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Artigo - A criação da ADUFPB-CG : o providencial chope do Tertuliano

Wagner Braga Batista

 

De modo sintético, procuraremos resgatar alguns fatos curiosos sobre o processo de criação da primeira entidade proto-sindical de docentes do ensino superior na Paraiba, a ADUPB-CG. Voltaremos a este tema oportunamente, por ocasião dos festejos do seu aniversário.

 

Por enquanto, nada de análise conjunturais e considerações políticas,  ficaremos apenas no relato de aspecto pitoresco.

 

Desde maio de 1978, alguns poucos professores discutiam informalmente a criação de  entidade de representação sindical. O objetivo imediato era agregar novos companheiros à discussão tendo em vista alcançar todos departamentos do campus II ( assim se chamava o atual campus sede da UFCG).

 

Aos poucos as conversas se materializavam em ações substantivas.

 

A informalidade inicial dava lugar à convocação de reuniões, realizadas fora do horário de expediente, prudentemente comunicadas à Pro-Reitoria para Assuntos do Interior. Tinhamos o cuidado de transparecer a oficialidade desta iniciativa, até mesmo para não alimentar temores infundados entre nossos colegas, ainda receosos de alguma medida repressiva.

 

Na virada do semestre letivo já dispunhamos de um núcleo de professores de vários departamentos capaz de formar comissão pró-Associação de Docentes e visivel sensibilidade do professorado para esta iniciativa.

 

Em agosto fomos surpreendidos com a demissão de duas colegas do Núcleo de Apoio Pedagógico- NAPE.  Divergências ideológicas acarretaram o afastamento arbitrário destas professoras, que ainda foram submetidas à difamação.  A vida pessoal destas professoras foi devassada e exposta para fundamentar o ato arbitrário praticado pela coordenação do NAPE.

 

Fato semelhante ocorreu pouco tempo depois na ADUPB-JP.

 

Outra colega historiadora, por conta de dissensões políticas, foi publicamente detratada por jornalista, Biu Ramos. O articulista insinuava em sua coluna jornalística que a única trajetória histórica conhecida pela professora era o caminho que ligava o campus de João Pessoa à praia do Poço, à época localidade erma onde se situavam os motéis.

 

Este era o tom provinciano do debate politico, encetado por oligarquias desacostumadas ao questionamento de suas estruturas de poder arcáicas e autoritárias.

 

Em Campina Grande, entidades estudantis e a comissão provisória do movimento pro-Associação de Docentes denunciaram as demissões arbitrárias, porém pouco puderam fazer para reverter este fato deplorável.

 

Passo seguinte, na reunião do Conselho de Centro de Humanidades, o Chefe de Departamento de Economia, denunciou a ação de comunistas no movimento voltado à criação da entidade de representação.

 

As demissões sumárias ameçaram professores contratados como colaboradores, destinavam-se a  prestar serviços eventuais à universidade, bem como o manifesto xenofobismo no Centro de Humanidades geraram inquietações. Aumentaram a apreensão frente a um novo quadro com possíveis hostilidades que se desenhava.

 

Percebemos que a associação emergente deveria nascer forte ou se iniviabilizaria. Portanto era preciso obter  o endosso dos professores, seja por meio da adesão, seja pelo reconhecimento de seus dirigentes. A partir desta percepção, o núcleo de professores envolvidos com a criação da entidade privilegiou a participação de professores nativos, que contribuissem para superar artificiosa dicotomia. Dizia-se veladamente que a associação de docentes representava apenas interesses residuais de professores recém contratados, procedentes de outras partes do Brasil.

 

No entanto, as reuniões agregavam forças, envolviam colegas de novos departamentos, agora, oportunamente, matizados pelas  raízes locais.  Deste modo, seus ativistas não eram mais vistos como “estrangeiros”, depreciados por representantes de oligarquias locais, que viam a universidade pública como simples cabide de empregos. 

 

Aos poucos se configurava o perfil de uma entidade democrática, autonoma e comprometida com a defesa de direitos dos professores.

 

Por cautela, o estatuto da associação impedia a duplicidade de funções. Nenhum diregente sindical poderia exercer atividade administrativa na universidade.  Acautelavamo-nos frente ao que ocorerra na Universidade Federal Rural de Pernambuco, na qual a reitoria promovera  intervenção branca constituindo chapa com membros da adminsitração para exercer influência no nascedouro da associação docentes.

 

Chegara o momento decisivo: a Assembléia de fundação da entidade.

 

Consubstanciava um salto de qualidade na discussão processada. Testaríamos a receptividade dos professores e iniciaríamos um processo de debate público autonomo.

