topo_cabecalho
Artigo - O bardo da UFCG

Wagner Braga Batista

 

 

Inicialmente, será necessário fazer alusão a peças antigas que escapam do nosso imaginário, não se ajustam a nossas mal projetadas e  reduzidas estantes, nem compõem nosso mobiliário. Talvez nossos amigos Fernando Barbosa e José Duarte Rocha, o Zezé, exímios músicos e depositários de reliquias, ainda disponham de algum remanescente deste instrumento musical em seus antiquários.

 

Para introduzir o bardo na nossa conversa, precisaremos falar de alaúdes. Uma renissão importante, porque não há bardo sem alaúde.

 

Mais uma vez, faz-se oportuno pontuar, não se tratam de ataúdes, caixôes, nos quais uma casta de especialistas em toda sorte de maracutaias procura enterrar a nossa cultura sob os auspicios de verbas de um Ministério destinado a promoção.

 

Pois bem, no terreno fértil do Ministério da Cultura, brotaram especialistas em feretros e sepultamentos, realizados sob o manto de editais e da Lei Rouanet. Produtores destes eventos surgem a rodo. Fazem parte de exótica nomenclatura que inclui empresários criativos, publicitários de gavetas, administradores de carimbos, gestores de  benefícios, assessores de cambalhotas eletrônicas, negociantes de megaeventos hipertrofiados, doutores em obséquios, agenciadores de vantagens restritas, porteiros de favores, entre tantos outros que compõem esta prolifica trupe de especialistas na transferência de recursos publicos. Este contingente que subsiste às vicissitudes políticas e se locomove com a habilidade de serpentes. Que sobrevive em corredores, saguões e gabinetes ministeriais dedicando-se obstinadamente a esterilizar, mercantilizar e sepultar nossa cultura.

 

Não estamos nos referindo a esta gente, nem tampouco a atúdes.

 

Estamos falando de alaúde, secular instrumento musical desenvolvido no Egito antigo. Com cordas dedilháveis e caixa de ressonância com formato arredondado. Presume-se que seja a matriz da guitarra, da viola e do violão, originários da peninsula ibérica.

 

Os bardos valiam-se deste instrumento para fzer suas preleções e trovas

 

Pois bem, o bardo tornou-se uma figura mítica. Uma espécie de memorial vivo da idade média. Um misto de narrador, poeta e compositor responsável pela preservação da cultura de povos bárbaros e romanesca que se segue.

 

Homem de mil habilidades detinha o conhecimento dos mitos, das lendas e tradições culturais de povos antigos. Tornar-se personagem proeminente na cultura medieval e sua atuação será costumeiramente associada ao emprego do alaúde.

 

Soubemos, recentemente, que há bardo em outra acepção.

 

No budismo, o bardo é um estado de espirito entre a morte o renascimento.  Nesta religião, há quatro tipos de bardos, referente ao local de nascimento, ao momento da morte, à natureza dos fenomenos e ao devir ou renascimento.

 

Vejam bem, meus amigos, nenhuma destas acepções nos autoriza ao uso sarcástico da imagem dos bardos, porém assim se vulgarizaram. Tornaram-se conhecidos graças às alusões satiricas de Uderzo e Gosciny, autores das estórias de Asterix.

 

Pois, bem o bardo de Uderzo e Goscicy, coadjuvante das aventuras de Axteris, o gaules, é um chato de galochas.

 

Esta figura enfadonha não precisaria de passaporte para entrar em salas de aula e subsituir alguns de nossos eméritos doutores. Estaria à altura de sua sisudez e de sua oratória empolada. De suas personalidades soberbas e vaidosas que se notabilizam pela arte de aporrinhar os que estão ao seu redor, que o digam seus alunos.

 

Pois bem esta é a imagem jocosa e incongruente dos bardos.

 

Em hipótese alguma corresponde ao desempenho destes poetas, que se tornaram arautos  diversas culturas europeias. Que asseguraram sua preservação, graças à versatilidade e à criatividade dos seus versos. Que subsistiram graças à eloquencia e ao vigor da transmissão oral, que resistiu à precariedade de registros gráficos, insuficientes para recuperar e preservar suas narrativas.

