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Artigo - A afirmação e a regulamentação da profissão de desenhista industrial e designer

Wagner Braga Batista*

 

Assim como as demais especializações, o desenho industrial resulta de complexa e crescente divisão social de trabalho. Nas sociedades contemporâneas, novas profissões surgiram do processo de industrialização. Distinguem-se pela delimitação de campo de trabalho, pela formação e a qualificação de contingente de trabalhadores com aptidões, atribuições, identidades e laços orgânicos específicos, que viabilizam a constituição de estatuto profissional. O conhecimento técnico e domínio de processos produtivos são elementos indispensáveis para a afirmação de novas profissões.

 

Na transição da manufatura para a produção industrial em larga escala, o artesanato foi gradativamente suplantado como modalidade produtiva. A exemplo do que sucedeu no campo gráfico, quando técnicas de reprodução se prestaram a multiplicaçào de suas matrizes, a indústria estimulou o desenvolvimento de projetos de formas e de produtos viabilizando a produção em série.

 

A mecanização da produção de artefatos e a formação das indústrias  suscitaram um novo atributo e um novo horizonte para as artes, qual seja, prover a fabricação de produtos em série.

Artes aplicadas, artes industriais,  estética industrial, desenho industrial, entre outras denominações, ensejaram uma nova objetividade para atividades criativas.

 

Contudo, este processo de incorporação não foi harmonioso. Provocou reações.  Em síntese, questionavam a desumanização dos processos criativos, a instrumentalização das artes e a adequação das formas às exigências da mecanização. Criou-se descompasso entre idílicas aspirações de artesãos e demandas inadiáveis de populações que afluiam para grandes centros, potenciais beneficiárias de avanços tecnológicos. Cabe-nos assinalar que a produção industrial ao mobilizar vultoso aparato tecnológico e enorme volume de recursos e   altos investimentos, exiigia crescente planejamento economico e gerenciamento da produção para assegurar a amortização de seus investimentos.  

A produção em série tornara-se uma exigência da nova sociedade de massas, ciosa de demandas sociais irredutíveis..

 

Contudo, a produção iterativa também sofria deformidades. A recuperação de estilos  projetava em alguns bens de consumo  grotescos modos de vida de camadas sociais emergentes. Contrapunha excrescências formais à função eminentemente utililitária de artefatos. O historicismo ingles é marcante da prevalência de valores simbólicos, do rebuscamento e da exacerbação formal como elementos que transgridem valores de uso, indispensáveis a produtos industrializados. Sob este viés, o historicismo ingles antecipou o questionamento da nova objetividade das artes. Uma questão ainda atual :  Qual a relação necessária entre a forma e a função de artefatos  industrializados?

 

Este foi o pano de fundo do desenvolvimento do desenho industrial na virada do século XIX.

 

Os impactos economicos desencadeados por nações do capitalismo tardio, entre os quais, a militarização da economia e os confrontos bélicos provocados pela disputa de mercados, e noutra vertente, a revolução socialista, foram processos que matizaram a concepção e a destinação de artefatos industriais. 

 

Neste contexto surgem as primeiras institituições voltadas à capacitação e à formação de projetistas de produtos para a industria.

 

A Bauhaus, misturando tecnicismo e experimentalismo em distintas conformações,  ao longo de 14 anos de existência, destacou-se entre estas experiências pioneiras. Em 1933, fecha as postas com a ascenção do nazismo.

 

Na economia de mercado, o desenvolvimento de produtos sofre o contingenciamento das forças que constrangem ou impulsionam a produção. A crise de superprodução, que abalou a  economia norte-americana no final de década de 1920, ensejará novos atributos para a produção de bens duráveis e para os veículos publicitários, colocando em primeiro plano mecanismos indutores do consumo.

 

Após a II Guerra Mundial, o desenho industrial terá papel preponderante na indução do consumo, emulado pela propaganda do american way life. O streamline  e o styling, dois de seus artificios, impulsionaram a cultura da obsolescência de produtos e de suas formas em nome de novidades frugais.

 

Na década de 1950, a programação visual também se afirmará como poderoso recurso publicitário associada às estratégias de marketing.

 

No Brasil, desde a década de 1950, desenvolveram-se iniciativas assistemáticas relacionadas à divulgação, à capacitação e ao emprego do desenho industrial.

 

A ideologia desenvolvimentista articulou o fomento do desenho industrial à perspectiva de substituição de importações de bens de consumo duráveis e de geração de nichos de mercado voltados às demandas das camadas médias. 

Em 1963, no Estado da Guanabara, surge o primeiro curso de graduação na Escola Superior de Desenho Industrial-  ESDI. Iniciativas precedentes, relevantes para a recuperação histórica, não tiveram como escopo a formação de profissionais graduados.

 

Em 1970 e 1972 realizam-se as primeiras Bienais de Desenho Industrial, no Museu de Arte Moderna-MAM, no Rio de Janeiro. Num quadro de autoritarismo e de censura, limitações impostas pela dependência economica do país, que constrangiam a indústria nativa e dificultavam a afirmação profissional, foram assinaladas em painel que expunha a miscelânea de produtos e marcas estrangeiras.

