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Artigo - Os midia ninja

Wagner Braga Batista

 

A análise do novo protagonismo na cobertura das manifestações de rua, ainda em curso, remete-nos ao uso de novas tecnologias da informação, à adoção de novas linguagens e novas narrativas em diferentes campos da politica e da cultura e à socialização dos meios de comunicação.

Rudimentos deste processo podem ser obtidos pela leitura de Walter Benjamim, especialmente por meio de seu ensaio sobre o papel da reprodutibilidade técnica. [1]

Neste texto  o autor fala dos efeitos controversos da reprodutibilidade técnica, quais sejam desmistifica a aura de objetos, até então, inacessíveis ao público e contribui para a socialização da cultura e da arte, porém este inevitável processo de democratização dos meios de comunicação pode implicar na banalização e na digressão de manifestações culturais.

Esta lógica também se aplica a diferentes formas de manifestações públicas em curso.

Partimos do pressuposto que as tecnologias materializam relações sociais, podem configurar processos questionáveis, controversos, atentatórios a direitos sociais elementares, porém, sem sombra de dúvida, tornaram-se indispensáveis para a superação de inúmeras demandas emergentes na sociedade contemporânea.

O desempenho da mídia, seja qual for, não está divorciado da utilização das novas tecnologias da informação.

Em várias esferas de atividade neste campo, a investigação, a coleta de dados, o registro de fatos, a edicão de materiais, a divulgação, as sondagens de opinião, entre outras, cresce e ganha densidade o uso de tecnologias da informação, cada vez mais sofisticadas, adaptadas e eficazes na realização de cada um destes objetivos.

O trabalho jornalistico, assim como qualquer atividade social, não está circunscrito e limitado ao uso de tecnologias. Portanto não é uma atividade eminentemente técnica. Requer vários outros conhecimentos, aptidões, adoção de valores e bem como indispensável descortino,  que transcendem o uso automático destas tecnologias. Porém é inegável que as novas tecnologias tornam-se imprescindíveis para a comunicação no mundo contemporânea.

Outros pressupostos que favorecem a compreensão deste processo de socialização da cultura e de democratização dos meios de informação estão relacionados ao desempenho de massas, de multidões e de público.

O conceito de público, cunhado a partir das revoluções sociais contemporâneas, é basilar nesta análise. Sua importância se expressa pelo papel da opinião pública frente aos acontecimentos registrados pela imprensa.

Blumer (1975) faz considerações sobre estes conceitos, fundamentais para distinguir o comportamento da população frente à midia.[2]

Os conceitos de massa e de público remetem a condutas diferenciadas.

O primeiro termo sinaliza grupo espontâneo que, em muitos aspectos, assemelha-se à multidão. Mobiliza-se e se identifica com grandes eventos de qualquer natureza, políticos, esportivos, policiais, entre outros. Poder-se-ia dizer que a massa humana é movida por comportamento impulsivo e por reações circunstanciadas que a tornam refém do sensacionalismo, produzido artificiosamente por parcela da imprensa para gerar aderencia aos noticiários.

O conceito de público refere-se a grupos de interesse que podem ser caracterizados à luz de vários referenciais, principalmente por conflitos de interesse de diferentes naturezas.

Conflitos que resultam de manifestações de opiniões, já que o publico é portador de idéias formadas e de identidades constituidas a partir de convicções, crenças, motivações, preferencias, entre outras inclinações.

As manifestações de massa podem ser tipificadas pela prevalencia do senso comum.

De modo geral, expressam vivencias, impressões que não se apoiam em análise preliminar de fatos, nem tampouco em juízo de valor formulados previamente.

As opiniões fundamentadas, prórias do público, implicam em minimo conhecimento do objeto focalizado, impõem a utilização de juizos críticos e senso de realidade. Requerem reflexão prévia e fundamentação das ideías formuladas.

Porquanto a manifestação de massa tenda a ser expressão de externalidade circunstancial, a opinião pública resulta de processo de elaboração. Do amadurecimento de idéias.

O conceito de público e massa tornam-se relevantes quando se examina o alcance e a abrangência de informações difundidas pela midia. Quando se verifica a permeabilidade de diferentes segmentos da população a novas linguagens, narrativas, temas e conteúdos midiaticos. Sob vários aspectos, as massas se mostram mais refratárias às inovações do que grupos sociais suscetíveis ao contato com novas midias e novas linguagens.

A suposta homologia entre logisticas aplicadas ao desenvolvimento dos meios de comunicação e à concentração economica  parece-nos um reducionismo, uma suposição improcedente.

