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Artigo - A feirinha dos pequenos produtores na UFCG

Wagner Braga Batista

 

 

Em conversa com nossos amigos, pequenos produtores, reinventamos a feirinha da UFCG. Tivemos a oportunidade de rememorar alguns aprazíveis momentos da trajetória da feirinha, que compartilha conosco o espaço do campus universitário todas manhãs de quarta-feira há quinze anos.

 

Já não lembrava seu início, no ano de 1996, quando esta experiência pioneira foi instalada no Açude Velho. 

 

Por proposição de  Biu, Severino Henrique de Lima, cerca de 50 pequenos produtores constituiram a Feira dos Agricultores do Compartimento da Borborema- FEAGRO. Desde então, consolidada e disseminada em vários locais, tornou-se um evento que congrega milhares de usuários em Campina Grande. Mais do que fregueses e feirantes, são pessoas que se tornaram amigas. Que, certamente, utilizam-se do espaço generoso da feira para usufruir da conversa despretensiosa e compartilhar experiências de vida.

 

Em 1998, Venâncio, de Moura Lacerda, técnico da Emater, estimulado pelo atual prefeito do campus, Geraldo Baracuhy, teve a feliz idéia de trazê-la para a universidade.

 

Além de oferecer produtos de boa qualidade para integrantes da comunidade academica e moradores da vizinhança, a feirinha nos brinda com o convivio com estes pequenos produtores. Mostra-se também enriquecedora para estudantes, especialmente do curso de Engenharia  Agricola, que complementam sua formação com conhecimentos adicionais, obtidos por intermédio da conversa franca e direta com estes homens e mulheres da terra.

 

Na feirinha cultivamos boas amizades. Algumas ainda permanecem ativas na feira, outras migraram para localidades distantes ou novas profissões.

 

Luiz é um destes feirantes que deixa saudade.  Tornou-se psicólogo, a exemplo de outros filhos destes companheiros que ingressaram no ensino superior e, brevemente, farão jus à graduação.

 

Sob este prisma, podemos dizer que o espaço da universidade cumpriu seu objetivo.  Tornou-se um canal de reciprocidade que, por um lado proporcionou o direito de acesso à educação superior  a familiares de feirantes que, por outra lado nos completam com informações enriquecedoras e com o acesso à alimentação saudável, tão dificil nos dias atuais.

 

Outros feirantes migraram deste espaço hospitaleiro por razões outras. Adversidades, tão frequentes e  comuns a tantos agricultores, reduziram sua produção. Inviabilizam sua vinda à feira sem algum produto para oferecer.  

 

Há também aqueles que, premidos pelas mesmas dificuldades, migraram para terras distantes em busca de novas oportunidades de vida. Acidentes de trabalho e enfermidades também afastaram alguns feirantes do nosso convívio. Deixaram lembranças e são resgatados pela memória dos que permanecem em atividade.

 

Todas as quartas, religiosamente, cerca de quarenta barracas amanhecem instaladas no estacionamento frontal ao Restaurante Universitário da UFCG.

 

Nos recessos academicos e durante as greves, nossos amigos feirantes padecem  o período de vacas magras, porém não se furtam a este compromisso. Fazem-se presentes para atender aos fiéis frequentadores, professores, funcionários e estudantes da UFCG, bem como ao povo das redondezas,  que também se  incorporou à feirinha.

 

A feirinha integra a universidade à comunidade que a circunda. Aproxima pessoas distantes, que ainda vislumbram a academia como torre de marfim.

 

Como autentico espaço público, a feira não reconhece seres humanos pelo tamanho, pela cor da pele, pelas crenças, pelas posses, entre tantas outras dimensões que nos distinguem e nos aproximam. As feiras nos igualam, favorecem o relacionamento, pouco comum nos dias atuais, que não diferencia pessoas. Nela, convivemos com esta  humanidade simples e grandiosa que habita biscateiros, carregadores, arrumadores de  apetrechos, transportadores, entre tantos outros trabalhadores informais que ampliam e compõem a cenografia da  feira.