 

Os bardos são baluartes da cultura adventícia que nos proporcionou a imprensa e a socialização das informações. Se é que existem heróis, são os típicos  heróis da modernidade e do esclarecimento. Numa concessão poética poderíamos dizer que são precursores da educação moderna.

 

A remissão ao bardo nos conduz à cultura popular nordestina. À tradição rediviva pela atualidade da História Oral, fonte de relatos originais que enriquecem a literatura e a pesquisa histórica.

 

Bardos, em sentido amplo, reportam-nos à virtuosidade de violeiros, de cantadores de feira, de repentistas, de emboladores de coco, de cordelistas e de poetas populares de todos os generos, que se valendo  instrumentos rústicos recuperam e socializam mitos de origem, superstições nativas, contos folclóricos, fatos pitorescos e remexem a atualidade para compor o universo cultural do qual emergimos.

 

O bardo é personagem controverso como todos seres humanos. Ao invés da criatura tediosa e chata, coadjuvante das aventuras de Asterix, é o eloquente protagonista da recuperação e da revitalização da cultura.

 

É o personagem que nos faltava na UFCG.

 

O professor versátil e envolvente que a todos agracia e anima. Que se vale da criatividade para renovar ambientes educacionais. Que recupera o que é significativo, revitaliza o presente e irradia o futuro.  

 

Este é o bardo, por excelencia. O professor que detem  conhecimentos mágicos e se mostra  fluente na arte de lidar com mil instrumentos. É aquele que nos ajuda a aprender e a crescer coletivamente. Não mede forças para que todos sejamos verdadeiros bardos da sociabilidade possivel..

 

Pois bem, afinal a UFCG dispõe de um bardo.

 

Fiel às tradições romanescas. O nosso extraordinário homem de mil habilidades e instrumentos apresenta-se para recuperar a cultura, nordestima resgatar o patrimonio desta grandiosa universidade, revitalizar suas atividades e projetar um futuro auspicioso para a UFCG.

 

Trata-se de Roniere Leite Soares, o notável e diligente professor que cresceu se alimentando de eloquentes versos para trovejá-los no futuro próximo. Que sobrepujou a seca cultivando girimuns fincados em espinhos de cardeiros e criou  seus irmaõs com  fortificante  leite de jumenta.

 

O virtuoso Roneire, desde menino, mostrou-se um professor nato. Superou, sem pestanejar, adversidades do cariri paraibano. Ensinou jovens cururus a lamber baba de quiabo, piadas a seguir a pé o leito de riachos secos, urubus a chupar cana, calangos a surfar no vento e hortaliças a beber água tirada das pedras.  

 

Em seu imaginário, flores e colibris tinham vida noturna. Para resistir às agruras da terra, sobreviviam,  clandestinamente, no vigoroso frio das madrugadas do planalto da Borborema.

 

Poeta, literato, prosador, cordelista, saxofonista e, futuramente torcedor do Fluminense, não se descvencilha jamais de seus afazeres docentes. Persevera como um chupa pedra no lodo.

 

Em um ano defendeu duas dissertações, escreveu cinco livros, compôs trinta e duas peças musicais e se dá ao direito de sonhar. Enquanto sonha, dá vazão aos repentes que serão transcritos no dia seguinte.

Como todo desenhista industrial é homem sensível.

 

A sua acentuada sensibilidade revela-se em todas suas ações e reações, manifesta-se até mesmo na inconteste alergia aos fungos e aos mofos que infestam seu ambiente de trabalho.  Expressa-se, também, em suas pesquisas acadêmicas.

 

Atualmente, orientado por dois dedicados colegas, Carlos José de Araujo e Walman de Castro, envereda por promissor doutorado. Para fazer jus a sua sensibilidade ,seu projeto volta-se à aplicação de materiais sensíveis.

 

O bardo doutor continuará sendo o mesmo poeta, cordelista e trovador. Sem renunciar as suas virtudes e multiplas habilidades, exercitará sua versatilidade adicionando ao leite das jumentas do cariri o vigoroso sabor de novos conhecimentos, novas descobertas, que certamente, farão felizes seus conterraneos, ciosos de suas inegáveis competencias.

 

Eis o bardo que faltava à UFCG...

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 10/09/2013