Artigo - O mais profícuo ofício dos homens Wagner Braga Batista Belo Horizonte talvez seja a cidade com maior densidade de museus. Possui aproximadamente cem museus por metro quadrado. Minas, nem se fale. É um enorme museu vivo, em céu aberto. Dentre esta infinidade de museus, o que mais me fascina é o Museu de Artes e Ofícios- MAO, que se emaranha com trens doidos e uais que transitam apressados pela Praça da Estação. Criado em 2005, dispõe de mais de duas mil peças artesanais, distribuídas em 16 seções temáticas que reconstituem a história dos ofícios no Brasil. É o único museu com estas características na América Latina. Este extraordinário acervo administrado pela Fundação Flávio Gutierrez, revela-nos várias dimensões do trabalho e dos recursos técnicos utilizados para aliviar o esforço humano. Por meio de minuciosos relatos expostos em painéis contíguos às mostras temáticas, o museu oferece-nos a panorâmica de trajetórias que resultaram na formação de campos profissionais na atualidade. Leva-nos também a pensar no caráter ambivalente das tecnologias. O uso controverso e assimétrico das tecnologias evidencia-se na entrada do Museu. Em posições opostas, temos tecnologias utilizadas para incrementar e aliviar dores humanas. Num lado, uma balança adquirida na Bahia, datada de 1767, utilizada para a pesagem de escravos, prática pouco comum no Brasil colonial. Esta tecnologia empregada para infligir tormentos e mercantilizar a vida humana contrasta com um rudimentar equipamento, exposto do outro lado do corredor. Trata-se de cadeira para extração de dores, utilizada por proto-dentistas do século XVIII, atividade que se confundia com a dos barbeiros. Na seção poeticamente denominada de jardim das energias, deparamo-nos com enormes engenhos, datados do século XVII, que transformavam a tração animal e a rotação de eixos em notáveis substitutos da força de trabalho humano. Estas máquinas primitivas permitiram que a produção agrícola crescesse extraordinariamente. Impulsionaram a geração de outras máquinas destinadas a armazenar e conservar excedentes. Por seu intermédio temos contato com a vida das pouco bucólicas primeiras unidades de produção do Brasil colonial. Nelas coexistiam a opulência de poucos e a cultura do sofrimento no eito do doloroso trabalho. Nas fazendas articulavam-se a produção agrícola, rudimentares práticas artesanais e a captação de energias livres por meio de complexos engenhos, a exemplo dos moinhos hidráulicos. De lá provêm o som das rodas d`água, de galinhas cacarejando nos terreiros e o renitente ranger das rodas de carros de boi trafegando em nossa imaginação. Por meio de seus hábitos alimentares, aprendemos que comidas de milho, o café e o aguardente não faziam mal à saúde. Diversamente do que se diz, hoje em dia, eram indispensáveis na cultura longeva, posto que nutriam a sociabilidade precária no isolamento do mundo rural. No anexo do museu encontramos minuciosas reconstituições de oficinas e ateliês, bem como de bodega e de botica, que compunham o cenário urbano do final no final do século XIX. Compreendemos a mansa lógica mineira que nos informa que o longe é logo ali. De fato, o museu nos remete ao passado para nos aproximar do presente. Para que possamos confrontar estas primorosas reminiscências com a realidade pouco auspiciosa do trabalho e do avanço tecnológico na atualidade. A leitura atenta dos recursos técnicos e das modalidades de energia também nos revela segredo resguardado por este extraordinário museu. A História condensada neste depositário da cultura nos confidencia um importante segredo. Fala-nos do mais profícuo ofício dos homens. Nos diz que todo acumulo técnico se consuma num único propósito: aliviar a canseira do trabalho, para que, deste modo, o trabalho possa se converter na força humanizadora, socializadora e emancipatória, capaz de libertar os homens das necessidades que os aprisionam.
Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG Data: 17/10/2013 |