 

Em meio à expectativa e  à tensão surgiram duas reações imprevistas. De um lado, um grupo residual de professores, que se manteve à margem do processo de discussão coletiva, reivindicava mais tempo para debater a entidade. Involuntariamente, somava-se a outro agrupamento que arquitetava o aborto da associação de docentes.  De forma sutil pretendia a dissolução do movimento pro-associação de docentes canalizando-o para outro desaguadouro.

 

Os primeiros pretendiam retardar a criação da entidade. Propunham a um novo prazo para  discussão do Estatuto, inconscientemente somava forças com aqueles que arquitetavam a dissolução da associação de docentes no nascedouro.

 

Muitos dos professores presentes talvez estivessem se vendo e se conhecendo naquele contexto. A convivencia academica era esparsa e ocasional. Fora do espaço departamental,  era bastante restrita.

 

A estranheza de alguns presentes acentuava-se diante do fato de que articuladores desta iniciativa eram “estrangeiros”, como se dizia à epoca.

 

O assomo de termos e de sotaques diferenciados, numa época em que os canais de comunicação reduziam-se às sessões de cinema, as programações de rádio e às transmisões precárias de programas da rede Globo, pela TV Borborema, certamente causavam estranheza aos colegas nativos.

 

Neste quadro, não podiamos alimentar dúvidas, nem confundir ainda mais nossos apreensivos colegas. .

 

Desde a preparação da Assembléia tinhamos plena consciencia que haviamos surpreendido  possiveis oponentes da entidade.  Superada a surpresa inicial, poderíamos enfrentar sérias dificuldades para levar adiante esta iniciativa.  Porém não nos resguardáramos para o que adviria.

 

No curso da Assembléia, duas intervenções imprevistas quase nos fizeram perder o norte. 

 

A primeira de professor da antiga FURNE que, inesperadamente, surgiu na Assembléia e se apresentou como dirigente de entidade representativa dos professores de Campina Grande.

 

Informou-nos que presidia uma associação de professores naquela instituição universitária, que não caberia a criação de outra entidade.

 

A segunda de duas professoras, uma delas vinculadas ao grupo que demitira as colegas do NAPE. Alegavam que estaríamos agindo de forma discricionária à revelia do interesse dos professores, que constituíamos uma entidade de representação sem que fossem consultados.

 

A mesa composta por integrantes da comissão provisória se dividiu. Dois colegas, um por hesitação, outro por inexperiência, sentiram-se coagidos pela forma ameaçadora como a professora nos interpelava..

 

Não tivemos dúvida em desautorizar o pronunciamento agressivo e descabido da colega. Acompanhada de adepta, após a manifestação da mesa, retiraram-se do recinto em protesto. Uma delas, ao sair do auditório, deblaterando contra os presentes, por pouco não bateu com o rosto na porta.

 

Esta cena hilária descontraiu os presentes e suas reações insurgentes contribuíram para unificar os 81 professores presentes no memorável auditório, hoje, mui justamente denominado,  João Roberto Borges de Souza..

 

No entanto, alguns colegas, recalcitravam. Apesar de terem se abstido de participar do longo processo de discussão, ainda insistiam na tese de que deveríamos discutir o Estatuto à exaustão. Com esta atitude, não só prejudicavam o debate com os demais professores presentes na Assembléia, como também não ofereciam um desdobramento plausível para o que propunham.

 

Foi então que o velho Tertuliano chamou todo mundo às falas.

 

Com discurso nada politizado, segundo a terminologia da época, colocou a bola no chão.

 

Asseverou que a conversa jogada fora estava botando água no chop.   Estava ficando tarde e já era hora de festejar a criação do nosso sindicato.

 

Deste modo, como se diz no futebol bem jogado, ganhou a partida em nome de todos nós.

 

Em nome da objetividade, o Estatuto foi aprovado integralmente, bem como a Diretoria Provisória da ADUFPB-CG constituida na noite de 3 de outubro de 1978.

 

A partir daí, o sindicato emergente inauguraria uma nova sociabilidade entre professores do campus II, da UFPB.  Sob os auspicios da associação, estabelecia-se uma proficua e duradoura relação entre companheiros de trabalho.

 

A seguir, o anunciado chop do Tertuliano, no antigo Bar do Alemão, selava esta promissora convivência sindical entre colegas que,  pouco antes, sequer se conheciam.

 

Sentados à mesa, professores de Sistemas, Civil, Elétrica, Matemática, Quimica, Mecânica, entre outros do CCT, imiscuiam-se e se somavam aos excêntricos “barbudinhos” da área de humanidades, até então tratados com desdouro por alguns segmentos academicos.

 

Por ironia do destino, este providencial chop do Tertuliano ainda iria render panos para mangas nos anos seguintes em acalorados embates sobre o caráter da sede social da ADUFPB-CG.

 

Mas, esta é outra estória...

 

 

 

Dedicado ao companheiro  João Tertuliano Agra

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 02/10/2013