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Ensino de Matemática esbarra nos problemas de leitura

Estudantes vão mal na disciplina dos números porque não entendem enunciado das questões, dizem especialistas

 

"Helen ganhou uma bicicleta com um painel que informa a distância e a velocidade média da viagem. Num passeio, ela circulou por 4km em 10 minutos e, depois, mais 2km em 5 minutos. Qual das afirmações seguintes está correta: A) A velocidade média dela foi maior nos primeiros 10 minutos. B) A velocidade média dela foi a mesma nos dois trechos. C) A velocidade média foi menor nos primeiros dez minutos. D) Não é possível afirmar nada sobre a velocidade de Helen com esses dados".

 

O parágrafo reproduz uma questão de nível 2 da prova de matemática do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2012, que testou alunos de 15 anos em 65 países. Para se chegar à resposta, letra "B", basta interpretar o texto e fazer uma conta simples. Mesmo assim, só 33% dos brasileiros acertaram questões com este grau de dificuldade. Entre os principais motivos para o erro ou abandono da questão está a deficiência de leitura. Para especialistas, muitos alunos se saem mal em matemática de maneira geral porque não conseguem entender o que pede o enunciado.

 

"As colegas Ana, Alice e Aurora foram comprar seus livros de matemática. Alice estava sem sua carteira. Ana e Aurora pagaram pelos três livros. Ana contribuiu com R$ 43 e Aurora com R$ 68. Quanto Alice deve pagar para cada uma?"

 

O parágrafo reproduz uma questão da prova da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) de 2013 para alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental. A resposta correta (R$ 6 e R$ 31) era a opção "E" da múltipla escolha. Organizador da Olimpíada, cuja décima edição está com inscrições abertas a partir de hoje, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) não tem dados específicos, mas se pode afirmar que a maioria esmagadora dos 5,4 milhões de estudantes submetidos à questão não foi capaz de resolvê-la.

 

- Os alunos do Brasil não são estimulados a ler, não desenvolvem o hábito. Daí a dificuldade para interpretar questões de matemática com enunciados que exijam interpretação de texto e raciocínio lógico. Os estudantes, no ensino básico, estão mal acostumados com questões como "resolva a equação abaixo" - comenta o professor Michel Spira, do departamento de Matemática da UFMG, coordenador de provas da OBMEP de 2005 a 2012. - Muitas questões que exigem pouco conhecimento matemático são abandonadas porque o estudante não entende o enunciado ou tem preguiça de ler.

 

Leitura Ruim é 'barreira inicial'

 

Os resultados da Prova ABC, aplicada pela ONG Todos Pela Educação em escolas públicas e particulares do país, também mostram que o aprendizado de matemática anda lado a lado com o de escrita - até porque as boas escolas oferecem ensino eficiente em ambas as áreas. A Prova ABC de 2012 avaliou 54 mil crianças de 2º e 3º anos do ensino fundamental. Metade resolveu questões de leitura e metade, de matemática. Todas fizeram a prova de escrita. Analisando os dados, a ONG observou que, quanto maior é a nota da redação, mais perto o aluno chega dos 175 pontos, rendimento considerado satisfatório, na prova de matemática.

 

Para Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, é correto dizer que, para estudar matemática, a "competência leitora" é fundamental.

 

- A criança que está sendo avaliada pela sua competência matemática e esbarra na leitora não consegue sequer ser avaliada. É uma barreira inicial - argumenta Priscila. - O ensino de matemática deve estar ligado à leitura, à contextualização. O objetivo é preparar o aluno para a vida. E a vida não vai dar equações prontas para ele.

 

Em avaliações como o Pisa, o Brasil vai mal tanto em matemática como em leitura. O país ficou abaixo da média em todas as disciplinas na edição 2012 do programa, que também mede a competência dos alunos em ciências. No ranking das 65 economias globais, o Brasil ocupa a 58ª colocação geral.

 

Assim como no Pisa, as questões da olimpíada do Impa têm enunciados que criam situações possíveis do cotidiano e pedem uma resolução. Quase sempre, o aluno precisa interpretar o texto e identificar que conteúdo matemático deve ser empregado. Muito mais do que um evento para revelar prodígios com números, a OBMEP tem como função principal disseminar o bom ensino da disciplina na rede pública do país. O material didático é disponibilizado para todas as escolas que se inscrevem. Muitos professores, aliás, fazem oficinas com os coordenadores da olimpíada para melhor aplicar o conteúdo divulgado.

 

- Alguns professores também não entendem enunciados longos. Numa oficina em São Paulo, vi um professor, depois de ter a questão explicada para ele, dizer: "Era só isso que estava sendo pedido?" - conta Michel Spira.

Na opinião do professor Cesar Camacho, diretor-geral do Impa, se uma escola adota o material didático da OBMEP e passa a se guiar pelo que está ali, os alunos vão aprender matemática:

 

- O objetivo é colocar os estudantes diante de questões que pedem seu raciocínio, que só pode ser melhorado com a prática. É como uma ginástica.

 

Camacho não acha que a OBMEP seja uma tábua de salvação para a educação no país, mas um instrumento para ajudar as escolas. Ele não esperava tamanho crescimento do evento. A primeira edição envolveu dez milhões de estudantes de 31 mil escolas de 93,5% dos municípios do país. No ano passado, foram 19 milhões de alunos de 47 mil escolas de 99,3% dos municípios.

 

Para esta décima edição, os colégios podem se inscrever a partir de hoje. Alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio são divididos em três níveis. A OBMEP ocorre em duas fases. Este ano, a primeira será no dia 27 de maio, com questões de múltipla escolha. Nesta, 5% dos alunos se classificarão para a segunda fase, com questões discursivas, que valerá medalhas para os melhores colocados de várias cidades. Em 2013, foram 499 medalhas de ouro, 900 de prata e 4.600 de bronze. Minas Gerais foi o estado com maior número de ouros (148), seguido por São Paulo, com 109. O Rio apareceu em terceiro, com 54.

 

Em dez edições, a OBMEP construiu um histórico de escolas que viram seus professores e alunos engajados no evento, estudando para a olimpíada e, portanto, abraçando a matemática. Cidades como as pequenas Dores do Turvo (MG) e Cocal dos Alves (PI) tiveram seus colégios mergulhando no evento e colhendo excelentes resultados.

 

Muitos dos estudantes que se destacam acabam fazendo cursos de aprimoramento no Impa ou em universidades locais. Gabriela Radke, de 16 anos, mora em Joinville (SC). Participa da OBMEP desde 2008 e já ganhou dois ouros, uma prata e um bronze. Ela está fazendo um curso de verão na sede do Impa, no Horto Florestal, no Rio.

 

- Sem as olimpíadas, acho que não saberia o que é matemática de verdade. Graças às competições, também ampliei minha rede de contatos e comecei a procurar novos desafios - diz a vestibulanda, que pretende cursar Matemática na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 

Vencedor de seis ouros na olimpíada do Impa, Alexandre Pacanowski, de 17 anos, faz parte de um grupo de medalhistas que participa de competições mundiais, representando o Brasil:

 

- Melhor que as medalhas é o conhecimento. Todos nós tivemos a chance de desenvolver o raciocínio lógico.

 

(O Globo)


Data: 11/02/2014