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Artigo - O que aconteceu nas principais cidades colombianas para que as mesmas reduzissem suas taxas de criminalidade?

José Maria Nóbrega

 

 

Introdução[1]

 

A Colômbia vem se apresentando como um exemplo importante de ser analisado entre os países da América Latina. Levando-se em consideração apenas duas cidades, Bogotá e Medelín, ali foram aplicadas uma série de políticas públicas – preventivas e repressivas – apontadas como o fator decisivo para a redução de suas altas taxas de homicídio desde, pelo menos, finais da década de noventa. Contudo, a Colômbia permanece como um dos países mais violentos do mundo, fator explicado pela ausência de políticas de Estado a nível de todas as cidades colombianas (Cf. Tabela 1).

 

Tabela 1: Taxas de homicídio na América Latina – 2002

 

País

2002

El Salvador

41

Colômbia

40

Honduras

41

Brasil

20*

México

18

Venezuela

33

Peru

5

Panamá

11

Equador

15

Argentina

5

Costa Rica

6

Uruguai

4

Paraguai

4

Chile

3

 

Fonte: Acero Velásquez (2006). * Dado para este período segundo o SIM/MS foi de 28,5 hpcmh

 

Gaviria (2007 apud Sanchéz Torres) aponta para a importância da política de segurança cidadã em Bogotá como fator importante para a redução da violência. Baseado em Acero Velásquez (2006) ela afirma que as políticas de Estado implementadas em Bogotá foram fundamentais para o sucesso do controle da violência e, sobretudo, de suas altas taxas de homicídio. Sem revelar dados ou alguma sustentação empírica para tal tese defendida em seu artigo, Gaviria (2007 apud Sanchéz Torres) fala de mudança cultural, ou melhor, da introdução de uma “cultura cidadã” como elemento fundamental para a mudança de comportamento social e a respeito das relações com as instituições responsáveis pelo monopólio da força naquela cidade. A participação do prefeito na condução das políticas foi outro fator colocado como determinante.

 

Seriam estas variáveis determinantes para a redução dos altos índices de assassinatos em Bogotá? Houve uma real mudança cultural que levou a mudança de comportamento social e institucional? Alguns autores descartam veementemente explicações baseadas em reformas estruturais da economia e de inserção social ou de viés cultural (Sánchez Torres, 2007).

 

1. Quais as principais variáveis explicativas para a redução dos homicídios em Colômbia?

 

Sánchez Torres (2007) foi responsável por uma coletânea de artigos que resultou em um livro intitulado Las Cuentas de la Violencia, aí um grupo de estudiosos, a maioria de formação econômica, abordaram o impacto de variáveis diversas de causalidade em relação à violência na Colômbia com farto uso de ferramentas quantitativas. Desmistificaram uma série de teses antropológicas/sociológicas que defendem mudanças culturais ou estruturais (econômicas e sociais) como causas determinantes para a redução da violência, inclusive os homicídios.

 

Quais fatores têm incidido para a redução dos homicídios na região Andina? Sánchez Torres (2007) aponta para vários fatores, mas destaca alguns que demonstram maior relação causal: a recuperação do aparato de justiça, pois incrementou as taxas de detenções/aprisionamento em cerca de 45% em 2005. O melhor funcionamento das instituições de fiscalização e controle da violência e da segurança pública. Outro ponto foi o cerco aos grupos paramilitares (milícias urbanas) e restrição de ação aos grupos guerrilheiros, como as Farc[2] (Sánchez Torres, 2007: 19-20). Isso refletiu na redução dos homicídios em cidades como Bogotá e Medelín que tiveram redução expressiva (gráfico 01).

 

Gráfico 01. Homicídios absolutos Bogotá e Medelín, 1994-2004

 

http://www.cdsa.ufcg.edu.br/portal/images/noticias/artig_ze_maria_01102013.jpg

 

 

Fonte: Soares (2008: 164)

 

Divergindo de Posada (2006 apud Sánchez Torres, 2007) e Gaviria (2007 apud idem, 2007), Sánchez Torres (2007) discorda veementemente de uma possível “cultura da morte” ou o rótulo de que a Colômbia é um “país assassino”. Argumenta o autor:

 

Es improbable que el “ethos asesino” de los habitantes de la región andina se haya reducido a una cuarta parte del prevaleciente en 1991. Tampoco tiene sustento empírico que la desigualdad, la pobreza y la exclusión como “condiciones objetivas” se hayan reducido en tan gran magnitud como para provocar semejante redución en la violencia homicida en esta zona (2007: 20).

 

A generalização abordada por Posada é refutada quando Sánchez destaca o crescimento da violência em outras regiões colombianas mostrando quanto há de ligação entre debilidade institucional e recrudescimento da atividade do tráfico de drogas e de grupos armados a margem da lei:

Muchas otras cidades del Valle – por ejemplo: Buenaventura, Cartago, Palmira, Tuluá – experimentaron drásticos incrementos en la violencia homicida, duplicando en algunos casos los niveles de finales de la década pasada. Buenaventura ha sido el escenario de actividad de grupos al margen de la ley que disputan un corredor estratégico para el tráfico de drogas en su condición de puerto marítimo mientras que el Norte del Valle sufrió la intensificación de la guerra entre los carteles de la cocaína de esta región (Sánchez Torres, 2007: 21).

 

Os argumentos de Sánchez (2007) caminham no sentido de desmistificar teses estruturalistas e marxistas baseadas em discursos que ligam a pobreza e a desigualdade, bem como a cultura de violência ou ethos assassino, como causas para a violência, sobretudo os homicídios. Defende a tese na qual a debilidade institucional somada ao incremento de atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e o plantio de coca, bem como a participação de grupos a margem da lei (Farc, ELN e milicianos) são variáveis relacionadas ao crescimento ou redução dos homicídios.

