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Artigo - Revitalizar e radicalizar a democracia

Wagner Braga Batista

 

 

Os novos movimentos sociais, graças a sua complexidade, amplitude e diversidade, tornaram-se enigmas para as ciencias sociais. Manifestações coletivas públicas, com suas enormes diferenças e ambiguidades, também apresentam dificuldades para sua apreensão.  Dificilmente, quem quer que seja, arrisca-se a situá-las em mesmo modelo de análise ou padrão de comportamento. Como todo processo social ou conduta humana, estão sujeitas ao imponderável.

 

Porém as doses de imponderabilidade tem sido excessivas. Têm levado inúmeros articulistas a embriaguez e a delírios.

 

Quem não quiser reproduzir o senso comum, não se arrisca a colocar todas estas mobilizações no mesmo barco.

 

 Tampouco, perece-nos prudente apoiá-las, indistintamente.

 

Somente a habitual desfaçatez dos que as reprimiam no passado recente, permite que as exaltam como manifestações de livre pensar e agir.  A ambiguidade induz a que se digam de acordo com a liberdade de manifestação plena, mas não impede que embraguem leis que democratizam os meios de comunicação, que ampliam o  controle público sobre prestadoras de serviços, que favoreçam a crescente privatização da saúde e a mercantilização do ensino no Brasil, nem tampouco que se oponham radicalmente ao acesso de trabalhadores à terra e a outros direitos elementares.

 

A recorrente ambiguidade diferencia liberais de autenticos democratas. Os primeiros professam direitos nominais, os democratas, ainda que limitadamente, tentam efetivá-los.

 

A licenciosidade dos que apoiam incondicionalmente todas manifestações públicas é característica do cinismo liberal. É fruto de radical oportunismo, que nada tem a ver com a necessária radicalização da democracia.

 

Passamos a conviver com uma situação anomala. Em nome do direito de manifestação, grupos de diferentes compleições paralisam a vida social. Deste modo, atribui-se ao direito de manifestação a precedência sobre direitos inalienáveis da vida em sociedade.

 

A profusão de manifestações é fruto do descontentamento com estrutura socioeconomia iníqua, da degenerescência de instituições sociais, da inépcia de poderes e de políticas públicas, do esgarçamento de relações sociais, do aviltamento do trabalho humano, de pulsões, demandas e sentimentos difusos que não encontram efetivos canais de representação.

 

Nos anos 1960, a juventude apostara no acesso à educação como um caminho para a realização social, mesmo que se ativesse à  simples ascensão social. Num contexto de supressão das liberdades democráticas, o fechamento deste canal de ascensão social contribuiu para as manifestações de massa de 1968.

 

Ao que nos parece, na atualidade, os acenos da sociedade espetáculo, sob os auspícios da democracia liberal e de governos de coalisão, mostram-se insuficientes para atender anseios de jovens, sujeitos à crescente precarização e exclusão do mundo do trabalho.

 

Neste contexto, surgem diferentes reações . Oscilam da manifestação de rebeldia, de irascibilidade e de agressividade restrita à busca de agregação de forças, que façam valer a consciência coletiva e a força da pressão organizada destes novos protagonistas. Seus móveis são distintos. Os móveis da rebeldia são a autossuficiência, o voluntarismo e a intolerância com organismos coletivos, que constrangem a excentricidade do individualismo. Os desdobramentos de ações que primam pela excentricidade são incontroláveis.

 

Refutando a organização, a reivindicação e a representação coletiva, ações residuais também negam a democracia participativa, uma vez que disciplina e situa o protagonismo nas manifestações públicas nestes marcos.

 

Deparamo-nos com algumas manifestações que primam pelo voluntarismo e pela excentricidade. Em nome de direitos individuais, investem contra direitos coletivos.

 

Muitas vezes, pretendendo-se anti-liberais, afirmam-se como lídimas expressões do liberalismo. Colocam o exercício da liberdade individual acima de direitos coletivos.

 

Seus traços podem ser observados num largo espectro de deformidades ,que constrangem potencialidades críticas e democráticas de movimentos sociais e de manifestações públicas. São identificados em reivindicações liberal-corporativas, na dissuasão perpetrada por forças conservadoras, na desqualificação das correntes de esquerda, na discrimação de caráter  antipartidária, nas agressões gratuitas, que ferem ideais libertários, bem como na violencia irracional e indiscriminada contra tudo que se assemelhe à alteridade.

 

Ao ensejar a reflexão sobre o significado e o alcance das atuais manifestações públicas não estamos induzindo a sofismas.

 

É fato que direitos sociais têm sido ignorados em manifestações que pretendem promovê-los. Diga-se, manifestações realizadas em espaços públicos.

 

Para os democratas, as manifestações públicas são sinais de fortalecimento da democracia. Tendem a ser canais de politização de demandas e de convergência de ações em prol de direitos sociais. Para os liberais, em pesem os atuais discursos de conveniência, são sinais de desorganização da ordem vigente. Ou seja, da desordem.

 

Os desenlaces controversos destas manifestações ensejam reflexões que ultrapassem o adesismo, expresso pelo apoio oportunista a toda e qualquer manifestação que se diz pública.

 

Para não ir mais longe, públicas também foram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 2 de abril de 1964, e as sucessivas provocações da Patria Y Libertad, que chancelaram golpes militares na América Latina.

 

Entre tantos dissensos no campo das esquerdas, parece-nos que há um inegável ponto de converegência. As mobilizações de rua revitalizaram a luta política e despertaram para a necessidade de radicalização da democracia.

 

Estes devem ser os móveis dos que defendem a integridade de partidos políticos, de movimentos sociais e de manifestações públicas efetivamente comprometidos com a radicalização da democracia e com a ampliação dos direitos socias no Brasil.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 24/10/2013