topo_cabecalho
Artigo - FALANDO A VERDADE: um exemplo de privatização disfarçada da saúde pública

Homero Gustavo C. Rodrigues*

 

  

Dando continuidade às observações feitas no artigo EM DEFESA DO POVO – A DESPEITO DA EBSERH, vimos acrescentar mais informação que elucida dificuldades pelas quais passa o Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC) e que demonstra a necessidade de um gerenciamento diferenciado, novo, capaz de assegurar quantidade e qualidade à prestação do serviço no atendimento à saúde pública.

 

Há exatamente 12 anos, em 29 de março de 2002, a Empresa Brasil de Comunicação (Portal EBC) publicava notícia do Ministério da Educação com a seguinte manchete: “MEC entrega equipamentos à Universidade Federal da Paraíba”.No corpo desta notícia havia referência aos equipamentos que estavam sendo recebidos pela UFPB, no valor de US$ 4,2 milhões, oriundos do Programa de Modernização e Consolidação da Infraestrutura Acadêmica das Instituições de Ensino Superior (IES) do Ministério da Educação, destacando que “O Hospital Alcides Carneiro, no campus de Campina Grande, já recebeu um aparelho de cineangiografia, que custou ao MEC US$ 974 mil e deve ser instalado nos próximos dias. O aparelho vai proporcionar a realização de procedimentos cirúrgicos avançados, na área de cardiologia e neurologia”.

 

Destacamos que, à época, um dólar valia R$ 3,00!

 

Quatro anos depois, em 2006, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou informações ao Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC) acerca do funcionamento do referido equipamento. O então Diretor Geral, Dr. Evaldo Nóbrega, encaminhou resposta por meio do Oficio Nº. 295/2006 DG/HUAC/UFCG, afirmando que o aparelho de Cineangiocoronariografia Digital estava sem funcionar e apresentando as justificativas para este fato.

 

Ao assumirmos a Direção do HUAC, juntamente com Dra. Alana Abrantes, em 2007, uma de nossas primeiras providências foi colocar o equipamento para funcionar, dado que entendíamos ser um absurdo, uma situação inominável, um hospital ter, há cinco anos, sem funcionamento, um equipamento tão caro e da maior importância para a sua clientela – uma população extremamente carente e sem recursos para pagar, na iniciativa privada, por procedimentos de alta complexidade e alto custo, como estes na área de cardiologia e neurologia.

 

Inicialmente, contratamos a empresa F. Gomes Engenharia (CNPJ 08.603.790/0001-01), por meio de licitação pública (Pregão Eletrônico Nº. 55/2007), para realizar as reformas necessárias no setor onde estava instalado o citado equipamento, adaptando o referido setor às normas sanitárias vigentes. Em seguida, adquirimos todos os materiais de consumo (cateteres, fios-guia, stenter, contrastes) necessários à realização dos exames de cateterismo cardíaco, bem como todo o mobiliário para o setor, além de termos providenciado a instalação de rede de gases medicinais e feito a aquisição e a instalação de aparelhos de ar condicionados compatíveis com o exigido para o ambiente.

 

Concluída a reforma, recebemos o seguinte parecer da Agência Estadual de Vigilância Sanitária - AGEVISA, por meio do Relatório de Inspeção N°. 1237: “O estabelecimento acima citado está apto a desenvolver atividades nos serviços de hemodinâmica e oncologia adulto e pediátrico, pois até o momento presente não apresenta irregularidades que representem risco iminente a saúde”.

 

Quando imaginávamos tudo pronto, chamamos a empresa TOSHIBA, fabricante do aparelho de cineangiografia, para colocá-lo em funcionamento. Fomos, nesta ocasião, informados de que a instalação requeria um contrato de manutenção corretiva e preventiva, o que nos levou a firmar um contrato, ao custo de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) por mês, para a instalação e consequente manutenção do mesmo.

 

Para que o serviço passasse a atender à população, e ser contratualizado, seria necessário o HUAC passar por um processo de Habilitação em Alta Complexidade em Cardiologia na Secretaria de Saúde do Município. Em 29 de setembro de 2008, encaminhamos, ao Senhor Secretário de Saúde do Município (com cópia para o Conselho Municipal de Saúde), o Ofício Nº. 168/2008 DG/HUAC/UFCG, por meio do qual solicitamos também a habilitação do setor de hemodinâmica. Não recebemos resposta para esta solicitação!

 

Em 10 de março de 2009, reenviamos a solicitação ao setor competente da Secretaria de Saúde, encaminhando, em anexo, todos os documentos referentes ao credenciamento da Hemodinâmica. Em 30 de março de 2009, a Secretaria de Saúde do Município, por meio do Oficio SMS Regulação Nº. 018/09, comunica-nos a existência de algumas pendências no processo de Habilitação em Alta Complexidade em Cardiologia, ao que imediatamente respondemos, por meio do oficio Nº. 80/2009 DG/HUAC/UFCG. Continuamos, no entanto, sem nenhuma resposta para a nossa solicitação.