 

1.1 Os determinantes dos homicídios na Colômbia

 

Os dados de homicídios em Colômbia apontam para momentos de baixa e de pico desde meados do século XX. Em 25 anos, reportando a meados da década de setenta, a taxa colombiana de homicídios era de 15 homicídios por cem mil habitantes. Durante os anos oitenta, período do ápice dos cartéis de droga naquele país, a taxa de homicídios aumentou bruscamente até alcançar um nível de cerca de 80 mortes desse tipo por cem mil. Essa tendência vem se revertendo desde meados da década de noventa. Medellín e Cali alcançaram picos de 380 e 160 homicídios por cem mil habitantes na década de oitenta, respectivamente. Apesar dos dados apontarem características destacadamente oscilantes de um período para o outro, boa parte da literatura questiona o ethos do colombiano para ser violento (Sánchez e Méndez, 2007: 25).

 

A literatura contemporânea na Colômbia aponta para uma maior sofisticação dos seus autores, sobretudo pela utilização de métodos quantitativos sofisticados em suas análises. Gaitán (1995) utilizou métodos estatísticos e de regressão e verificou que algumas hipóteses de estudos sobre a violência que tinham como mote relacionar a violência homicida com a desigualdade e a pobreza e o caráter colombiano violento, não se sustentavam ao teste empírico dos dados. O trabalho de Gaitán (1995) revela-se como um grande avanço nos estudos sobre as causas da violência em Colômbia, onde incluiu mensurações em sete grandes cidades e municípios procurando avaliar o real impacto das variáveis apontadas na literatura como causa para a violência.

 

1.1.2 A literatura colombiana sobre as causas da violência homicida

 

A Comisión de Estúdios sobre la Violencia (1987) afirma que a relação causal entre violência e desnível social e econômico, desigualdade e pobreza é determinante. Esse diagnóstico foi sustentado com escassa sustentação empírica e aponta que a redução da violência estaria atrelada a um problema urbano que tem origem em causas objetivas perversas que levariam os indivíduos ao crime e a violência desmedida[3].

 

Indo por outro caminho, Sarmiento (1999) fez um estudo de caráter quantitativo onde avaliou as causas dos homicídios, utilizando, para isso, dados de ordem municipal para os períodos de 1985-1988 e 1990-1996. As variáveis independentes utilizadas no estudo foram o índice de qualidade de vida, o coeficiente de Gini, a média de escolaridade da força de trabalho e a taxa de participação eleitoral. A variável dependente foi às taxas de homicídios.

 

Depois de dividir a amostra entre municípios com violência crescente e com violência decrescente, o estudo demonstrou que a violência está associada negativamente com o nível de educação e de participação política, e positivamente com o nível de riqueza, principalmente com a desigualdade medida através do coeficiente de Gini. De acordo com Sarmiento (1999) ha sido el factor más importante en los años noventa para incrementarla.

 

O referido autor conclui que ao observar a evolução das cifras da violência nos municípios estudados, a desigualdade aparece como causa da violência. Outras variáveis como a concentração de riquezas e a débil presença do estado tendem a reproduzir a violência, segundo este autor. O trabalho de Sarmiento (1999) não introduz variáveis tais como a presença de narcotráfico, medidas de ineficácia do aparato de justiça e ações dos atores armados na dinâmica das taxas de homicídios, o que pode limitar consideravelmente suas conclusões.

 

Bourguignon (2000), dentro da teoria das causas objetivas, propõe que a pobreza e a desigualdade são causa e consequência da violência, o que imerge as economias latino-americanas em um círculo vicioso donde os fenômenos se auto reproduzem. O autor parte do modelo de Becker (1968), pelo que incorpora variáveis de detecção do crime, honestidade, pobreza, perda social e o efeito que a criminalidade exerce sobre a economia. O autor inclui dentro do modelo a detecção do crime que depende da quantidade de dinheiro destinado à prevenção e a luta contra o crime.

 

Para medir a perda social, Bourguignon (2000) utiliza uma variável que depende do custo em que incorre o sistema de justiça criminal, uma variável que mede os efeitos externos da criminalidade como a insegurança do cidadão e os efeitos sobre a economia. O autor afirma que este modelo funciona melhor para os crimes contra o patrimônio ou aqueles que tenham um incentivo econômico definido e não para os crimes contra a vida, já que estes não encontram uma motivação econômica comprovável em muitos casos.

 

Ao longo de seu trabalho, Bourguignon (2000) argumenta que a criminalidade tem sua origem na pobreza e na desigualdade e mostra como em países com altos níveis de crime e violência, um aumento na desigualdade potencializa importantes perdas sociais. Não obstante, destaca que o modelo pode não servir em um caso como o colombiano, pois nesse país existem variáveis culturais peculiares que afetam de forma mais direta a criminalidade.

 

Sem uma sustentação empírica mais relevante para sustentar suas hipóteses, Moser (1999) oferece um enfoque integrado que incorpora as dinâmicas de diferentes tipos de violência. Para ela existem três tipos de violência: a política, a econômica e a social. A violência política relaciona os atos violentos com desejos de reter poder político, a violência econômica define uma correlação entre os atos violentos e o desejo de obter ganhos de poder econômico e a violência social atribui os atos violentos ao desejo de ascender socialmente.

 

Moser atribui causas específicas para cada tipo de violência pelo que estabelece uma base causal em que todas compartilham: a) mínima presença estatal em territórios com altas taxas de violência; b) inconsistência no manejo da política institucional da violência; c) instituições que são e se percebem como altamente corruptas; d) uma sociedade de baixos níveis de tolerância social e uma alta aceitação da violência como meio para resolução de conflitos; e) uma alta fragmentação econômica, política e social devida a heterogeneidade regional; f) um estado que delega parte de suas funções a proprietários do poder local naquelas regiões donde sua presença é limitada e a relação entre a violência rural e urbana. As hipóteses não foram bem testadas, apesar de serem sugestivas.