Em que pese a influencia de decisões economicas no campo da comunicação social seria temerário supor que o desenvolvimento dos meios de comunicação decorre de interesses puramente economicos.

Análise de Ianni, é bastante sugestiva. [3]

Revela novos nexos e novos desempenhos para a midia frente ao processo de expansão mundial da economia de mercado. Indica que a midia substitui os partidos políticos como novos principes modernos (Gramsci) [4].

Ou seja, induzem estratégias políticas, economicas, culturais e educacionais, bem como fomentam condutas coletivas.

 As recentes manifestações de rua, que ocorreram em todo país suscitaram a exigencia de novos prossupostos e abordagens para examinar diversos aspectos destas mobilizações.

Um dos fatores que  influiu decisivamente na mobilização e no registro destas manifestações foram as chamadas redes sociais. No tocante à utilização destes  canais de comunicação pode-se destacar sua agilidade, confiabilidade do registro (diferente de veracidade da informação) e a possibilidade de interlocução, graças a dispositivos gerados por novas tecnologias da informação.

Estes recursos foram intensamente utilizados para efetuar diferentes abordagens, viabilizar diferentes linguagens e farta  documentação destes fatos.

Alguns destes registros não se caracterizaram pela presumida frieza, isenção e  lógica adotada em estratégias da imprensa convencional. Muitas vezes a documentação confirmava motivações e inclinações anunciadas previamente pelos seus autores.

Deste modo, diferenciava-se do nticiário da grande midia que tendia a mascarar seu inegável facciosismo.

A isenção, preconizada por teóricos e iniciados neste campo de atividade, falseada pela grande imprensa para encobrir possiveis comprometimentos políticos e economicos, será desprezada por grupos autonomos que registraram, preferencialmente fatos relevantes para corroborar denúncias que se tornavam públicas.

É oportuno acrescentar que a disponibilidade de recursos que permitiram o registro, a rápida edição e a divulgação  de imagens tornaram todos nós potenciais documentaristas. O que era inimaginável, há alguns anos atrás, hoje se torna possivel graças a pequenas cameras digitais e telefones celulares.

Súbito, todos nós podemos nos reivindicar da condição de cineastas ou jornalistas amadores.

A intervenção de individuos e grupos autonomos, sem necessária vinculação com a midia convencional, oferecu uma visão sui generis e panoramica das manifestações de rua. Reproduziu a rica diversidade das expressões públicas, condensadas em registros peculiares que se utilizavam de recursos técnicos, linguagens, abordagens e narrativas sem compromissos com a edição padronizada dos noticiários convencionais. Porém os aspectos  mais significativos nestes registros advêm da mostra de depoimentos e de imagens que confrontavam o discurso e a lógica hegemônica no meio das comunicações.

A disseminação de imagens e de depoimentos pelas chamadas redes sociais, ofereceram não só visão diversificada das manifestações de rua, mas também apresentaram uma panorâmica de novas linguagens e narrativas, algumas das quais extraídas de outras áreas de intervenção social e cultural.

Neste trabalho de documentação, pode-se destacar a atuação do grupo, que se popularizou como “Midia Ninja”, que se utilizou de várias tecnologias e linguagens para documentar as recentes manifestações de rua, ressaltando o caráter comprometido e crítico da cobertura destes fatos. Não se reivindicando da imparcialidade, sem abri mão, contudo, da necessária  isenção.

Este grupo mereceu referencias em várias análises da cobertura das manifestações de rua, destacando-se a entrevista com dois de seus integrantes, levada ao ar pelo programa televisivo, Roda Viva, em 5 de agosto do corrente.

A operacionalidade e proficiencia dos novos meios de comunicação também pode ser observada a seguir.

Numa visivel demonstração da potencialidade e do alcance das novas tecnologias, a entrevista supracitada pode ser recuperada e assistida a qualquer momento, bastando-nos acessar um link  que disponibiliza e socializa estas informações.[5]

 
 
Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

[1] BENJAMIN, W. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica" in Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987.

[2] BLUMER, H. A massa, o público e a opinião pública in COHN, Gabriel. Comunicação e indústria cultural, São Paulo, Editora Nacional, p.177,  178/ 179  e 181, 182, 183

 

[3] IANNI, O O Príncipe Eletrônico URL: http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/2079 acessado em 27 de agosto de 2013

[4] GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8.ed. 1991

[5] Midia Ninja. Roda Viva, 05 de gosto de 2013, URL; http://www.youtube.com/watch?v=vYgXth8QI8M acessado em 27 de agosto de 2013


Data: 12/09/2013