto deste espetáculo bizarro acontecia com o recital de frases de autoria de Antoine Saint Exupery.

 

Em comum, todas tinham profunda admiração pelo Pequeno Principe, que alíás pouco personificava suas inclinações e concupiscencia. Suas declamações evidenciavam seu despropósito, eram contestadas por suas atitudes e reais aspirações.

 

Deste modo encenavam a partilha: o amor é a única coisa que cresce quando se reparte. No entanto, ávidas e gananciosas, abocanhavam tudo que estivesse ao seu alcance. Desde incautos pretendentes, até oferendas despretenciosas e polpudas contas bancárias.

 

Entusiastas de  compromissos e sentimentos cativantes, sob os flashes das máquinas fotográficas, anunciavam a responsabilidade do amor: : Tu serás eternamente responsável por tudo que cativares.

Por trás das cameras, mostravam-se refens da vaidade e do jogo voluvel Só se deixavam cativar pelas próprias ambições. Tornavam-se presas fáceis de negócios escusos centrados na mercantilização do seu corpo e na manipulação da sua beleza.

 

Repetiam, à exaustão que “o essencial é invisivel aos olhos”. Porém o enxergavam com nitidez. Pragmáticas, identificavam a essencia dos negócios promiscuos e se deixavam levar por seus móveis.

 

Sem erros,  diziam que “o amor não implicava em olhar um para o outro, mas conjuntamente na mesma direção.”  De fato, a cumplicidade as fazia olhar com os olhos daqueles que as prostituiam, Um olhar coincidente porém nem um pouco desinteressado.  Olhavam pelo  olhar convergente e degradante do que vende o outro e daquele que se deixa vender.  Do olhar que remete ao mesmo objetivo a espetacularização do rebaixamento feminimo e da auto-degradação da mullher.

 

As lutas sociais nas décadas seguintes expuseram as vísceras deste aparato execrável. Desta indústria destinada à comercialização da beleza, ao fomento de estratégias publicitárias aviltantes, à promoção de padrões estéticos requeridos por fábricas de cósmeticos e pela banalidade da moda emergente, à adoção de posturas que rebaixavam a mulher e que instituiam odiosa discriminação étnica e de genero.

 

A luta pela emancipação feminina questionou a mercantilização do corpo da mulher e a prostituição velada inerente aos concursos de beleza.

 

Em entrevista à revista Plaboy, realizada anos atrás, a atriz  Vera Fischer, Miss Brasil, em 1969, no auge da ditadura militar, corajosamente, do mesmo modo que Marilyn Monroe, alguns anos antes, explicitou as regras do jogo devasso que transformava estas celebridades em repasto de agentes publicitários, empresários e generais.

 

Marilyn, no final trágico de sua vida, denunciou esta conduta vexatória. Demarcou este terreno tedioso no qual se movimentou. Indicou o ponto de ruptura em sua carreira, quando se afirmou como atriz e se viu liberta do assédio incessante, do contrangimentos de se submeter aos apetites sexuais de figuras execráveis que controlavam a indústria do entretenimento norteamericana.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 04/09/2013