 

Gaviria (2000) apresenta várias hipóteses para entender as altas taxas de homicídios na Colômbia. Desenvolveu três tipos de modelos em que se analisam as possíveis externalidades geradas entre criminosos e a probabilidade de uma escalada da violência gerada de forma endógena. Cada modelo apresenta uma explicação plausível acerca da reprodução do crime na sociedade colombiana e podem ser considerados complementares, pois cada um aporta elementos que contribuem averiguar a totalidade do fenômeno.

 

O primeiro modelo apresentado argumenta que os crimes são alimentados pela ineficiência punitiva do aparato de justiça criminal, por sua vez essa fragilidade institucional realimenta a delinquência. O segundo modelo reforça a teoria do aprendizado social (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004), demonstrando que os conhecimentos criminais (know-how) de novas tecnologias potencializam a criminalidade. O terceiro modelo se refere ao capital humano no sentido de que o contínuo contato de jovens com experiências criminais/delinquentes “pervertem” a moral e pré-dispõem esses jovens a práticas delituosas.

 

Gaviria (2000) conclui com essa análise que o crime organizado, em particular dos narcotraficantes, é o responsável pela rápida evolução da violência na Colômbia, desenvolvendo, também, novas tecnologias que aumentam substancialmente o aprendizado criminal entre os jovens. Os narcotraficantes estimulam a mudança comportamental nas comunidades as quais dominam. E, em última instância, implica que o crime violento, sobretudo os homicídios, esteja associado fortemente ao narcotráfico e fragmenta o capital social (Fukuyama, 2000) propiciando uma escala de valores perversa, que será admitida pela comunidade como sendo um comportamento moralmente aceitável o que tenderá a perpetuar a violência.

 

Rubio (1999) marca uma ruptura entre os estudos sobre a violência na Colômbia ao refutar mitos e lugares comuns presentes em diversos estudos sobre o tema. A violência como fato fortuito, causado principalmente por rixas, para o autor supracitado, é pertinente apenas para uma parte reduzida dos homicídios em Colômbia, mais precisamente, nos lugares mais pacíficos do país. Mostra com dados do departamento de Medicina Legal, que os homicídios ocorrem em lugares com bons indicadores socioeconômicos, o que indica que a criminalidade não esta condicionada a fatores de desigualdade e pobreza. O autor argumenta que não é factível pensar que a violência seja gerada por indivíduos “forçados a delinquir” pela pobreza, a desigualdade, a falta de acesso ao mercado de trabalho e, de forma geral, uma situação pouco favorável nessas circunstâncias.

 

Rubio mostra que as maiores taxas de violência estão justamente nas cidades de maior desenvolvimento socioeconômico e com indivíduos com maior acesso a educação e ao emprego e onde essas cidades acomodam maiores confluências de organizações criminosas (guerrilha, paramilitares e narcotráfico).

 

Dessa forma, o autor afirma, baseado em dados, que nove de cada dez populações com a maior taxa de homicídios em 1995 se reportaram a presença guerrilheira, em sete de cada dez se reportaram a presença de narcotráfico e um pouco menos, presença de grupos paramilitares (semelhante as milícias no Brasil). 93% dos homicídios registrados em Colômbia no ano de 1995 ocorreram em cidades onde se teve a presença marcante de alguma das três organizações criminosas.

 

Rubio (1999) também aponta a ineficiência da justiça penal como ponto importante no robustecimento da criminalidade violenta. O congestionamento de despachos e processos contribui para a impunidade, bem como a ineficácia da polícia em proceder com as investigações. Baseado em dados do sistema de justiça e da polícia, Rubio chega as seguintes conclusões sobre as causas da criminalidade violenta em Colômbia:

 

a.             O deficiente desempenho da justiça penal tem incentivado os crimes e corroborado para o aumento do comportamento violento;

b.             Os fenômenos violentos, propiciados por grupos armados, tem contribuído para a paralisia do sistema penal mediante pressão direta e indireta dos atores dessas organizações sobre o sistema de justiça colombiano.

Echandía (1999) proporciona um trabalho que apresenta um seguro aporte empírico. Oferece uma análise que busca entender a distribuição geográfica da violência com um possível suporte de variáveis explicativas para isso. Segundo Echandía os municípios com elevados índices de violência não se encontram dispersos por todo o território colombiano, mas sim fazem parte de um conjunto que cresce na medida em que crescem os atores que promovem a violência. O autor argumenta que existe uma alta correspondência entre altos índices de violência e a presença de organizações armadas ilegais. Dessa forma, dos 342 municípios com elevadas taxas de homicídios, 284 (83%) tem presença da guerrilha, enquanto 152 tem a presença de grupos paramilitares. A presença de tais atores armados por si só não é a causa única das altas taxas de violência, pois a simples presença deles fragiliza o sistema de justiça penal que fica congestionado pelas pressões diretas e indiretas desses atores, desqualificando o processo punitivo, aumentando a impunidade.

 

A maioria dos trabalhos aqui analisados apresenta como principal argumento a relação/associação/correspondência entre as taxas de violência e criminalidade (Proxy=homicídios) com a presença de grupos criminosos e a ineficiência do aparato coercitivo, enquanto os aspectos estruturais são colocados em segundo plano. Essa literatura reforça o papel do estado (e suas políticas públicas em segurança) como principal aspecto para a redução da criminalidade e da violência a curto e médio prazo.

 

1.1.3 Os determinantes das taxas de homicídios nas grandes cidades colombianas

 

Sanchez e Méndez (2007) elencaram algumas variáveis independentes para testar as taxas de homicídios (variável dependente) nas principais cidades colombianas e suas regiões metropolitanas.  Utilizando técnica de regressão estimada em Mínimos Quadrados Ordinários avaliaram o impacto do Coeficiente de Gini, a percentagem de lugares pobres e a população da cidade (variáveis de caráter socioeconômico) e, também, a densidade do narcotráfico, a ineficiência na luta contra o narcotráfico e a taxa de prisões por homicídios (variáveis institucionais) em relação às taxas de homicídios (Cf. tabela 2).

