Artigo - O esquerdista frente ao espelho Wagner Braga Batista Recentemente, artigo de Frei Betto, (1) este cristão militante do saboroso queijo mineiro, ensejou a releitura de manifesto plebeu, redigido por Marcelo Mario de Melo.(2) Os dois textos, por meio de linhas tortas, falam a mesma linguagem. Colocam nossas idiossincracias e soberbas diante do espelho. Em que pese a importancia de nossas convicções e compromissos com causas populares, esta conduta não nos concede autoridade para a emissão de credenciais ou juízos históricos. Compromissos sociais não são credenciais formais, não atestam a conduta e não confere autoridade aqueles que legitimamente os exercitam. É um dever de consciência, não um atestado de fidelidade ao determinismo histórico. Este compromisso não pode ser interpretado como um passaporte para o reino dos céus ou para o cargo de fiscal de quarteirão das nomenclaturas que ocupam o poder. Na existencia social, apenas a vida nos credencia a viver. È o suficiente para que possamos exercer com plenitude nossas convicções. Nenhum compromisso histórico está acima da vida humana, principalmente os arremedos de liberdade e autoridade, exaltados pelos heróis da ambiguidade. Os liberais utilizam-se de apelos vagos para legitimar práticas abjetas. Comumente dizem uma coisa e fazem outra. Ostentam ideário que não se concretiza em suas relações sociais. Por isto, esta postura ambigua se presta como uma luva para aludir às incoerencias, aos desvios e às deformidades dos que se dizem esquerdistas. Ser esquerda, defender a vida humana, direitos sociais e justiça, não é um mérito ou um credencial político. É um simples compromisso. Fazer profissão de fé desta circunstancia é um ato de sobreba e de hipocrisia. É o que chamamos farisaísmo político. Alusões autorreferentes, muitas vezes não expressam a consonância de declarações com práticas pessoais. São simples demonstrações de incoerência. Não somos o que imaginamos. Ou seja, a imagem engajada, altruista e generosa que compõe nosso ideário e nossos perfis nas redes sociais. Tampouco a figura emblemática que construimos de nós mesmos. Pouco nos assemelhamos aos heróis da vetusta produção acadêmica, arrolada artificiosamente para engirdar e envernizar nossos curriculos vitae. Um notável texto de Leandro Konder, entre tantas expressivas contribuições em vários campos da política , da filosofia, da cultura e das artes, nos brinda com reflexões sobre a ambivalência das ideologias, do conhecimento interessado. Num de seus textos interpela a fantasiosa construção de nossas trajetórias de vida. (3) Refens de contigencias históricas, que devem ser superadas, vemo-nos num cenário em que proclamações bombásticas habitam precárias consciencias políticas. Graças a estas pulsões, qualquer individuo sente-se um Lucifer anarquista assenhorado do direito de depredar tudo ao seu redor. Iluminado pela extravagancia da sua vontade, iguala-se aos que questiona, pretende-se o dono do pedaço. O pedaço de espaço público , no qual reivindicamos direitos coletivos. Todos podem se dizer esquerdistas, mesmo aqueles que se tornam locatários da radicalização liberal corporativa. Em nome desta causa restrita hospedam todas suas vontades em diárias e passagens aéreas, custeadas com recursos alheios. Alguns, antigos herdeiros de Lenin, hoje são apologistas da Escola de Chicago, buscam abrigo em cargos comissionados e se convertem à religião dos mandatários de sesmarias, alugadas a partidos de ocasião. No entanto, esquerdistas e direitistas como parasitas ideológicos, sobrevivem em quaisquer circunstancias. O velho Marx jamais disputaria a cadeira de marxista na Academia de Ciências, da URSS. Tampouco autenticos militantes de esquerda sentir-se-iam gratificados com o carimbo de esquerdistas. Mesmo que fosse estampado com tinta vermelha. No entanto, muitos que se dizem esquerdistas, hoje, sentem-se confortáveis ocupando camarotes reservados para a direita em governos de coalizão. Pois é, parodiando o velho Gramsci, podemos dizer que há o pessimismo da razão e o otimismo da vontade. Às vezes, não sabemos se é melhor regurgitar ou cuspir este gosto amargo de realidade para manter a esperança de que alguma ação politica dê certo. O deficit de consciência crítica e de coerencia política nos recomenda ouvir o que nos dizem Frei Betto e Marcelo Mario de Melo. Homens de esquerda, não se reivindicam desta condição para obter passaportes para favores ou apelido algum. Pós-modernos e frustrados ideólogos da terceira via, na virada do século, decretaram o fim da razão e das fronteiras entre a esquerda e a direita. Deram com os burros n´água. Sem que sejam farinha do mesmo saco, esquerdistas e direitistas, confundem-se e se igualam em seus desvios e deformidades. Confundem-nos por meio da verborragia e de vícios característicos dos militantes de si mesmos. Os militantes de pregações vazias , que não correspondem as suais reais inclinações experiências de vida.
Para arrematar este colóquio vamos reproduzir pensamento com o qual nos identificamos: O direitista padece da doença senil do capitalismo e o esquerdista, como afirmou Lênin, da doença infantil do comunismo. Embora mineiro, não fico em cima do muro. Sou de esquerda, mas não esquerdista. Quero todos com acesso a pão, paz e prazer, sem que direitistas queiram reservar tais direitos a uma minoria .. (Frei Betto). 1- Frei Betto, Direitista e esquerdista, Caros amigos, edição nº 187, outubro de 2012, p 15 2- Marcelo Mario de Melo, Manifesto da esquerda vicejante: mais textos e poemas, Recife, Comunigraf Editora, 2005 3- Leandro Konder, O “curriculum mortis” e a reabilitação da autocrítica in O marxismo na batalha das idéias, Rio de Janeiro, editora Nova fronteira, 1984, p. 53/62 Data: 01/11/2013 |