 

Não é demais repetir, as feiras são espaços públicos eminentemente democráticos, de extraordinária riqueza para a convivência social. Sou viciado em feiras, se pudesse as frequentaria todos os dias..

 

As feiras livres, tratadas com desdouro por frequentadores de shopings e de supermercados, são predecessoras de relações sociais que se cristalizaram nestes ambientes pouco convidativos. Que se tornam atrentes e ilusórios pela artificialidade de suas fachadas. Diversamente destes espaços impessoais, as feiras livres ainda nos permitem privar  da identidade, da fidelidade e da gentileza de pessoas simples. Facultam a convivencia entre seres humanos, que contradita as  relações frivolas, que irrigam os negócios impessoais por meio de  cartões de crédito.

 

Tornei-me assiduo à feirinha. Se impedido de frequentá-la, tenho dolorosas crises de abstinencia e transtornos emocionais.  Integrei a feirinha à minha dieta diária. Se não saborear e  deglutir dosagem minima de feirinha na manhã de quarta-feira, sofro de hipoglicemia. As minhas endorfinas também se mostram exigentes. Cobram-me transito e a conversa com os amigos feirantes. Estas atividades tornam-se indispensáveis, sob pena de padecer dolorosos surtos de falta de cordialidade ao longo da semana.

 

Tornei-me viciado em atitudes despretenciosas, típicas das feiras. Padeço horriveis dores e desconfortos provocados pela privação da conversa generosa, de hortigranjeiros cultivados pelas mãos destes pequenos  agricultores e do saboroso queijo de coalho do Flávio.

 

À noite fico  ensimesmado se me falta o pão artesanal, diligentemente confeccionado pelos amigos vegetarianos, hare krishnas, do restaurante Govinda.

 

Angustiado, pergunto-me pela rúcula, pelo agrião, pelo brocólis, pelos deliciosos rabanetes, pelas hortaliças sem agrotóxico, cuidadosamente cultivadas por Bolinha e seus familiares, cuja falta causa terriveis alucinações que me levam a crer que fugiram definitivamente do meu prato.

 

Esta sindrome de abstinencia está sendo aplacada depois que me transformei num jardineiro diletante.  Destes que não pegam na enxada e sentem enorme fadiga em revolver a terra com pazinhas de jardins. Encaixamo-nos neste modelo de lavrador presunsoso.

 

Depois que nos atrevemos a colocar a mão na massa e cultivar a terra, criamos novos laços com estes agricultores. Identificamo-nos, ainda mais, com suas inquietudes e nos aproximamos de seus problemas habituais.

 

Passamos a compartilhar seus transtornos, causados pelos ciclos da natureza e da economia perversa. Por estes danosos ciclos cabalisticos, pouco conhecidos pelos que trabalham em ambientes fechados e climatizados.

 

Percebemos também que a feirinha se transferiu para onde moro. Frutificou em minha casa, em meu jardim.  Lá estão seus rudimentos em ervas aromáticas, em pés de acerola, româs, baunilhas, orquídeas terrestres, em várias palmeiras, bem como em reminiscencias do guaraná e das carambolas, que não resistiram ao tempo.

 

Estes pequenos agricultores nos convidaram a integrar um novo mundo. Introduziram novos hábitos alimentares na população do compartimento da Borborema. Graças a sua produção e seu aconselhamento muitos populares puderam provar alguns alimentos pela primeira vez, até então desconhecidos nesta imensa região.

 

Contribuem para aproximar a universidade pública de sua verdadeira vocação, colocando-a em sintonia com expectativas e demandas de pessoas que, apenas recentemente, tiveram oportunidade de transpor seus muros.

 

A feira nos proporciona o enriquecedor sincretismo, decorrente da assimilação e da fusão de culturas, que, milagrosamente, ocorre todas manhãs de quarta-feira na UFCG.

 

È visivel o sentimento de júbilo de feirantes que se formam em cursos superiores, a exemplo de meu Luiz, que hoje exerce a profissão de psicologo, bem como de vários filhos de feirantes que acessam o ensino superior.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 03/10/2013