 

Tabela 2. Determinantes das taxas de homicídios em sete cidades principais colombianas

 

Variáveis

Regressão-1

Regressão-2

Regressão-3 WTLS

constante

-0,685

-1467***

-0,116

Variáveis socioeconômicas

 

 

 

Gini

-0,734**

-1026***

-0,846

% lugares pobres

0,148

-0,014

0,339*

População

0,048***

0,079***

 

Variáveis de justiça e narcotráfico

 

 

 

Densidade do narcotráfico

0,139***

0,181***

0,075**

Ineficiência na luta contra o narcotráfico

 

0,039*

0,052

Taxa aprisionamento homicídios

-0,093***

 

 

R2

0,83

0,812

-0,878

N

147

105

105

 

Fonte: Sanchez e Méndez (2007: 45).

 

Os resultados dos autores mostram que o efeito do Coeficiente de Gini sobre a taxa de homicídios nas grandes cidades é negativo, ou seja, a relação é inversa. Quanto mais distribuição de renda, mais violência. O que se choca com boa parte da literatura sociológica (Beato e Reis, 2000). Por outro lado, a linha de pobreza tem efeito esperado estatisticamente, apesar de não ter grande significância. Não houve relação entre variáveis de mercado de trabalho, como emprego e salários, e as taxas de homicídios.

 

A variável densidade do narcotráfico tem sinal esperado sobre a taxa de homicídios sendo, dessa forma, altamente significativa. Assim, um incremento de 1% na renda por narcotráfico per capita incrementa a taxa de homicídios em 0,18%. A ineficiência no combate ao narcotráfico, que os autores apontam como sendo ao mesmo tempo uma variável que mede a eficácia da justiça, apresentou sinal esperado sobre as taxas de homicídios. Dessa forma, um incremento percentual de 1% no valor desta variável incrementa a taxa de homicídios em 0,03%. O efeito da população sobre as taxas de homicídios apresentou-se positiva, como se espera alguns estudos sobre violência e crime e demografia (Mello e Schneider, 2009). Assim, se a população aumenta em 1% a taxa de homicídios sofrerá incremento de 0,07%.

 

Avaliando o choque das variáveis independentes apontadas em relação ao incremento nas taxas de homicídios, Sanchez e Méndez (2007) apontam que mais de 90% da explicação para tal incremento nas taxas está ligada a renda proporcionada pelo narcotráfico. A ineficiência da justiça não chega a 5% e a pobreza mesmo a 1%. Analisando o impacto de diversas variáveis independentes em relação aos homicídios nos municípios colombianos, os autores chegaram a algumas conclusões importantes:

 

a.             A presença de atores armados (FARC) se mostra relacionada positivamente com as taxas de homicídios. Os resultados dos modelos econométricos mostram que um incremento da presença desses grupos por cada dez mil habitantes aumenta as taxas de homicídios em 1,8 e 4,2;

b.             A densidade do narcotráfico, medida pela renda proporcionada de forma per capita, tem um efeito positivo sobre as taxas de homicídios;

c.             A ineficiência no combate ao narcotráfico (Proxy de taxa de impunidade), medida pela renda do narcotráfico sobre prisões por este delito, tem um efeito positivo sobre as taxas de homicídios. Um incremento de um ponto neste indicador eleva a taxa de homicídios entre 4,4 e 9,4 pontos. Este resultado implica que a ineficiência da justiça, ao diminuir a probabilidade de punição, incide positivamente sobre o crime. As interações entre atores armados e a intensidade do narcotráfico constituem uma mescla que exacerba a violência. Assim, um aumento de um ponto no indicador de interação entre a FARC com o narcotráfico eleva as taxas de homicídios em 0,41, enquanto o aumento de um ponto na interação ELN e narcotráfico aumenta em 0,75 as taxas de homicídios;

d.             Uma maior cobertura educacional diminui as taxas de homicídios. E a presença de outros grupos guerrilheiros também incrementa as taxas de homicídios.

Sánchez e Méndez (2007) inferem afirmando que a investigação sobre a violência em Colômbia obedece a características especiais originadas na existência de grupos armados, atividades ilegais, ineficiência da justiça e nas diversas interações entre estas variáveis. A pobreza, a desigualdade e a exclusão social não produzem em Colômbia uma violência diferente da que pode produzir em outros países ou regiões. Neste sentido, a solução para os problemas de precários níveis de vida, de acesso aos serviços sociais e de baixa participação e representação política de muitos grupos sociais é um objetivo desejado do ponto de vista de políticas públicas e se deve lutar por isso. Não obstante, ligar o desaparecimento dos problemas da violência a superação dos problemas relacionados a pobreza, desigualdade e exclusão é uma estratégia equivocada a luz da evidência empírica apresentada em suas investigações aqui resumidas.

 

2. As políticas públicas em Bogotá e Medellín

 

Bogotá e Medellín apresentam-se como casos exitosos na redução de suas altíssimas taxas de homicídios. Em meados da década de noventa os números absolutos de homicídios em Medellín superavam os 5.200, enquanto em Bogotá superava os 3.600, com taxas por cem mil que superavam 250 e 80 respectivamente. Em matéria publicada pela revista Veja em junho de 2000 o seguinte título ilustrava o caso colombiano: “Na Colômbia o crime já venceu”. Bogotá e Medellín como duas cidades de domínio quase que irrestrito dos cartéis da droga e dos grupos guerrilheiros.

 

Em 2000 era essa a realidade colombiana:

 

Nosso vizinho mais violento atingiu um padrão de criminalidade sem precedentes, a ponto de 40% do território do país estar entregue a narcotraficantes, paramilitares e aos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), um fóssil venenoso da Guerra Fria. Como conseqüência desse processo de ocupação, estima-se que quase 2% da população – 800.000 pessoas – tenha abandonado o país nos últimos dez anos com medo da violência. Calcula-se que 1,5 milhão de camponeses fugiram da violência no campo para engrossar as favelas das grandes cidades. Um terço desse total está na capital, Bogotá. É o terceiro maior número de refugiados internos no mundo. Só perde para Angola e Sudão (Lores, 2000).

