ARTIGO - A Anistia e a luta em defesa dos direitos humanos no Brasil
Wagner
Braga Batista *
A
Lei 6683, de 28 de agosto de 1979, anistiou praticantes de crimes hediondos
imprescritiveis.
A
anistia precária efetivou-se por meio de pacto entre elites conservadoras, que permitiu
a institucionalização de medidas excepcionais e garantiu a transição
democrática sob tutela das forças de sustentação do regime militar.
Neste
contexto, não houve revisão das sequelas políticas causadas por 21 anos de
ditadura civico-militar. Houve o
compromisso tácito de resguardar sob sigilo atos ilicitos e manter invioláveis
as informações sobre responsabilidade pelo funcionamento e pela manutenção do
aparato repressivo institucionalizado e clandestino, que consorciava agentes do
Estado e integrantes da sociedade civil.
Na atualidade, evidencias obtidas por meio de
relatos e testemunhos oculares aumentam a fragilidade deste acordo ilegitimo e
sinistro, por meio do qual responsáveis diretos e indiretos por sequestros,
torturas e assassinatos de presos políticos se auto-anistiaram.
A
publicidade e a repercursão destes crimes sensibiliza a opinião pública, coloca
em questão o aparato repressivo do
regime militar e legitima a luta pela
recuperação de direitos subtraídos pela ditadura cívico-militar.
A
denúncia destes crimes e a revitalização da memória política brasiliera impõe a
revisão histórica do golpe cívico-militar.
O
desfecho da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita foi frustrante. A
aprovação do Projeto de Lei de Petrônio Portela,
lider da Aliança Renovadora- ARENA, partido do governo militar no Senado
Federal e, então, Ministro da Justiça, estabeleceu a equidade entre crimes
hediondos praticados por integrantes do aparelho repressivo e ações de
resistência, realizadas por organizações políticas proscritas pelo regime de
exceção. Por meio da figura dos “crimes conexos” beneficiou sequestradores,
torcionários e assassinos de presos políticos. Outro dispositivo não concedia anistia
“aos condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e
atentado pessoal.” Esta restrição manteve no cárcere vários presos políticos,
libertos posteriormente mediante recursos judiciais.
Articulistas
do regime civico-militar reputavam como terroristas as ações armadas, que
reagiam ao aparato militar utilizado para coagir e reprimir forças
democráticas. Com o avanço do movimento
social e da consciência política, a pecha de terrorista recaiu sobre a ditadura
ilegitima, acuada moralmente e a mercê de reveses decorrentes do avanço doo movimento
de massas. As atrocidades contra opositores se generalizaram. Por meio de incêndios
de bancas de jornais, de atentados a bombas contra entidades que questionavam o
arbíitrio, a Câmara de Vereadores do RJ, a Ordem dos Advogados do Brasil, a
Associação Brasileira de Imprensa, entre outras, os descontentes com o avanço
das lutas democráticas demonstravam sua ira incontida..
O
mais celebre destes atentados, realizado por integrantes dos organismos de
repressão e paramilitares, ocorreu no Rio Centro, durante ato alusivo ao Dia do
Trabalhador com a presença de milhares de pessoas.
A
luta pela reparação por atos ilicitos praticados por agentes do Estado mudou de
patamar.
O
salto de qualidade na luta pela anistia resultou da valorização da defesa dos
direitos humanos. Estes princípios, muitas vezes negligenciados na resistência
à ditadura, ganharam relevancia com o recrudescimento das atrocidades praticadas
em instalações de organismos de repressão e de cárceres clandestinos. Consorciaram
a defesa da democracia com a irredutibilidade de direitos humanos ameaçados por
abusos contra a integridade fisica e moral de opositores, legitimados por
medidas excepcionais.
Os
principios contidos na Declaração dos Direitos Universais do Homem transformaram-se
em plataforma politica na luta contra o terror da ditadura. Forneceram estofo e
instruiram ações políticas visando resguardar a integridade fisica e
psicológica de opositores a mercê do aparato autoritário e repressor.
