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Artigo - Eu vi a Terra mudar

Wagner Braga Batista

 

Há dois meses as fotos de Yann Arthus-Bertrand encontram-se apostas nas grades de contorno do Parque Américo Renèe Gianetti, na Av Afonso Penna, em Belo Horizonte. [1]

 

Esta exposição, realizada sob  céu aberto, chama a atenção de todos transeuntes. Populares  e trabalhadores que chegam da periferia da cidade, os filhos de Maria Papuda, os inimpregáveis, os desincluídos, os convertidos a membros de tipologia perversa que criminaliza expropriados e que os qualifica como responsáveis pela autoexclusão social. Esta gente, pouca afeita a estas manifestações culturais, aos poucos se aproxima, detém-se frente aos painéis e se familiariza com  estas gratas imagens. Conversando entre si, vê-se projetada em algumas delas. Apresentam-se pelos rostos de Bangladesh, pelas mãos de indonésios e pela fome de povos africanos.

 

Aos domingos, as enormes fotografias atraem novos expectadores. São os frequentadores da tradicional feira de artesanato, provenientes de vários municípios vizinhos, bem como de outros estados e países.

Sob o crivo de tão inusitados e diversificados olhares, a exposição universal se universaliza neste amplo quarteirão de Minas Gerais.

 

Possivelmente estas fotos, associadas a textos explicativos, tenham sido vistas por quinhentas mil pessoas em Minas Gerais. Tratam-se de registros fotográficos realizados durante 20 anos documentando as bruscas transformações de nosso planeta.

 

A mostra “A terra vista do céu” oferece-nos uma olhar semelhante e distinto do olhar acadêmico. Do modo como a academia enxerga a  vida humana. Vistas por cima, a Terra e a vida humana nos proporcionam percepções singulares. As vezes olhares se confundem, ressaltam a exuberância de paisagens e cores, outras vezes nos ferem a consciência. Porém o olhar do fotógrafo não acentua o distanciamento, contrariando a soberba que nos afasta da realidade, nos instiga a examiná-la. Explora criteriosamente o distanciamento crítico que nos iguala e nos aproxima dos nossos semelhantes.

 

Obtidas por meio de balões aéreos, as fotos ensejam um testemunho esclarecedor: a Terra mudou. Mudou como?

 

Ao longo de duas décadas, o PIB  mundial cresceu 75%, alcançando 63 trilhões de dólares, no entanto não impediu que 1 bilhão de seres humanos continue a viver abaixo da linha de pobreza. Outros, 1,8 bilhão trabalham sem vínculos contratuais e sem nenhuma cobertura legal. Estas disparidades também podem ser examinadas sob o prisma da distribuição de alimentos. Enquanto mais do que um bilhão de homens, mulheres e crianças estão desnutridos, outros tantos encontram-se acometidos pela obesidade.

 

As disparidades e assimetrias sociais causadas por processos socioeconômicos e acentuadas pela apropriação privada de novas tecnologias revelam suas facetas cruéis. Enquanto crianças e jovens são escravizados por gadgets e badulaques eletrônicos, outros tantos mostram-se reféns de necessidades elementares. Enquanto uma parte do mundo está permanentemente ligada em si mesma e divorciada da humanidade, o restante está compulsoriamente atada às próprias carências que consomem sua humanidade

 

Sob esta ótica, o uso restritivo das tecnologias desmente sinalizações de padrões de vida civilizados e proximais.

 

Na exposição com cerca de 150 imagens, há uma foto bastante sugestiva.

 

Sobre  uma pilha de sabugos de milho, um negro corre. [2] Fascinado, acena para o balão que se aproxima. Possivelmente arrastado pelo incontrolável vento, chegara do nada. Seu tamanho assusta e lhe  causa surpresa. Porém, não lhe espanta.

 

O minúsculo homem integrado a sua paisagem, utiliza-se da linguagem universal das mãos e do eloquente sorriso para externar sua alegria, para nos proporcionar inconfundível gesto de humanidade. Um ato simples que nos identifica e que nos aproxima de homens distantes.

 

Sua incontida felicidade suplanta a estranheza frente ao enorme balão, que subitamente devassara o isolamento daquela comunidade no limite da reserva nacional de Masai Mara, no Quenia, África subsaariana.

 

Uma comunidade tão longínqua de nosso horizonte, que nós, civilizados, presumimos afastada do mundo e da humanidade.

 

No entanto, por obra da fotografia, a singeleza de seu gesto ficará durante muito tempo instalado naquele lugarejo. Indelével, será um único e eterno gesto de humanidade, enquanto  o pesado balão, carregado de modernas tecnologias se afasta incontinente, arrastado pela indiferença do vento e de outros homens.

 

Em pouco tempo, estará tão distante, quanto o uso restrito destas modernas e sofisticadas tecnologias, utilizadas para manter a humanidade à distância de nosso mundo.

 



[1] Painéis da Exposição podem ser vistos em A terra vista do céu URL: http://terravistadoceu.com/fotos/

[2] Estocagem de milho URL: http://terravistadoceu.com/foto/estocagem-de-milho-branco-no-limite-da-reserva-nac/ acessado em 22 de setembro de 2013


Data: 23/09/2013