 

A Colômbia continua sendo um país extremamente violento. Mas, o que levou essas duas cidades colombianas a derrubarem tão expressivamente seus indicadores de violência? Seguindo a tese de Sanchéz TORRES et ali (2007), o trabalho intenso no combate ao narcotráfico, aos grupos guerrilheiros e aos grupos paramilitares foi ponto chave nas políticas públicas de Bogotá e Medellín. Políticas preventivas parecem ter tido algum efeito, não obstante poucos estudos com algum grau de sofisticação empírica (Acero Velasquéz, 2006).

 

Soares (2008) assim avalia os resultados obtidos nessas duas cidades colombianas:

 

a.os dados sobre Bogotá demonstram que, quando uma política pública acertada passa de política de governo a política de Estado, há benefícios evidentes, há continuidade. O número absoluto de homicídios decresceu ano a ano entre 1994 e 2004, de 3.664 para 1.571.

 

b. o mesmo é válido para Medellín, uma experiência menos conhecida que a de Bogotá, e que reduziu ainda mais o número de homicídios, de 5.284 para 1.517 no mesmo período; porém, a redução não foi linear, nem por amplo período, como em Bogotá: houve uma redução modesta de 1994 a 2002 e uma grande baixa de 2002 para 2003 e desse ano para 2004, o que leva o analista a suspeitar de que houve pelo menos dois conjuntos de políticas, um moderadamente exitoso e outro muito exitoso; outro conjunto de dados também mostra um decréscimo acelerado, mas os momentos variam. O estudo de Cardona e outros (2005), mostra um acelerado descenso das taxas de homicídio em Medellín, de aproximadamente 375 em 1992/1993 para pouco mais de 150 em 1998/1999, uma das maiores reduções da história do crime. É preciso não esquecer que, em Medellín, o confronto entre os narcorrevolucionários e os para-militares foi intenso (ib idem, 2008: 163-4).

 

É evidente a defesa da tese das políticas públicas de segurança por parte de Soares (2008), o que não fica evidenciado em termos de dados mais consistentes para a defesa de tal argumentação. Não obstante, sabe-se que os trabalhos executados por Sánchez e Méndez (2007) – visto resumidamente nas seções anteriores -, sustentam a presença do estado como fator determinante para a redução das elevadas taxas de homicídios em diversos municípios colombianos, principalmente no confronto as narcoguerrilhas.

 

Hugo Acero Velasquez (2006) reforça a tese das políticas públicas de segurança como fator determinante para a redução da violência em curto espaço de tempo. Baseado em um conceito de segurança cidadã (ONU-PNUD), esse autor aponta para as políticas bem sucedidas em Bogotá e Medellín. A importância da sequência das políticas em Bogotá, num curso de nove anos, é colocada como ponto nevrálgico no sucesso dessa cidade colombiana no confronto da criminalidade e da violência. Um programa unificador, o Programa Departamento e Municípios Seguros, de caráter nacional, amplia o papel da polícia nacional em parceria com os Ministérios do Interior e da Justiça e de Defesa na elaboração das estratégias a serem seguidas nas diversas localidades.

 

Velasquez (2006) destaca o fracasso das políticas de segurança numa perspectiva histórica, ressaltando o papel pouco democrático das instituições coercitivas que utilizavam de métodos repressores sem a implementação de políticas preventivas em suas conjunturas. A ausência de estratégias, gestão e cumprimento de metas aliadas a uma política de segurança cidadã estariam na raiz dos problemas relacionados às políticas públicas de segurança em Colômbia.

 

Nos dizeres de Velasquez (2006):

 

Esta falta histórica de gestão estatal da segurança e, de maneira particular, da segurança cidadã, foi refletida na obscuridade com relação ao conceito e à gestão da ordem pública, a qual é equiparada comumente aos problemas do conflito armado e não ao conceito de ordem do público, que pode ser alterada não apenas por ações de grupos armados à margem da lei, mas também por ações do narcotráfico, da delinqüência organizada e comum, bem como por atos de corrupção (ib idem, 2006: 188).

 

Bogotá é um exemplo de caso exitoso onde suas políticas de segurança de gestão local da convivência e da segurança cidadã seriam os motivos para tal êxito (Acero Velasquez ; 2006). O autor defende o argumento no qual os homicídios foram reduzidos em Bogotá tendo como principal causa as políticas de segurança cidadã que foram implementadas pelos prefeitos Antanas Mockus e Paul Bronberge (1995-1997), Enrique Peñalosa (1998-2000) e, novamente, Antanas Mockus (2001-2003). Tais gestores assumiram a gestão dos problemas de segurança e convivência, cumprindo as disposições da Constituição[4] e legislação vigente. A partir de 1995 a Administração Distrital elaborou e implementou um plano integral de segurança e convivência, além das funções de controle das atividades delitivas por meio do uso legítimo da força coercitiva, executou uma série de programas orientados à prevenção e à melhoria da convivência cidadã. Velasquez afirma que esse plano foi responsável pela redução dos índices de homicídios na cidade de Bogotá, que passou de 4.352 homicídios em 1993 para 1.582 em 2004.

 

No entanto, Velasquez (2006) aponta para vários projetos, baseados em estudos científicos, que foram executados na cidade de Bogotá e que vieram a fortalecer a segurança pública e a melhorar os espaços públicos, dessa forma, diminuindo a violência e a criminalidade. Baseado em sete pontos, esses projetos tiveram várias perspectivas, invadindo o espaço público e efetivando políticas públicas coerentes e que buscam cumprir metas. Os sete pontos: 1. Gestão institucional do município; 2. Informação confiável (a importância dos dados estatísticos); 3. Plano de segurança e convivência; 4. Criação de infra-estrutura administrativa e destinação de recursos humanos, técnicos e financeiros; 5. Fortalecimento da Polícia Metropolitana; 6. Prestação de contas, avaliação e acompanhamento (accountability); e 7. Avaliação externa.

