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Artigo - O banho da indiferença

Wagner Braga Batista

 

 

Em meio a diálogo de mercadores, leiloava-se não se sabe o quê.

 

De um lado, dizia-se que estavam sendo postos à venda 60% do patrimônio nacional. De outro, o fim da insustentabilidade economica. 

 

Nesta deblateração sem fim, os surdos sentiam-se os únicos preocupados. Como tudo se negocia, supuseram que estivessem loteando seus irredutíveis direitos sociais.

 

Que naquele nebuloso pregão, estivesse em jogo uma de suas maiores conquistas, a universalização da Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS.

 

O colapso do neoliberalismo não significou necessariamente a abolição de seus métodos, de suas artimanhas.

 

Todos, involuntariamente ou não, sentímos ameaçados nossos direitos. 

Com três dias de antecedência, a tropa de choque de herdeiros da privataria, já estava de plantão. Transformaram-se em heróis do desenvolvimentismo. Curtiam a maresia.

 

Plantados em suntuoso hotel da Barra da Tijuca, à beira mar, sentiam-se apenas incomodados com marolinhas que traziam de longinguos emissários submarinos o mau cheiro do passado recente.

 

Apesar deste dissabor, a orla marítima mostrava-se mais acolhedora do que as instalações da Bolsa de Valores, que lhes traziam péssimas recordações. Naquele inóspito ambiente, enquanto os benemerentes do capitalismo selvagem se locupletavam, o povo era premiado com borrachadas,  com a alcunha de neobobos e com a privatização do patrimônio público.

 

O cenário era o mesmo, mas a cena era diversa.

 

No entanto, vozes fantasmagóricas nos confidenciam: a História só se repete como farsa.

 

Para não ser fieis à trágédia anunciada, os promotores deste ousado espetáculo renegaram a palavra fatídica: privatização.

 

Revolucionariamente, afirmam que estão transferindo recursos privados para estatais chinesas e brasileira. Quiçá estejamos a um passo do socialismo de mercado.

 

Nesta mis en scéne encomendada, a Central Chapa Branca fez valer seu desempenho e favores governamentais. Nos fez relembrar seu ex- dirigente, que se dizia merecedor dos altíssimos proventos de cargo comissionado, porque a Xuxa- sim, ela mesma- recebia muito mais da TV Globo.

 

Todos certamente cumpriram seu papel. Defenderam com unhas, dentes e uma chícara de chá de flor de laranjeiras o patrimônio publico. Findo o leilão, podem dormir o sono dos justos.

 

Talvez deplorem apenas a divisão de suas bases.

 

Alguns mantiveram renitentes e intoleráveis compromissos históricos e convicções anti-privantes. Poucos, é claro.

 

Os militantes de diárias e passagens aéreas, não iriam se abster de celebrar Celi Campelo na orla maritima do Rio de Janeiro.. Preferiram a candidez do luar e a penumbra dos banhos noturnos.

 

Outros, não menos licencisoso, fizeram extremada opção política. Sem nenhuma hesitação, expuseram sua  indiferença, transparente e cristalina, aos raios de sol.

 

Leilões, não privatizantes, na orla marítima do Rio de Janeiro, ainda que não atraiam investidores são convidativos para turistas e para aguerrida nova militancia sindical. Esta força de vanguarda, supostamente contraposta à economia poliítica do precariado, brilhantemente descrita por Ruy Braga.

 

 É preciso que se diga, a prática sindical também foi precarizada.

 

Temos hoje equipes de assessores sindicais que beiram o número de militantes em algumas destas entidades. Várias manifestações públicas são pavimentadas com “colaboracionistas” pagos com fundos sindicais. Estes pro labores aliviam desgates políticos de dirigentes, bem como os eximem do infausto trabalho de base.

 

Assessores também operam a miraculosa onipresença de direções sindicais onde não estão seus filiados. Em ondas de rádio, em canais de TV, em manchetes de jornais e em eventos publicitários.

 

Respondem também por esta tarefa abjeta, o branding, abraçado por entidades que se dizem avessas às estratégias de marketing,

 

Deste modo, o branding ganha corpo em sindicatos, transforma a invisibilidade da militância na visibilidade de suas marcas.

 

Na falta de intervenções efetivas propospera o recurso abusivo de panfletos publicitários, da distribuição de camisas, da produção de faixas, banners e bomés, que conferem visibilidade a entidades inertes.

 

Depois do enganoso sindicalismo de resultatdos, defrontamo-nos  com o sindicalismo de marketing.

 

A instrumentalização e a partidarização do movimento sindical criaram hidras de várias cabeças.  Cada qual proferindo palavras da ordem de suas conveniências, adequadas a sua sobrevida no pantanoso terreno da cooptação sindical.

 

Seus estofos são megashows que celebram a ascensão social do proletariado.

 

Por meio da distribuição de senhas e de prêmios, ludibriam, algumas vezes por ano, trabalhadores espoliados durante toda sua vida.

 

A ação militante deu lugar à espetacularização forjada pelo marketing sindical.

 

Neste quadro não causa estupefação o banho de indiferença na orla marítima do Rio de Janeiro, enquanto parcela da sociedade argui a nova modalidade de transferencia do patrimonio público.

 

O sindicalismo precarizado instituiu a estratégia do pão e circo, que se dissemina de norte a sul do país. A manipulação de desejos e expectativas  imediatas torna-se a garantia de perpetuação de dirigentes, incrustrados em entidades sindicais esvaziadas.

 

O distanciamento da militância lhes assegura a direção canhestra de entidades sindicais, vocacionadas à representação participativa e democrática de trabalhadores.

 

Seus postos se converteram em moedas de troca em obscuro jogo de poder e de cooptação, praticado por governos, partidos políticos e administrações de empresas. 

 

Assegura-lhes privilégios inconcebíveis, obtidos por quem não se reconhece no chão das fábricas.

 


Data: 22/10/2013