 

Transcorria o ano de 2009, quando recebemos, em nosso gabinete, o Secretário de Saúde do Estado, que nos relatou uma situação bastante dramática, vivenciada em sua pasta: crianças e adultos, portadores de cardiopatias graves, necessitando de cirurgia cardíaca, estavam sem receber o tratamento adequado por inexistir, na Paraíba, as condições necessárias para a realização dos mencionados procedimentos cirúrgicos. Tal situação estava levando o Estado a enfrentar demandas judiciais, que determinavam a transferência e custeio das citadas cirurgias em outros estados, chegando, em alguns casos, ao custo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

 

Na ocasião, o Secretário de Estado da Saúde nos fez a seguinte pergunta: “Vocês tem condições de realizar essas cirurgias?” Nossa imediata resposta foi: “Sim, a depender do provimento de certas condições.” Informamos que não estávamos formalmente habilitados pelo gestor municipal para prestar esse serviço, ao que ele rebateu, dizendo não ter importância este entrave. “Quais são as condições de que vocês precisam?”, indagou o secretário. Nossa resposta: “Temos pessoal muito qualificado no HUAC, mas precisamos de mais recursos humanos (enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, cirurgiões, anestesistas)”.

 

Se assim respondemos é porque tínhamos uma parte do pessoal necessário, uma UTI equipada, um equipamento pronto para realizar cateterismo cardíaco (Cineangiocoronariografia Digital), instrumental cirúrgico e um aparelho de ecocardiograma novíssimo e não temíamos enfrentar o desafio, se houvesse a garantia, por parte do Secretário de Estado da Saúde, de que iria contratar todo o pessoal que fosse necessário, o que de fato ocorreu. 

 

Somos apartidários e não tínhamos nenhuma simpatia ou antipatia pelo governante da época. Intentávamos, pura e simplesmente, socorrer aqueles desvalidos que buscavam um atendimento médico que lhes restabelecesse a saúde ou lhes preservasse a vida. Alguns, no entanto, chegaram a nos acusar de estar sendo manipulados, a serviço do estado, ou fazendo propaganda para o governador que pretendia se reeleger. Nada disso nos incomodou. Se todos os esforços tivessem sido feito em prol de uma única vida, já teria valido a pena! 

 

Em 2010, chegamos a realizar 159 cateterismos cardíacos (com o equipamento que estava parado há 8 anos), 100 cirurgias cardíacas em adultos e 25 em crianças. Até que, em setembro, fomos comunicados, por um representante da Secretaria de Saúde do Estado, que “se o homem perder a eleição, pode parar tudo”. E o “homem” perdeu!

 

Com os insumos remanescentes, ainda foram realizados 97 cateterismos cardíacos, no ano de 2011, em pacientes internados e, em alguns casos, por solicitação da própria Secretaria de Saúde do Município de Campina Grande, aquela mesma secretaria que não fez os encaminhamentos necessários à habilitação do HUAC para a Alta Complexidade em Cardiologia. Nunca coube e não caberia jamais algum ato de revanche, com uma negativa a qualquer procedimento solicitado. Sempre prevaleceu a saúde do paciente e a importância da vida!

 

Em 2013 – pasmem! –, não foi realizado NENHUM cateterismo cardíaco no HUAC!  É verdade que a atual direção do HUAC protocolizou novo pedido de habilitação, estando até agora sem nenhuma resposta ou encaminhamento. Hoje, 19 de março de 2014, 12 anos se passaram, e a cineangiocoronariografia digital do HUAC se encontra parada. Enquanto isso, no mesmo período, mais dois equipamentos foram colocados em funcionamento na cidade, em hospitais gerenciados pela iniciativa privada.

 

Encaminhar pacientes do SUS para realizar estes procedimentos que o HUAC poderia realizar é uma forma disfarçada de privatizar a saúde pública! É também excluir nossos futuros profissionais de saúde do acesso a tão importante meio diagnóstico!E poucos estão atentos a este fato!

 

Esse breve relato revela a nossa incapacidade administrativa e política para gerir uma instituição de extrema complexidade, como é um hospital, cuja direção requer bem mais do que boa vontade e otimismo. Precisamos de equipes qualificadas, de assessoria jurídica, de líderes bem remunerados; precisamos do estabelecimento de metas que não desprezem a racionalização dos recursos; precisamos de agilidade na condução dos problemas que podem colocar em risco a vida humana; e precisamos, sobretudo, de recursos humanos qualificados e em quantidade suficiente para podermos oferecer o atendimento à saúde com qualidade.

 

Precisamos da EBSERH, pois ela dispõe de diversos assessores jurídicos para acionar judicialmente gestores ou instâncias de poder que impedem ou dificultam a habilitação de serviços públicos, porque ela tem equipes de planejamento experimentadas, convênios com instituições renomadas para treinamento de gestores, de maneira a que todos os esforços possam ser convertidos em benefício dos usuários do SUS, evitando-se o absurdo, o crime, o escândalo que é o DESPERDÍCIO DE RECURSOS PÚBLICOS, como o aqui relatado.

 

Enquanto não aderirmos à EBSERH, única forma que foi oferecida para solucionarmos os problemas pelos quais vêm passando os hospitais universitários, estaremos, todos nós que – de uma forma ou de outra – somos responsáveis pela condução desta adesão, cometendo ou sendo coniventes com um crime contra o povo, contra a vida, em nome de ideologias, de defesa de classes, de oposição a este ou aquele gestor, apenas por nos recusarmos a experimentar, na casa dos ensaios e dos testes – a Universidade – um novo modelo de administração para os nossos hospitais.

 

 

* secretário de Recursos Humanos da UFCG, e ex-diretor Administrativo do Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC)

 


Data: 20/03/2014