 

No espaço aqui, vou ser arbitrário elencando alguns projetos que se mostraram importantes para o combate a violência e ao crime nessa cidade e que tem algum dado que possa lhe dar alguma sustentação. Os programas serão elencados de acordo com os sete pontos relevados acima:

 

1.             Gestão institucional do município[5]:

Desde 1995 os prefeitos assumiram a liderança e a coordenação da política pública de segurança cidadã da cidade. O decreto 2.615 de 1991 organizou os Conselhos Departamentais de segurança. Criou os Conselhos Regionais de Segurança e os Conselhos Metropolitanos de Segurança, facultando aos governadores a autorização de Conselhos Municipais de Segurança, também criando os Comitês de ordem pública. Esses conselhos são compostos pelo Prefeito, o Comandante da Guarda Militar, o Comandante da Polícia, o diretor seccional do Departamento Administrativo de Segurança (DAS), o delegado do Procurador Geral da Nação, o diretor Seccional de Ordem Pública e Secretaria de Governo.

 

Essa estrutura permitiu que fosse dada prioridade à proteção da vida e que fossem levados a cabo projetos que melhoraram a convivência, a segurança e a coordenação interinstitucional. O Conselho de Segurança da cidade, que engloba todas as instituições formalizadas pelo decreto 2.615 acima delineado, teve funcionamento mensal. Tal conselho foi ampliado, mantendo reuniões a cada três meses, onde passou a ter a presença de dezenove comandantes de postos policiais, os comandantes das unidades especiais da Polícia Metropolitana de Bogotá e algumas entidades do Distrito – dentre elas as Secretarias de Saúde, Educação e Trânsito e o Instituto Distrital de Cultura e Turismo.

 

O trabalho em conjunto, provocado sob o novo desenho institucional, gerou cooperação entre as entidades e as instituições envolvidas, fazendo com que o mecanismo de gestão tivesse uma racionalidade mais efetiva em termos de políticas de segurança que levassem em consideração a conjuntura local.

 

2.             Informação confiável:

Como vem se apresentando em diversas áreas das políticas públicas e de gestão, a informação e os dados estatísticos se tornaram mecanismo imprescindível para a aplicação de políticas e de recursos públicos. Saber da realidade sem dados é praticamente impossível aplicar políticas públicas. Dessa forma, a informação passou a ser de fundamental importância para a aplicação das políticas públicas de segurança na cidade de Bogotá.

 

Sem informação detalhada dos atos de violência e delinquência, afirma Hugo Acero Velasquez, era muito difícil realizar análises, tomar decisões e avaliar as ações executadas para o enfrentamento dos problemas de segurança e de cidadania. Dessa forma, foi criado o Sistema Unificado de Informação de Violência de Delinquência (SUIVD), com informação da Polícia Metropolitana e do Instituto Nacional de Medicina Legal. Daí, a partir do SUIVD, desenvolveram-se estudos e diagnósticos de violência e insegurança, o que permitiu conhecer as problemáticas e planejar ações focalizadas.

 

3.             Plano de segurança e convivência:

A partir de 1995 foi colocado em execução um plano de segurança e convivência com projetos, programas e recursos voltados a fortalecer a ação da Polícia Nacional e das autoridades de justiça e a prevenir os atos de violência e delinquência que afetavam a segurança e a convivência dos cidadãos. Esse plano não descartou a atuação coercitiva do aparato de justiça, mas deu relevância, também, a uma cultura cidadã e de limitações de espaços propícios a comportamentos incivilizados.

 

A justiça mais próxima ao cidadão, com a implementação de programas de justiça alternativa, objetivando a solução pacífica e célere de conflitos entre particulares e no interior dos lares. Com o fortalecimento da justiça punitiva os conflitos tenderam a diminuir. O fortalecimento das delegacias de família foi um ponto importante citado por Velasquez como contraponto ao combate a violência, sobretudo aquela interna aos ambientes familiares. A formação de mais de dois mil e quinhentos líderes comunitários que se converteram em mediadores comunitários e a ligação da justiça nesse sentido, apresentaram-se como políticas importantes.

 

A punição foi refletida no aumento das prisões e detenções. A Procuradoria Geral da Nação, o Instituto Nacional de Medicina Legal, a Polícia Metropolitana e de Trânsito e a Inspeção de Polícia, passaram a trabalhar em conjunto e com políticas alinhadas nesse sentido. A Procuradoria e a Medicina Legal definindo de maneira rápida a situação de pessoas indiciadas, a Unidade Permanente de Justiça (UPJ), órgão que abrange as instituições aqui destacadas, quando passou a funcionar em seus dois primeiros anos conseguiu colocar à disposição da justiça mais de 30 mil pessoas que haviam cometido delitos. Igualmente, puniu-se com prisão provisória, mais de 150.000 infratores, dos quais foram apreendidas armas de fogo e instrumentos perfuro-cortantes. Nessa direção, foi ampliada a capacidade da Cadeia Distrital de Bogotá que passou de 450 lugares para 1.100, com instalações modernas. Nessa cadeia foi implementado um programa de ressocialização que se afasta das concepções tradicionais, no sentido de humanizar o detento. Com tais programas, foi reduzida a violência nas penitenciárias de Bogotá, onde, nos últimos seis anos foi registrada apenas uma morte violenta (suicídio) no âmbito do sistema. Contrastando significativamente com outras unidades prisionais fora de Bogotá, onde muitas apresentaram centenas de homicídios por ano.

 

O foco na variável juvenil é outro ponto de tais políticas. A atenção de políticas públicas de prevenção e educação aos jovens em situação de risco. Se baseando na teoria das janelas quebradas (Kelling e Coles, 1997), o Programa Missão Bogotá centralizou sua intervenção na recuperação de espaços degradados no intuito de melhorar a convivência entre os usuários desses espaços. Alguns moradores de rua foram transformados em “Guias Cívicos”.

 

O programa Renovação Urbana teve como intuito renovar esses espaços, combatendo comportamentos incivis e limpando esses lugares de práticas delitivas e delinquentes, como o tráfico e o consumo de drogas e de álcool.