 

Em 1979, esta experiência será retomada com a I Bienal de Design, em Curitiba.

 

Com ênfase na produção gráfica, em 1990,  a I Bienal de Design Gráfico, na cidade de São Paulo, manteve a continuidade e se desdobra em dez versões subsequentes.

 

No que tange à formação profissional, nas duas últimas décadas houve vertiginoso crescimento do número de cursos.

Ao final da década de 1970, havia registro de 16 cursos de desenho industrial. (Bonfim, 1978). Na atualidade, segundo cadastro do Instituto Nacional de Estatísticas e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira- INEP há 770 cursos de Design e 82 de Desenho Industrial. ( dados atualizados em março de 2014).

 

Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES há 15 mestrados academicos, 4 mestrados profissionais e 8 doutorados na área de desenho industrial ( informação atualizada em março de 2014).

 

Com diferentes motivações e apelos surgiram entidades de representação profissional. A primeira criada em 1963, após o retorno de quatro profissionais do Congresso do Internationral Council  of Societes of Industrial Desigrr- ICSID . A Associação Brasileira de Desenho Industrial- ABDI, foi concebida como espaço de discussão e de promoção desta atividade. Congregava basicamente arquitetos e publicitários.

 

No contexto das lutas pelas liberdades democráticas e pela representação social de diferentes segmentos da sociedade civil surgem entidades proto-sindicais de desenhistas industriais, as duas Associações de Profissionais de Desenho Industrial de Ensino Superior- APDINS, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, bem como se verifica a tentativa de consolidação de entidade mais abrangente, a Associação Nacional de Desenhistas Industriais. Estas frutiferas tentativas de representação coletiva deram lugar nos anos recentes a cerca de duas dezenas de entidades com dinâmicas e perfis bastante diferenciados, que se reivindicam da representação de parcela da diversidade de segmentos que compõem este elástico campo de trabalho.

 

Ao longo de 40 anos, os programas de fomento não primaram pela eficácia, eficência e efetividade. Descontínuos, deixaram poucos registros, o que dificulta sobremaneira sua avaliação.

 

Estima-se que o Programa 6, alinhado com as meta do I Plano Nacional de Desenvolvimento, formulado durante o regime militar, em 1972, tenha sido uma das primeiras intervenções estratégicas de governos federais nesta área. Propunha o apoio a núcleos de desenho industrial constituidos em São Paulo, Minas ( Fundação  Centro Tecnológico de Minas Gerais)  e no Rio de Janeiro ( Instituto Nacional de Tecnologia-INT) Este é o primeiro programa de fomento proposto pelo governo federal.

 

Em 1983, sob os auspícios do CNPq, do FINEP, de Federações de Indústrias Estaduais, constituem-se os Laboratórios Associados de Projeto de Produto. O primeiro na UFPB, em Campina Grande, em 1983. No ano seguinte estrutura similar será criada em Florianópolis. Posteriormente serão denominados Laboratórios Brasileiros de Desenho Industrial.

Em 1995 é criado o Programa Brasileiro de Design- PBD, iniciativa ambiciosa que conjuminava várias iniciativas voltadas à indução de produtos para exportação. Seu centro de gravidade é a promoção da Marca Brasil. Em estágio falimentar este programa desdobrou-se no Via Design, criado em 2002, pelo SEBRAE, e no apoio à formação de 15 Centros Regionais de Design, a partir de 2003.

 

No final da década de 1980, surge a Associação Brasileira de Design- ABnD, que se desdobrará na formação da Associação de Ensino de Design do Brasil- AEND- BR, responsável pela edição do primeiro periódico indexado especializado ( Estudos em Design, 1994), bem como pela organização dos eventos técnico-científicos inaugurais, os P&D Designs. Neste contexto ocorre a formação de programas de pós graduação, a consolidação de grupos de pesquisa e trabalhos teóricos que contribuem para a superação da mentalidade empirista e operacional dominante, até então, neste campo de atividades.

 

 Ao longo desta década acentuou-se a diversificação do campo de atividades.

 

No V e último Encontro de Escolas de Desenho Industrial, realizado em Curitiba, em 1988, adotou-se a denominação de design para especificar este vasto campo de atividades.

 

A atividade editorial voltada à divulgação do desenho industrial ou design também se expandiu e se diversificou extraordinariamente. Comparativamente, podemos registrar que durante a década de 1960, aproximadamente duas dezenas de títulos,  informavam a natureza e os contornos destas atividades. Atualmente há editoras especializadas e vasta bibliografia que alcança todos os campos temáticos desta área.

 

Estima-se que haja mais de trezentas teses e quinhentas dissertações com pesquisas nesta área, o que nos àbre um amplo e profícuo campo de conhecimento e nos sugere novas prospeções..

 

Segundo levantamento feito pelo SEBRAE (2012) havia 848 empresas e escritórios de design com diferentes compleições.

 

Para concluir assinalamos que a expansão e a consolidação desta atividade no Brasil e no mundo, bem como o inegável reconhecimento de orgãos públicos, de entidades e de segmentos da sociedade civil ainda não se traduziram na necessária  regulamentação da profissão .

 

* Professor aposentado da UFCG


Data: 20/03/2014