Ainda
hoje, convenções internacionais dão
suporte à defesa de direitos inalienáveis, que ainda estão sujeitos a
violações, abertas e veladas, praticadas em instituições públicas e privadas na
vigência de Estado de Direito.
O
indulto subliminar de sequestradores, torturadores e assassinos, perpetrado
pela Lei da Anistia, de 1979, fortaleceu a suposição de que crimes desta
natureza não são coibidos em nosso país. Contribuiu para sedimentar a
impunidade des eus autores. Contudo, este suposto não encontra respaldo em
Fóruns e Convenções do Direito Internacional.
Após 34 anos da promulgação da Lei da Anistia,
seu teor e suas consequencias ainda são questionados por conjunto qualificado e
diversificado de instituições sociais que denunciam a insubsistencia desta lei,
uma vez que, segundo convenções internacionais, crimes hediondos que lesam a
humanidade são imprescritíveis.
A
convergência e a pressão de movimentos pela anistia, ampla, geral e irrestrita
e de familiares de presos políticos desaparecidos mantiveram vivas as denúncias
das atrocidades da ditadura militar e do indulto forjado de praticantes de
crimes hediondos ( Tortura nunca Mais). Restauraram a defesa de direitos
humanos num patamar mais elevado.
Integrantes
deste movimento humanitário não são afiliados a mesmos partidos políticos, não possuem
as mesmas crenças religiosas e não pertencem ao mesmo grupo social. Podemos
afirmar que não se trata de movimento constituido por mesma base social.
Apesar
de sua diversidade e da reduzida quantidade de participantes, este núcleo de
defensores de direitos humanos ainda interpela o Estado, denuncia violações
praticadas contra opositores durante a vigência do regime cívico-militar e
exige a punição dos responsáveis por crimes de lesa humanidade. Certamente é um
movimento social que não tem a conformação de outros movimentos congeneres com maior amplitude, localização territorial e
participação massiva. Porém apresenta potencialidades críticas inegáveis.
Este
movimento fortalece a consciência política sobre a irredutibilidade dos
direitos humanos individuais, faz ver que direitos sociais, democráticos e
individuais são indissociáveis. São impraticáveis em regimes discricionários,
em meio a ambiguidades políticas e a conivência de poderes públicos com crimes
que lesam a humanidade e atentam contra a democracia.
As
lutas precedentes em prol do restabelecimento de direitos civis, resultaram em
acúmulos políticos e foram coroadas com a criação de dispositivos legais e de
instrumentos que visam o resgate da memória, a reparação de atingidos por
medidas de exceção e a punição dos responsáveis pelos crimes praticados durante
a vigência do regime militar.
A
revisão da lei da Anistia, a recuperação da memória e a reparação de atingidos
por atos ilicitos do Estado, durante o regime cívico-militar, constituem a base
de ideário que impulsiona esta vertente de amplo movimento em prol dos direitos
humanos, que visa coibir crimes contra a humanidade.
Dois
marcos da luta em prol da memória de atingidos por medidas excepcionais devem
ser mencionados. São conquistas políticas deste movimento. O primeiro, a Lei 10.559
/ 2002, que autoriza a compensação financeira de todos atingidos por medidas de
exceção. Este dispositivo modifica o teor da Lei da Anistia.
O
segundo, a criação das Comissões da Verdade que examinam, registram e tornam
públicas evidencias de atrocidades praticadas pela ditadura militar.
O
diligente trabalho das Comissões da Verdade beneficia-se dos acumulos obtidos
ao longo de quase meio século de arduas iniciativas deste complexo de agentes,
que não renunciou à busca de informações sobre fatos sinistros mantidos sob
sigilo militar, e ora exige a apuração dos crimes hediondos e a punição de seus
autores.
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Wagner Braga Batista é professor
aposentado da UFCG
Data: 06/12/2013 |