 

Ponto importante diz respeito ao fortalecimento da investigação criminal. Em conjunto com o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), a Procuradoria Geral da Nação, o Instituto de Medicina Legal, a SIJIN[6] e a DIJIN[7] da Polícia Nacional, desde 2002, foram realizados, no campo da investigação criminal, diversos cursos de atualização dos conhecimentos da polícia judiciária e de padronização dos procedimentos de polícia para a inspeção do lugar de comissão dos atos delitivos, buscando prover os Promotores com maiores elementos para iniciar uma investigação e levá-la a cabo em bons termos. Apesar do reforço colocado pelo autor, não foi disponibilizado dados quantitativos dessas investigações para o fortalecimento de seu argumento[8].

 

4.             Criação de infra-estrutura administrativa e destinação de recursos humanos, técnicos e financeiros:

5.              

Em 1997 foi criada a Subsecretaria de Assuntos para a Convivência e para a Segurança Cidadã, submetida à Secretaria de Governo. Essa subsecretaria contou com recursos[9] para o fortalecimento dos organismos de segurança e justiça. Essa instituição conta com três diretorias, a Diretoria de Direitos Humanos e Apoio à Justiça, a Diretoria de Segurança e a Diretoria de Cadeia Distrital. Segundo Velasquez, esse novo desenho institucional garantiu o processo de institucionalização continuada da gestão em segurança cidadã.

 

6.             Fortalecimento da Polícia Metropolitana:

Em Colômbia houve um forte investimento na área de segurança, as administrações distritais aumentaram significativamente o orçamento para fortalecer as instituições policiais. Passou-se de 12.157 milhões de pesos investidos pela administração de Jaime Castro (1992-1994) a 49.533 milhões no primeiro governo de Antanas Mockus (1995-1997). A administração de Enrique Peñalosa investiu 116.107 milhões (1998-2000) e o último governo de Antanas Mockus investiu 111.605 milhões de pesos (2001-2003) (Acero Velasquez, 2006: 200).

 

Com a implementação crescente desses recursos foi possível executar várias estratégias nas áreas de comunicações e mobilidade[10], infra-estrutura, fortalecimento do talento humano[11], participação comunitária[12], gestão do trânsito, Polícia Comunitária[13], menor número de policiais para a administração e maior para a vigilância e as zonas seguras.

Nesse penúltimo ponto das estratégias conta um dado importante: o aumento do efetivo fazendo trabalho de rua[14]. Com isso, o dado exposto por Velasquez demonstra, apesar de frágil em termos quantitativos, que a maximização de policiais por habitante é fundamental. O autor afirma que hoje mais de 1.500 policiais que faziam tarefas burocráticas foram designados para tarefa de vigilância e segurança externa.

No que tange as zonas de segurança, foram definidas 28 quadras da cidade como pontos estratégicos para a aplicação da vigilância e da segurança cidadã. Foi inspirado no modelo de “equipes do bairro” que é utilizado pela Polícia Comunitária e de Proximidade, da Espanha. Esse programa é mais uma tarefa conjunta das autoridades Distritais, com a Polícia Metropolitana e o setor privado, já que as zonas são especialmente em áreas comerciais de alto fluxo de pessoas.

 

7.             Prestação de contas, avaliação e acompanhamento (accountability):

Apesar de afirmar que há uma prestação de contas, accountability, por parte da gestão, não há uma clara dimensão das informações no documento elaborado por Hugo Acero Velasquez. Contudo:

Com base nas análises da informação do Sistema Unificado de Informação de Violência e Delinqüência (SUIVD), bem como nas investigações e reuniões periódicas interinstitucionais, fazia-se acompanhamento e avaliação. Os resultados da política de segurança eram avaliados, pelo menos uma vez ao mês, pelo Conselho Distrital de Segurança, presidido pelo Prefeito Maior e com a participação do Comandante da Polícia Metropolitana, o Promotor Seccional, o Vice-procurador da nação e outras autoridades de segurança e justiça. (Acero Velasquez, 2006: p.203).

 

8.             Avaliação externa:

O setor privado, a imprensa e a sociedade civil acompanham os direcionamentos dos planos de segurança da cidade. Há a afirmação de uma série de pesquisas de vitimazação que acompanharam a percepção do cidadão de Bogotá, que demonstra satisfação da sociedade com os planos de segurança da cidade. Não obstante, não fora citada tais pesquisas para uma possível avaliação.

 

 

Medellín teve um caráter diferente de Bogotá, pois ali os cartéis da droga, os guerrilheiros urbanos e os grupos paramilitares foram fatores determinantes para a escalada da violência nos anos noventa (Sanchéz et al, 2006; Soares, 2008). A superação do conflito armado urbano e a aposta na segurança cidadã foram colocadas como variáveis determinantes por Acero Velasquez (2006) em seu documento ao PNUD.

 

Dessa forma, em agosto de 2002 foi tomada a decisão de intervir em um dos setores em disputa pelos grupos armados ilegais e no qual predominava as guerrilhas das FARC, a chamada comunidade 13. A participação do prefeito juntamente aos organismos de segurança e justiça foi imprescindível nesse programa. Após a intervenção das diferentes agências de segurança e justiça do estado, a comunidade passou a registrar 173 homicídios no ano de 2004, em contraposição a 717 registrados em 2003. O uso legítimo da força marcou o começo do retorno da institucionalização dos territórios dominados pelos grupos guerrilheiros, delinquentes e paramilitares.

 

O fortalecimento da Polícia Metropolitana foi fundamental para se fazer presente junto as comunidades, que sofriam (e ainda sofrem) da desconfiança em seus agentes. A presença constante desse aparato nas comunidades criou espaços interinstitucionais de justiça, aproximando o cidadão para alternativas de solução de conflitos e de programas diversos de prevenção, fortalecendo a confiança e accountability nas polícias. Com isso, lugares que até então a polícia não conseguia entrar, passou a ter rondas de policiais patrulhando aqueles locais[15].

