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Artigo - A mercantilização e o novo consumidor de direitos

Wagner Braga Batista

 

Na atual conjuntura, em que pese a emergência de cultura de valorização e de defesa de direitos humanos, acompanhada do surgimento e do fortalecimento de organismos voltados a esta causa, também se observa  tendência inversa, de caráter regressivo, voltada ao questionamento, ao ataque, à digressão e à supressão de direitos.

 

Neste quadro, a disjunção de propósitos e o embate político recorrem a artificios e ambiguidades, típicos do pensamento liberal, que enfatizam direitos nominais, porém se utilizam de vários mecanismos para distorcer e inviabilizar sua efetivação.

 

Convém assinalar que, neste embate, direitos individuais, residuais e grupais têm adquirido relevo em políticas públicas em detrimento da defesa de direitos sociais universais e irredutiveis, cuja realização contradita a lógica concentradora, espoliativa, predatória e excludente do sistema economico em vigor.

 

Deste modo a tônica e a prevalência de direitos individuais, inquestionáveis, desdobra-se num viés reducionista, a nosso ver. Resulta em duas digressões significativas.: a subsunção de direitos universais e coletivos à realizações individuais e o gradativo deslocamento da esfera pública pela iniciativa privada como espaço preferencial para a provisão destes direitos.

 

Direitos universais, indispensáveis à vida humana, convertem-se em objetos de fruição, restritas apenas aos que detêm poder aquisitivo para consumi-los, sob a aura da democratização de direitos.

 

O discurso liberal, habilmente, apropriou-se e transformou a perspectiva de universalização de direitos numa corruptela da democracia. Ao canalizar para o plano das relações de compra e venda de bens e de serviços, sugere que o Estado estaria inapto para prover estes direitos sociais. Ao desqualificar instituições destinadas ao atendimento público, depreciar políticas públicas e alimentar a crença na excelência de serviços obtidos  por meio de relações mercantis abre campo para disseminar o investimento privado. Por meio de ações de mào dupla que favorecem apenas aos que podem vender e comprar direitos..

 

Aludindo às oportunidades de acesso ensejadas pelo mercado de bens e de serviços, o discurso liberal circunscreve a realização de direitos elementares à oferta proporcionada por empresas privadas e à capacidade de consumo de obtê-los mais facilmente graças ao poder aquisitivo individual.

 

Deste modo, reconfigura direitos sociais.

 

Adota novos pressupostos e se utiliza de uma nova terminologia para sugerir que a oferta de direitos elementares, graças à nova dinâmica socioeconomica, diferenciam individuos e se transformam em fontes de investimentos pessoais. Ideologicamente, por meio de malabarismos conceituais, legitima a lógica excludente que institui a compra de direitos inalienáveis. Convalida, por exemplo, o ensino pago fazendo crer que se trata de capital intelectual, de fator diferencial, que aumenta a capacidade de iniciativa, a autonomia, o empreendedorismo, a competitividade, em sÍntese, o individualismo, que esgarça a sociabilidade cogitada pela ação educacional. Por meio desta digressão transforma o papel socializador da educação num mero fator produtivo, capaz de emular a concorrencia no jogo de forças do mercado.

 

Neste enquadramento, a educação se despoja de seu papel formador para instruir agentes da acumulação privada. Ao invés de promover, indistintamente, a emancipação humana torna-se instrumento da compulsão empreendora. Deste modo legitima-se como qualquer outra força produtiva que deve ser permamentemente adequada às estratégias e flutuações do mercado. Com tal configuração, sua aquisição se legitima como investimento pessoal que aumenta o poder de disputa num meio inóspito. Equivale a uma arma utilizada para sobrepujar adversários, um instrumento potencialmente voltado para o empreendedorismo, para a competição. Sob este viés, convalida-se a desordenada expansão do ensino pago e as altas taxas cobradas por este “investimento” pessoal em instituições  privadas de ensino..

 

Sob este arcabouço ideológico, ganhou vulto a mercantilização de direitos. Impulsionada por estratégia que reveste direitos de valores simbólicos utiliza-se de apelos que educação como promotora de fatores produtivos, competitivos, distintivos, de prestigio, de ascensào social, entre outras sinalizações, bem como a saúde pública como prerrogativa individual, sinomino de bem estar restrito. Daí prevalecerem intervenções que privilegiam desde a estética pessoal até sofisticadissimas técnicas de diagnóstico e de tratamento personalizado de doenças em detrimento da medicina preventiva, de largo alcance que tem como alvo o conjunto da população.

 

Estas digressòes de políticas publicas e de direitos sociais sào patrocinadas por corporações que se valem de estratégias publicitárias de dissuasào centradas na desqualificação da esfera ppública e na disseminação da idéia da eficiência do gerenciamento privado.

 

Direitos sociais nào nào mercadorias que oscilam em função da rentabilidade do mercado.

 

Sujeitos às flutuações e aos parâmetros do mercado, direitos sociais sofrerão inegável atrofia. São oferecidos, usufruídos aferidos a depender do poder aquistivo dos que tenham acesso às redes de prestação de serviços.

 

Não serão reconhecidos e avaliados como bens indispensáveis à vida. Como direitos quitativos de seres humanos, identificados por suas aptidões, necessidades e potencialidades, mas como mercadoria, acessível graças a oscilações do mercado e ao poder de compra de potenciais usuários destas redes. Ou seja, a obtenção de direitos elementares fica subordinada à capacidade de compra.

 

As potencialidades e a realização da cidadania, sob este viés, reduzem-se à capacidade de compra dos novos cidadãos, amesquinhados pela mera condição de  consumidores de direitos.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 25/03/2014