 

Sendo assim, o fortalecimento do aparato coercitivo e a redução das atividades dos grupos fora da lei foram determinantes para a redução da violência homicida na cidade de Medellín, que passou de uma taxa superior aos 170 homicídios por cem mil habitantes em 2002, para uma taxa inferior aos 60 em 2004. O que continua diminuindo. Portanto, a presença do estado em espaços antes abandonados por ele e o confronto as incivilidades e aos grupos criminosos, aumentam a confiança do cidadão nas instituições e vem a fortalecer o estado democrático de direito.

 

Apesar das informações constantes das políticas públicas de segurança em Bogotá e Medellín apontarem para um efetivo sucesso e, mais, continuidade de gestão independentemente das mudanças políticas que mudam os governos, não há uma consistência estatística para averiguar até que ponto tais políticas foram determinantes para a redução da violência, sobretudo dos homicídios, nas duas cidades. Contudo, há de verificar com os dados trabalhados por Sanchez e Méndez (2007) que a eficácia do setor estatal aparece como ponto balizador na redução dos homicídios, já que, além de ser responsável pela prevenção da criminalidade e pela aplicação da punição, o aparato estatal de segurança tem papel fundamental no confronto e desbaratamento dos grupos guerrilheiros e de narcotraficantes que aparecem como a principal variável no impacto dos homicídios em Colômbia.

 

Considerações Finais

 

Aqui foram levantados alguns pontos, importantes, a respeito do êxito alcançado pelas duas principais cidades colombianas a partir de meados dos anos noventa. Vimos que a análise minuciosa de dados e estudos científicos, com base em dados minimamente confiáveis, é o que faz a diferença entre o sucesso e o insucesso de politicas públicas de segurança. Tem pouco espaço para “achismos” e ideologias materialistas de botequim.

 

Estes apontamentos aqui elencados podem e devem servir como parâmetro de políticas públicas em segurança para os municípios nordestinos. Estes atravessam graves crises de segurança e, o que é pior, são carentes de bons gestores e de bons representantes em suas câmaras para fazer valer a ciência e o desenvolvimento tecnológico como pontos fundamentais para a boa gestão da coisa pública.

 

 

 

José Maria Nóbrega é doutor em Ciência Política pela UFPE e professor Adjunto II da UFCG

 

 

 

Bibliografia:

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[1] Seção 4.1 Las Cuentas de la Violência: o caso colombiano.

[2] Para uma visão histórica dos grupos guerrilheiros na Colômbia, sugiro a leitura do livro La esquiva terminación del Conflicto Armado en Colombia de autoria de Carlos Alfonso Velásquez Romero. Editora Carreta Política. 2011.

[3] Tendo como base teorias marxistas.

[4] As disposições legais de segurança pública inseridas na Constituição de 1991 da Colômbia afirmam ser de responsabilidade dos governos locais, municipais, a questão da Segurança Pública. Para saber mais detalhes legais ler Acero Velasquez (2006).

[5] A literatura especializada vem apontando para o papel do município como ator importante no confronto à violência e à criminalidade, por exemplo, em Khan e Zanetic (2009) e Ferreira et al (2009).

[6] Seccional de Investigación Criminal de la Policía.

[7] Dirección Central de Policía Judicial e Inteligencia.

[8] Contudo, dados do DHPP de São Paulo e de Pernambuco mostram relação significante entre produção de inquéritos e diminuição dos delitos (NÓBREGA JR, 2010 e 2012).

[9] Dados dos recursos não disponíveis no documento original.

[10] A modernização do CAD (Centro de Despacho automático) resultou em uma diminuição substancial nas respostas às chamadas dos cidadãos. Passou-se de 20 minutos em média de resposta para 5 minutos. A partir de 1999, cada policial na rua contava com um rádio de comunicação, o que facilitou o trabalho de comunicação na policia. Antes, em 1995, foi iniciada a modernização e ampliação do parque automotivo (Velasquez, 2006: 200).

[11] A perspectiva apresentada era da melhoria intelectual do corpo policial. As capacitações abordaram temáticas relacionadas aos direitos humanos, gestão pública e privada, segurança e convivência cidadã, padronização de procedimentos, dentre outros (Ib idem, 2006: 201).

[12] O Comando da Polícia Metropolitana executou diversos programas especiais nesse sentido. As Escolas de Segurança Cidadã passaram a capacitar líderes comunitários para trabalharem de forma coordenada com as autoridades na prevenção da violência e delinqüência. Mais de 26.000 líderes comunitários foram formados nessas escolas. Em 1995 foram criadas as Frentes Locais de Segurança, organizações de caráter comunitário que integram vizinhos por diversos setores geográficos da cidade. Com essas frentes buscou-se o enfrentamento ao medo e apatia que as diversas ações violentas e de delinqüência acometiam na sociedade. Hoje existem mais de 7.000 dessas organizações (idem, 2006: 201).

[13] Seu objetivo é aproximar a polícia da comunidade e propiciar uma cultura de segurança cidadã no bairro ou setor designado, por meio da integração entre administração local, a polícia e a comunidade em busca da melhoria da qualidade de vida. Segundo um estudo realizado no ano de 2000 pelo Instituto de Desenvolvimento Humano da Pontífica Universidade Javeriana, 96,4% dos entrevistados afirmaram que a Polícia Comunitária é uma alternativa eficaz na redução dos delitos e melhoria da convivência cidadã (idem, 2006: 202).

[14] Efetivos policiais por cem mil: Lisboa 43, São Paulo 382, Bogotá 147 e Pernambuco 201 (PMs), para o ano de 2004. Dados em Acero Velasquez (2006) e NÓBREGA JR (2010) Capítulo 3, página 114.

[15] Em viagem recente a Bogotá, tive a oportunidade de ver isto na prática. As 3 horas da manhã, a Policia Nacional fazia rondas em bares e restaurantes em zonas consideradas de risco na Cidade.


Data: 01/10/2013